17 de dezembro de 2010

Elas mataram Orfeu



Como diria o Maradona, enfiei o nariz onde não devia. Mas não era cocaína, e sim a caixa de comentários do IdelberAvelar.com. Fiz um comentário lá tentando defender o Nassif, o Rovai e os blogueiros progressistas, e acabei botando ainda mais lenha na fogueira. Como se tratava de uma polêmica envolvendo o feminismo, arrisquei-me a dar minha opinião leiga sobre o tema. Já suspeitava, contudo, que ia dar rolo, tanto que escrevi um texto cheio de não-me-toques, tecendo loas e mais loas à mulher. Fui sincero: acredito num mundo melhor onde as mulheres tenham mais poder político.

Cometi, no entanto, duas imprevidências. Uma ligada a outra.

Fiz uma pergunta de ordem semântica. Uma pergunta imbecil, mas ao mesmo tempo instigante. O post iniciava com citação de Derrida e isso talvez tenha me incentivado a tomar essa liberdade.

A pergunta foi:
Eu não entendo uma coisa: porque feminista é elogio se machista é xingamento?

Ah, pra quê fui fazer isso?

Caíram de pau em cima de mim. O lugar virou uma verdadeiro palco de guerra.

Eu não queria dizer que machismo é igual feminismo. Ninguém na caixa de comentários falou isso. O problema daquela discussão, no entanto, era justamente esse. Um dos grupos, em vez de se ater ao que a gente dizia, criticava o que não tínhamos dito, e fazia longas elocubrações sobre isso. Pior, colocavam entre aspas o que, segundo eles (ou elas), seria nosso pensamento, sem se preocupar em esclarecer se queríamos realmente dizer aquilo.

Entendo que, numa sociedade ainda marcada pela hegemonia masculina, não apenas no presente, mas sobretudo no passado, os termos machismo e feminismo tornaram-se opostos. No entanto, uma análise estruturalista (e o post, repito, iniciava com citação de Derrida, o papa do estruturalismo) dessas duas palavras, não pode deixar de assinalar a sua semelhança. Minha pergunta, aparentemente idiota, procede.

Não significa isso que eu diminua a importância da luta pela libertação das mulheres e da igualdade dos gêneros. Aliás, por isso mesmo que a pergunta procede. A luta passa pelo campo da linguística.

Uns carinhas maliciosos, anônimos, ajudaram a insuflar a fúria das mulheres, afirmando que eu (e outros incautos que ali estavam) havia "insultado" todas as mulheres e feministas. Eles pinçavam uma frase e intrigavam. Um deles chegou a chamar as mulheres de "minoria", para compará-las a outros grupos marginalizados, minoria que teria sido profundamente ofendida por minha intervenção. Mulher é "minoria"? Que eu saiba, não só é maioria da população como vivem mais e hoje ocupam quase ou mais de 70% das universidades brasileiras.

Confiram o que o sujeito escreveu sobre o meu comentário, tentando me jogar contra as feministas:
Se a afirmação "Permitam-me não simpatizar com o feminismo. Eu simpatizo com as mulheres. Gosto delas como elas são, não quero vê-las transformadas em homens truculentos" não for considerada ofensiva ao feminismo (e a todas as mulheres, por extensão) por - não digo um especialista - mas qualquer um que puder consultar o verbete "feminismo" no dicionário, não sei de mais nada.

Elas caíram na pilha.

Repare que ele botou em negrito duas frases que, isoladas do contexto, tornam-se completamente apócrifas, tolas, esquisitas. A frase "eu simpatizo com as mulheres", isolada, não quer dizer nada e soa mesmo ofensiva, como se disssesse: eu simpatizo com negros. O cara é malandro. Ele tentou manipular o que eu quis dizer, que era algo bem mais singelo. Não preciso ir no dicionário para saber o que é feminismo. Eu conheço a luta pela libertação das mulheres, mas para mim elas estão embutidas na luta pelos direitos humanos e pela democracia. Enfim, é uma opinião tão comum, partilhada por milhões de outras pessoas igualmente interessadas no tratamento igualitário às raças, gêneros e credos.

Minha mulher mesmo, uma garota valente, livre, culta, trabalhadora, orgulhosíssima de ser mulher, que defende os valores femininos, que edita uma revista cujo slogan por um tempo foi "inteligente é ser feminina" (e que ela mudou mais tarde  justamente por constatar que tinha algo de "feminismo" bobo), que está sempre ajudando outras mulheres a elevarem sua auto-estima enquanto mulheres, quando eu lhe perguntei, meio deprimido com essa polêmica, se ela gostava das feministas, declarou, bem a seu jeito direto: "Miguel, eu odeio as feministas!"

Aquilo me aliviou um pouco. Porque seria absurdo dizer que minha mulher, sendo o que ela é, desejaria "insultar todas as mulheres", como disse aquele maliciosinho no blog do Idelber. Lembrei-me então que a atitude dela, descomplexada, consciente de seu poder e valor femininos, foi um dos motivos pelo qual me apaixonei por ela.

Tudo bem que eu cometi uma imprudência grave. Dizer, naquele contexto, que não tinha simpatia pelo feminismo, deve ter irritado e ofendido - com razão - as feministas que ali debatiam. Depois até me arrependi. Peço desculpas aqui. Não foi minha intenção.

Em seguida, porém, as próprias debatedoras me lembraram o porque da minha antipatia.

Uma delas se referiu aos debatedores homens como "machos", o que no contexto era deveras irritante, pejorativo. Várias iniciavam seus comentários com explicações sobre como elas estavam sendo "pacientes". Uma encerrou sua mensagem com essa pérola de pedagogia feminista: "Deu pra entender ou querem que eu desenhe? Já aviso que tenho menos paciência ainda para desenhar. kkkkkkkkkkkkkkkkk".

Esse é o motivo, portanto, da minha dificuldade em simpatizar com as feministas. Por essa mania de achar que todo homem é machista. Por essa atitude eternamente irritada, defensiva, disposta mesmo a ofender um homem só porque ele é homem. A mulher está na cozinha fazendo alguma coisa, o cara pede para ela trazer a cerveja: pimba! é um machista troglodita. Não importa se o cara também traz coisas da cozinha para ela. Não importa se o cara também lava a louça.

Claro que é uma visão estereotipada sobre o feminismo. Mas estamos falando aqui de estereótipos mesmo. Quando minha mulher falou que "odeia" feministas, também se referia a um esterótipo. Ela tem o perfil de líder e em outro tempo poderia ser uma destacada líder feminista - mas nunca odiando ou ofendendo os homens. Ela tem carinho pelos homens, compreende inclusive seus preconceitos, assim como os homens devem amar e ter carinho pelas mulheres e também por seus preconceitos e idiossincrasias.

As feministas do blog do Idelber não me ajudaram a superar essa minha visão. Ao contrário, agrediram-me de um jeito que fez parecer a suposta agressão do Nassif a algumas delas como beijinho do papai.

Uma delas mandou essa: "O dever de algum ativista por direitos iguais não é educar um ignorante. Esse é o dever do ignorante! ". E completa, com ar blasé, como se estivesse lidando com um retardado incorrigível: "Dá pra entender a diferença?"

Imagina se o Nassif tivesse dito isso!

E jamais li uma concepção tão absurda. A missão do ativista não seria justamente educar o ignorante? A luta contra a ignorância não é a tarefa principal do ativista? O que deve fazer um ativista: estapear o ignorante, como elas fizeram verbalmente comigo e outros?

Peço desculpas, portanto, humildemente, às mulheres, feministas ou não, que tenham se sentido ofendidas pelos meus comentários. Reitero meu apoio às bandeiras feministas, no Brasil e no mundo. Permitam-me, todavia, manter minha postura questionadora quanto à melhor maneira de fazê-lo e, sobretudo, permitam-me também me sentir ofendido quando chamado de "macho" (naquele contexto, pejorativo), "machista", "ignorante", entre outros epítetos carinhosos.

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