Constantino, novo colunista do jornal O Globo, já era caricatura na internet há tempos. Agora seu conservadorismo previsível ganhou projeção nacional. Sua coluna de hoje, num acesso de fúria criativa, intitula-se "A ditadura do politicamente correto". Esse é o novo grande inimigo da geração danoninho. Eu ando pelas ruas, vejo o povo exercendo sua plena liberdade: xingando, brincando, vociferando, termos como "veado, negão, bicha" e demais epítetos nada politicamente corretos, mas os apóstolos do danoninho permanecem fiéis à sua crença, segundo a qual vivemos uma ditadura do "politicamente correto". Reinaldo de Moraes acaba de lançar a sua obra-prima, Pornopeia, romance de 475 páginas contendo as atrocidades mais politicamente incorretas jamais escritas no idioma de Camões, mas para os colunistas do PIG a ditadura ainda persiste. O que eles querem? Direito de chamar o zelador nordestino de paraíba macaco?
Constantino incorre naquele erro tão comum aos polemistas meiaboca de hoje: inventam um adversário. Criam um bonequinho de fantasia, incapaz de reagir, e atribuem-lhe as ideias mais idiotas, daí lhe respondem com altivez, como se dessem lição de moral e política a Jean Paul Sartre. Assim é fácil!
Pincemos apenas o primeiro parágrafo:
A ditadura do politicamente correto
Rodrigo Constantino, O Globo
“A unanimidade é burra.” (Nelson Rodrigues)
Ninguém insiste tanto na conformidade como aqueles que advogam “diversidade”. Sob o manto de um discurso progressista jaz muitas vezes um autoritarismo típico de pessoas que gostariam, no fundo, de um mundo uniforme, onde todos rezam o mesmo credo. A Utopia de More, a Cidade do Sol de Campanella, a República platônica, enfim, “um mundo melhor é possível”. Se ao menos todos abandonassem o egoísmo, a ganância, e se tornassem almas conscientes e engajadas...
Não há uma frase que se sustente por conta própria. Até a citação que abre o texto: "A unanimidade é burra", de Nelson Rodrigues, vem mal colocada. Uma unanimidade pode ser burra ou pode não ser. Se todo mundo repetir que a unanimidade é burra, isso vira outra espécie de unanimidade, e das mais burras. A frase valia para uma crônica de Nelson. Ao repeti-la acriticamente e torná-la uma máxima de sabedoria em 10 minutos, a frase perde seu valor estético e sua densidade filosófica, torna-se um clichê barato.
O texto de Constantino é, de cabo a rabo, um conjunto de sofismos mal-ajambrados, como ele mesmo deixa bem claro logo nas primeiras frases. Ele enfia agulhas no bonequinho de vudu que fez de seus adversários, e acha que todos nós urraremos de dor. O problema desse tipo de crítica é sempre achar que conhece o que pensamos, "no fundo". É o novo tipo de polemista, o leitor de pensamentos alheios. Como não tem capacidade para destrinchar as contradições ou erros no discurso do adversário, o polemista da geração danoninho alega conhecer seus pensamentos secretos.
Constantino não disfarça seu ódio contra as pessoas que se mobilizam por alguma bandeira social, revelando, como era de se esperar, uma visão de mundo absolutamente tosca, quase animalesca, como se devêssemos todos nos limitar a satisfazer nossas necessidades fisiológicas mais primárias, e só. É uma visão infantil e contraditória também, porque ao mesmo tempo em que abomina a ideia do Estado intervindo na vida dos cidadãos, igualmente escarnece da sociedade civil organizada. Ora, a única maneira de reduzirmos a presença do Estado, seria aumentando as responsabilidades sobre os cidadãos, que deveriam portanto se tornar mais "conscientes" e "engajados". Constantino, assim como seus coleguinhas do Millenium, vêem o mundo como se todos vivêssemos na casa da vovó, a comer biscoitinhos e a beber café com leite, rodeados de carinho e compreensão.
A visão flerta ainda com uma visão irracionalmente irresponsável sobre questões de saúde. Nossa água e nossos alimentos são cheios de impurezas, bactérias e substâncias tóxicas. O ar que respiramos é poluído. Nossos rios e praias são imundos. Nossas crianças e adolescentes estão cada vez mais obesos. Para Constantino, porém, vivemos uma "obsessão pela saúde", o que seria um dos "sintomas da modernidade". Não consigo entender isso. O que pessoas como Constantino e Pondé (autor de "Contra um mundo melhor") defendem? O suicídio coletivo da humanidade? Que deixemos para lá qualquer cuidado com a qualidade da água e alimentos que ingerimos?
Não quero me estender em demasia sobre toda frase grotesca de Constantino. Vamos nos ater a esse trecho:
O paraíso idealizado pelos “progressistas” seria um mundo com tudo reciclado, pessoas vestindo roupas iguais, comendo apenas alimentos orgânicos, e andando de bicicleta para cima e para baixo. Paradoxalmente, os “progressistas” odeiam o progresso!
Perdoem-me perder a compostura, mas o cara é um imbecil. Quem está se vestindo igual? Sobre alimentos orgânicos, creio que seria a melhor maneira de evitarmos a incidência de câncer, e desejo acreditar que esse idiota não acha que ter câncer é um direito do indivíduo... Em relação às bicicletas, essa foi a parte que me fez perder a estribeiras e xingá-lo. As cidades mais modernas do planeta tem investido pesadamente no uso de bicicletas, além de transportes públicos de qualidade, como estratégia para reduzir os terríveis congestionamentos que assolam os grandes centros urbanos, e patetas como Constantino enxergam a defesa de ciclovias como atitude excêntrica de hippies naturebas...
Perto do final, ele cita a primeira frase do novo livro de Pondé: "Detesto a vida perfeita". Quanta profundidade. Crianças, joguem os danoninhos ao lixo! Quando suas mães vierem lhes dar beijinhos, xinguem-nas e digam que agora são leitores de Constantino e Pondé e não querem mais vida perfeita nem felicidade! Sob nosso magnífico céu tropical deste Brasil lindo e miserável, tornar-nos-emos todos angustiados leitores de Kiekergaard. Ao entardecer, depois de examinar atentamente os jornais, suicidar-nos-emos ao pôr-de-sol, deixando um bilhete à posteridade com a frase: "abaixo a bicicleta!"