Ultimamente tenho lembrado muito do bom e velho Raul. Ia citar uma de suas canções no post que escrevi sobre a entrevista de Dilma ao Washington Post, mas acabei esquecendo. A canção era As aventuras de Raul Seixas na terra de Thor, onde o roqueiro destila uns versos contra o sectarismo (tem um show famoso no youtube aqui e a letra pode ser vista aqui).
Raulzito, um de nossos artistas mais politizados, sempre defendeu, em seus discursos e em suas músicas, o pragmatismo e a flexibilidade, sem com isso renunciar, naturalmente, ao direito de sonhar e à firmeza dos princípios. Um político, certa feita, citou o roqueiro afirmando que seria uma "metamorfose ambulante", e seus adversários até hoje usam a frase para atacá-lo, provando a tacanhez com que alguns interpretam os versos de Raulzito. A expressão significa ter o espírito aberto às mudanças da vida e da história, ou seja, é uma virtude, uma inteligência, e não um caráter fraco, maleável a interesses menores, como sugerem maliciosamente os que não querem entender a poesia raulzística.
Nas Aventuras da Terra de Thor, Raulzito ataca os falsos inocentes, que lhe criticavam por ter trabalhado numa grande gravadora e ter aprendido a lidar com os empresários do show business. Os versos, quase cínicos, correspondem a uma aula de realpolitik:
A arapuca está armada
E não adianta de fora protestar
Quando se quer entrar
Num buraco de rato
De rato você tem que transar
Não a tôa, Raulzito tornou-se um astro com grande penetração popular. Como todo grande artista, ele captava as ideias de seu tempo e de seu povo. O brasileiro é um pragmático e sabe adaptar-se às circunstâncias. Isso não o faz menos honesto. É uma característica já identificada, por Gilberto Freyre, nos portugueses que aqui vieram, e como virtude, pois nenhum outro povo europeu havia conseguido (e vários tentaram) se adaptar tão bem a condições e climas tão diferentes aos de sua terra natal.
Lembrei dessa canção porque Dilma, ao ser entrevistada pelo Washington Post, teve que falar a linguagem dos ratos e cutucou o Irã. Ela teve a astúcia de não falar bem do Jerry numa entrevista ao Tom (no caso, então, teve que falar a linguagem dos gatos).
A mídia brasileira, por outro lado, finge enxergar no tema Irã apenas uma questão de direitos humanos, omitindo o mais importante: o lobby crescente da indústria bélica, dos sionistas e dos aliados sauditas, para que os EUA deflagrem um ataque ao país. Para isso, porém, é preciso convencer a opinião pública de que o Irã é um país "mau", o que não é tão difícil, visto que o Irã tem uma política de comunicação simplesmente estúpida, quase autista. Além das famigeradas leis islâmicas. Esse lance de apedrejar mulher, por exemplo, parece tirado de um livro de Heródoto sobre povos asiáticos da antiguidade. Os caras tão pedindo para serem bombardeados?
O Ahmadinejad tem tiradas de fazer qualquer diplomata chorar: como é possível o cara ser tão burro? Não há nenhum assessor para lhe dizer a repercussão tremendamente negativa que suas frases tem no mundo inteiro? Há portanto um problema gravíssimo de relações públicas envolvendo o mandatário persa. Ele recebe as informações via terceiros, já filtradas, e provavelmente existe um lobby militar dentro do regime que se beneficia do clima de guerra, pois vive de comissões, lucros ou propinas sobre o orçamento do governo para armas e tecnologia militar. Esse lobby deve cercar Ahmadinejad e insuflar-lhe todo tipo de ódio contra os EUA e o Ocidente, para convencê-lo a defender mais gastos em defesa.
Aí encontramos a fome com a vontade de comer. Tanto os lobistas dos EUA quanto os do Irã, mesmo estando em lados opostos, faturam em cima do aumento das hostilidades. Não são eles que vão suar frio no fronte; e os milhões de dólares que irrigam suas contas na Suíça lhes permitirão assistir a uma nova guerra no oriente médio pela CNN, confortavelmente instalados num hotel cinco estrelas situado à margem esquerda do Sena...
Há outra estrofe na canção de Raul que igualmente ataca a dubiedade ideológica de alguns:
Hoje a gente já nem sabe
De que lado estão certos cabeludos
Tipo estereotipado
Se é da direita ou dá traseira
Não se sabe mais lá de que lado
É a mesma coisa que vemos entre as organizações internacionais de direitos humanos. Elas cumprem papel importante em muitos casos, mas tem o péssimo costume de se deixarem levar com facilidade por agendas impostas por Washington. A própria ONU tem sido assim. Por que só os inimigos da Casa Branca são condenados nas questões dos direitos humanos? Por que a Arábia Saudita e outras nações "aliadas" nunca estiveram no banco dos réus? A gente tem que ficar bem atento a essas coisas, para não ter que esperar o Wikileaks, daqui a dez anos, vazar o que já está bem na nossa cara. E daí voltamos ao baiano:
Eu que sou vivo pra cachorro
No que eu estou longe eu tô perto
Se eu não estiver com Deus, meu filho
Eu estou sempre aqui com o olho aberto
8 de dezembro de 2010
Ainda sobre o Irã
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# Escrito por
Miguel do Rosário
#
quarta-feira, dezembro 08, 2010
# Etichette: Política Internacional
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