22 de outubro de 2009

Nem todos são inocentes no "Leblon"

O título é uma brincadeira meio sem graça em torno do nome do articulista da Carta Maior, Saul Leblon, que publicou um artigo muito bom no site da Carta Maior. Aliás, a Carta Maior traz diversos artigos excelentes. Vale a pena conferir e ler todos, com calma. Observo que a ferocidade e mau caratismo das mídias latino-americanas e sobretudo seu monolitismo ideológico conseguiram uma proeza que eu julgava impossível. A esquerda latino-americana está deixando para trás o seu troskismo fragmentante e inepto, que converte qualquer força ou movimento político num saco de gatos mordendo-se uns aos outros, e adquirindo maior consciência de si mesma e dos perigos à sua volta. Está aprendendo a medir as correlações de força onde se encontra e perdendo aos poucos aquele melindre preconceituoso, aquele jeito ongueiro e reacionário de ser, que tanto prejudicou a esquerda durante a era da redemocratização. Aquela esquerda cabelo-no-suvaco, rancorosa, acadêmica, pusilânime na relação com a imprensa, eclesiástica, desprovida de astúcia, desleal, vaidosamente midiática, perdeu espaço para uma outra, com mais jogo de cintura, mais graça, experiente, popular, culta sem ser pedante, valente no enfrentamento da imprensa, leal, astuta, uma esquerda de mulheres bonitas e homens espirituosos. Enfim, é um processo cultural mais profundo e mais importante do que, simplesmente, ganhar espaço eleitoral. Os modos de pensar (eufemismo mais suave para se referir às ideologias) disputam espaços na sociedade civil. Por isso insisto que a política não se resume às disputas mais visíveis - mas acontece também nos subterrâneos de cada consciência. Na literatura, na ciência, nas artes, na TV, no cinema. Na blogosfera, estamos bastante conscientes dessa competição: quem escreve melhor, quem leu mais livros, quem argumenta com mais elegância, tudo isso conta na guerra silenciosa e terrível que se trava no íntimo de milhões de mentes ainda inseguras quanto a seu caminho. Há toda uma geração de poetas no Brasil que lêem e admiram o senhor Olavo de Carvalho, que é um imbecil e um louco.

Quem conhece bem o cinema americano, pode observar como a esquerda estadunidense vem se refugiando, há 50 anos, na produção cultural. Da mesma forma que os negros conquistaram a música norte-americana, a esquerda conquistou corações e mentes através de seu maior trunfo, o anticonservadorismo, esse discurso que até hoje seduz a juventude. Para citar casos recentes, vale a pena ver o filme Boa noite, boa sorte, dirigido por aquele homem, coitado, sem nenhum charme ou beleza, George Clooney, para ver o que é fazer um cinema com densidade política e alta qualidade estética, coisa que o Brasil, infelizmente, encontra grande dificuldade de fazer (vide o melancólico Batismo de Sangue). Lá se vão os tempos em que o cinema brasileiro sabia equilibrar beleza e inteligência. Deus e o Diabo na Terra do Sol (Glauber), Os Fuzis (Ruy Guerra), Ao sul do meu Corpo (Saraceni), são exemplos de cinema que alcançaram um patamar universal justamente em virtude dessa densidade dialética entre a política e a arte. Por outro lado, o cinema brasileiro conseguiu dar um salto em relação aos anos 80 e 90. Os últimos 10 anos foram bastante férteis. Mas acho que falta um pouco de maturidade. Há uma espécie de síndrome de adolescente entre os produtores de cultura no Brasil... Voltarei a falar disso em outra ocasião. Estou ansioso pela hora em que teremos a oportunidade de discutir cinema à vera aqui no blog.

*

Quero dizer que a esquerda latino-americana já se deu conta de que seus adversários políticos usam a mídia corporativa como sua principal arma. É preciso, todavia, não esquecer que essas mídias foram estruturadas e consolidadas durante a sombria época totalitária vivida em todos os países do continente. A luta contra essa mídia, portanto, é a continuação da luta contra a ditadura. A tática de conciliação só é válida se articulada dialeticamente com o enfrentamento. Entretanto, mais importante que tudo, é a criação de novas referências culturais, que existam fora do âmbito das mídias convencionais. Nos anos 60, existiam revistas especializadas em cinema, música, política, que possuíam grande prestígio junto à opinião pública. Hoje temos sites e blogs. É preciso prestigiar esses sites e blogs, encontrar alguma forma de ajudá-los, inclusive financeiramente. Por exemplo, fazendo uma assinatura da Carta Diária Óleo do Diabo (risos)... Desculpem enfiar essa propaganda vulgar no final do texto. Não resisti. Abraço a todos.

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Abaixo um trecho do artigo do Leblon ao qual me refiro no início do post.

A repetição e o alcance dos mesmos métodos e argumentos nas mais diferentes latitudes parece indicar que estamos diante de um fenômeno de recorte histórico mais geral. O fato é que o conservadorismo está acuado em diferentes fronteiras após o esfarelamento econômico e político do credo neoliberal. A falência dos mercados financeiros desregulados na maior crise do capitalismo desde 1930 já é reconhecida, à direita e à esquerda, como um novo divisor histórico.

Corroído em seus alicerces de legitimidade pela falência de empresas, famílias e bancos, ademais do recrudescimento do desemprego e da insegurança alimentar - inclusive nas sociedades mais ricas - o conservadorismo vê sua base social derreter. A radicalização do seu ‘braço midiático’ soa como uma tentativa derradeira de reverter o processo ainda nos marcos da democracia, desqualificando o adversário mais próximos formado por partidos e governos progressistas. A radicalização é proporcional à ausência de um projeto conservador alternativo a oferecer à sociedade.

Abre-se assim uma etapa de absoluta transparência, uma radicalização aberta; um embate bruto de forças em que a mídia dominante não tem mais espaço para esconder os interesses que representa. Tampouco parece ter pejo em descartar uma neutralidade – que, diga-se, a rigor nunca existiu - mas da qual sempre se avocou guardiã para descartar a democratização efetiva dos meios de comunicação. A isenção parece, enfim, não representar mais um valor passível sequer de ser simulado.

A diferença entre o que acontece no caso brasileiro e o resto do mundo é o grau de envolvimento do governo na reação em sentido contrário a essa ofensiva. A liberdade de informação e o contraditório aqui respiram cada vez mais por uma rede de blogs e sites de gradiente ideológico amplo, qualidade crescente e capacidade analítica incontestável. Mas ainda de alcance restrito. O protagonismo do governo e o dos partidos e sindicatos que poderiam ir além na abrangência de massa, é tíbio.

4 comentarios

Anônimo disse...

Se lembra dos links que te sugeri sobre EUA rumo ao fascismo?
Têm mais:http://www.novae.inf.br/site/modules.php?name=Conteudo&pid=1385

Os 400 mil "terroristas" e o segredo

Chico Villela

Miguel do Rosário disse...

Oi Chico, os EUA já nasceram meio fascistas, com aquele racismo exagerado, metafísico, monstruoso, tão bem retratado nos livros de Faulkner (sobretudo em Luz em Agosto). Esse fascismo fica indo e vindo por lá, mas quero acreditar que essas novas ondas são menores que as do passado, e que o país está melhorando.

Mas talvez você tenha razão. Vou ler seu artigo com calma e conversamos.

Abraço,
Miguel

José Carlos Lima disse...

Hoje Lula é crucificado nos jornais, para isso manipularam as frase do presidente ditas ontem na Folha.

A Folha queria o que? Que Lula não negociasse? E por acaso não foram os demos que enforcaram Jesus por não negociar com o império romano?

Lula tem sim que negociar, ele foi eleito prá isso, e por causa do seu poder de negociação o comércio exterior vai indo muito bem, obrigado,

Faço minhas as palavras de Lênin em Esquerdismo, doença infantil do comunismo

"(...) O extremismo esquerdista, em reação às capitulações social-democratas, rejeitava quaisquer compromissos: "uma tese pueril, que é inclusive difícil de levar a sério". Acrescenta ainda Lênin: "...toda história do bolchevismo, tanto antes quanto depois da Revolução de Outubro, está repleta de manobras, de acordos e de compromissos com outros partidos, sem excluir os burgueses". "Há compromissos e compromissos". Na realidade é preciso distinguir entre o compromisso que é capitulação diante da hegemonia do adversário, renúncia da própria autonomia política, e o compromisso que se tornou indispensável em função do nível das forças em luta, a fim de preservar as próprias fileiras e conseguir avançar, apoiando-se nas forças possíveis de serem unidas.(...)"

http://vermelho.org.br/pcdob/secretarias/formacao/esquerdismo.asp

José Carlos Lima disse...

Celso Lungaretti (23/10/2009 - 11:18)
Detesto intervir em discussões de leitores sobre artigos que escrevo, pois é espaço alheio e eu já me manifestei na minha tribuna.

Mas, é muito irritante essa mania dos autoritários e monolíticos, de desqualificarem o adversário, ao invés de confrontarem honestamente sua verdadeira argumentação.

Eu realmente não acredito na democracia burguesa como solução para os problemas brasileiros, mas sim na organização autônoma dos cidadãos, contra o capitalismo e contra o Estado. Sou 100% coerente com a minha opção política pelo anarquismo.

Isto não quer dizer que pregue a entrega do poder para este ou aquele. Apenas que tanto importa, para um anarquista, quem esteja gerindo o estado burguês, se esse estiver priorizando os interesses burgueses.

Desde que fiz minha opção revolucionária, aos 16 anos, sempre li e ouvi que o que realmente define o caráter de um governo é sua política econômica.

A do Lula, tanto quanto a do FHC, é a política que fez com que os bancos ganhassem tanto quanto nunca antes haviam ganhado neste país. São os mais rentáveis do mundo.

Corri todos os riscos de lutar contra a pior ditadura que o Brasil já conheceu, aos 17 anos de idade. Saí mais morto do que vivo, com uma lesão que carrego até hoje, para nunca esquecer. Vários amigos e companheiros queridos morreram.

Hoje, aos 59 anos, luto com outras armas, mas a mesma convicção. E percorro o País motivando as novas gerações a escolherem um caminho mais solidário, em palestras e outros eventos.

Ao autor

Caro Lungaretti, dizer-se adepto do anarquismo é muito vago e não apaga incompreensões do leitores em relação ao seu texto.

Sim, houve exagero por parte dos leitores, no entanto isto ocorreu por sua culpa ao não deixar claro no seu texto seu ideário, pois que sem isso o seu texto coincide com os textos que estão hoje na midia imprensa da direita.

Na tentativa de entender oseu ideário, que até então ausente no seu texto, baseado nas referências que você mesmo apontou, penso que deva ser esta a sua base teórica, posso estar enganado.
http://www.rio.rj.gov.br/arquivo/anexo/anarquismo_texto_agcrj.pdf

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