15 de fevereiro de 2007
O sorriso de Lucifer
A morte de uma criança de maneira indescritivelmente bárbara confundiu a cabeça de todo mundo.
O fato de um dos assassinos ser menor trouxe à tôna a questão da maioridade penal. Jornais e colunistas politicos, que vinham agonizando há tempos a ausência de escândalos políticos na esquerda, aproveitaram a deixa para entoar mais esse canto de guerra conservador. Li alhures que, hoje em dia, os grandes jornais, ao optarem por linhas editoriais fechadas e tendenciosas, escolhem seus leitores. Para ser justo, creio que isso também vale para algumas publicações dita de esquerda, como Caros Amigos, que notoriamente destinam-se a um público específico. Para ser mais justo ainda, admitamos que é assim no mundo inteiro, e que agora, com a internet, isso não tem mais tanta importância, por isso não fiquemos mais tão nervosos.
Enfim, pipocaram editoriais, artigos e posts sobre a necessidade de leis mais duras para o crime, e redução da maioridade penal. O Noblat, durante semanas, e até o momento, inseriu uma tarja preta, em todos seus posts, lembrando a morte de João Hélio Fernandes. Foi mais longe e defendeu o cancelamento do carnaval este ano no Brasil. Creio que, segundo ele, caberia ao Lula baixar algum decreto neste sentido.
Longe de mim ser leviano e creditar a sanha anti-criminalidade de Noblat a algum interesse menor. Pecuniário, por exemplo; aproveitando o trauma nacional para explorar a conhecida sanha de ódio, rancor e sede de vingança que os coletivos abrigam em si, e ganhar volume de acessos.
O Alon Feuerwerker, outro blogueiro de prestígio, e sem a mancha golpista do Noblat (pelo contrário, com status de moderado e amante do bom senso político), entrou na mesma onda. Escreveu um artigo um tanto quanto sofista para justificar a aprovação de leis mais duras a toque de caixa. Se o presidente americano, diz Alon, ouvisse os argumentos anti-emoção que proliferam na classe política e na intelectualidade, a crise resultante do crash da bolsa de Nova York seria analisada com enervante calma, e o país afundaria. Quando os japoneses bombardearam Pearl Harbour, se Roosevelt analisasse a situação sem emoção, sem pressa, o Eixo triunfaria.
Prezado Alon, isso se chama filosofia de botequim. Do pior tipo. O raciocínio é perfeito para ir de encontro à mediocridade reinante - desculpe o termo, mas é a triste verdade - entre os leitores do Noblat, onde seu artigo foi reproduzido. Parece que o seu bom senso está sendo, aos poucos, tragado pela lógica noblatiana.
É um raciocínio absolutamente equivocado.
Você não pode comparar uma situação de guerra com um assassinato, por mais horrível, bárbaro e desumano que seja. Na II Guerra, morreram 60 milhoes de pessoas (confirmei os dados num livro). Isso é guerra. E mesmo assim, numa guerra, as decisões não podem ser tomadas com base em emoção. Tem que ser rápidas, isso sim, mas pensadas de forma fria e objetiva.
Nos EUA, que é o exemplo citado exaustivamente em toda crise nacional, eles não mudam as leis a cada vez que descobrem que um psicopata comeu viva uma garota de onze anos.
Como cidadão, eu defendo que a segurança publica brasileira deva ser reformada. Alguns crimes devem ter penas atenuadas, outros penas endurecidas. A reforma do Judiciario deve se aprofundar, de maneira a agilizar as decisões. O Brasil é um dos países que menos adota penas alternativas e isso é um absurdo que ajuda a superlotar as cadeias. As escolas devem incluir algum tipo de pedagogia específica para combater a violência inaudita que jorra da TV, do cinema, dos videogames e da sociedade contemporânea de forma geral.
Para crimes hediondos, pode haver cláusulas específicas, que prevejam penas mais duras, mesmo para menores de idade.
Mas as leis não devem ser aprovadas a toque de caixa. O Rio vive chacinas quase diárias há décadas. A polícia mata dezenas de pessoas por mês na periferia da capital. Isso não estaria influenciando negativamente a moral da população? Vamos reduzir a violência policial também.
O mal existe em todos nós. Claro que não seriamos capazes de fazer nada parecido com o que fizeram os assassinos do menino, mas, em alguma medida, tambem abrigamos uma parcela do mesmo mal. Uns o controlam, outros não.
Importante ter em mente que filosofar sobre a questão da segurança não é banal. Um raciocínio sólido e ponderado ainda é a melhor arma para combater o mal. Desde a época em que lançávamos cristãos aos leões, ou traziamos negros amontoados em porões fétidos da África, melhoramos um pouco. No aspecto jurídico, melhoramos muito, isso é inegável. Mas não foi com penas mais duras que a humanidade amadureceu. Ha cinco mil anos, a lei de Talião imperava, olho por olho, dente por dente, e os trabalhadores não recebiam fundo de garantia.
Outra coisa, senhor Alon. São os pobres sim que vão pagar pelo endurecimento das leis. Porque não tem advogados e são eles o segmento social mais frágil, psicologica e fisicamente, às atrações do crime. É claro, como você disse, que a moça pobre obrigada a andar a pé por bairros escuros é mais vulnerável que a moça rica dentro de seu condomínio fechado. Mas existem leis, Alon. As leis já são duras para estupros. Mais que isso, os estupradores são mortos nas cadeias. Agora, você esqueceu de uma coisa. Menos de 1% dos assassinatos são desvendados no Rio de Janeiro. Ou seja, a polícia é incompetente. Investe-se apenas na truculência, e não na inteligência, na capacidade de investigação. Em tecnologia. Em cursos no exterior, onde a polícia possui excelência no solucionamento de crimes. Aliás, quando alguém lembrar da politica de tolerância zero adotada, com sucesso, em NY, não se esqueçam desse detalhe...
O crime do menino nos faz pensar mais rápido, isso sim. Pensemos mais rápido, ótimo. Agora, não nos deixemos vencer por esse deprezo pelo pensamento, pelo debate exaustivo, como se a análise ponderada, desapaixonada e fria, valesse menos que o ódio e as decisões que dele derivam. O Congresso Nacional pode sim tomar decisões que apressem e fomentem esse debate. As universidades devem se engajar. Por isso, fico realmente chocado em ver caras como o Roberto da Matta se renderem à lógica mesquinha da vingança. Ou melhor, nem me surpreende tanto, já que nunca li nada inteligente vindo do Da Matta mesmo, que para mim é mais um desses intelectuais com diplomas demais e tutano de menos.
Afinal, o que importa é o resultado, e não há absolutamente nada que indique que leis mais severas possam contribuir para a redução da criminalidade no país.
O que não podemos é deixar o Diabo, incarnação metafórica do mal, rindo às nossas custas, sendo manipulados por ele, ou seja, deixarmos que quatro ou cinco pobre-coitados que cometem um crime bárbaro, mas que (convenhamos) denota total falta de inteligência, ditem as leis de um país com 190 milhões de habitantes e terríveis problemas em seu sistema carcerário.
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Nos EUA uma criança de 10 anos sendo levada pelo "seu" carceiro grita desesperada "quero minha mãe!!!" "quero minha mãe!!!!"
O crime cometido por tal criança foi beijar outra criança numa escola
No caso aí quem é o criminoso: o Estado ou a criança beijoqueira?
Mudando de pau prá cacete... Você viu os assassinos do Diogo com marcas de tortura? Outro assunto que deve ser debatido: a prática da torutura nas delegacais de polícia para arrancar confissões dos acusados. Num mundo onde a ciência avançou tanto e, portanto, a perícia policial está mais do que aparelhada para, através de vestígios ( suor, pelos, sangue) provar a autoria dos crimes, não justifica, em hipótese nenhuma, a tortura.
Parabéns pelo seu texto, Miguel. Pena que é uma excessão no mar de gritos por vingança e linchamento, feitos por aqueles que se deixam manipular pelos políticos reacionários e sua mídia conservadora, sempre prontos para explorar qualquer tragédia que possa trazer lucros e dividendos a eles...
"Em terra de cego, quem tem um olho o pessoal acha que é louco".
Eu tenho para mim que essa campanha da globo não é gratuita e não me parece que seja mera coincidência que ocorra ao mesmo tempo em que o Ministério da Justiça está na iminência de editar Portaria para regular a classificação etária da programação televisiva.
Parabéns pelo seu texto, agora o único jornalista que eu vi colocar o dedo na ferida foi o PHA, o maior problema nessa criminalidade toda é nossa corrupta polícia.
Ass. Julio - SP
Miguel, meu caro; ao mesmo tempo que noto o grande poder da mídia e da impreensa globalizante nas tomadas de decisões nesse país, ás vezes olho com desconfiança a justificativa scienceniana do "banditismo como uma questão de classe". Será que o mal que se apossou dos cinco elementos não é proporcional a nosso grito de vingança? Concordo que a reflexão em contraposição á decisão imediata calcada na emoção é mais viável, mas vc é carioca e tá mais perto do lance.
miguel, se você pudesse aumentar o tamanho da fonte seria interessante. Ler em computador não é lá essas coisas, ainda mais se a letra for pequena. Mas o texto tá massa, desculpe a segestão
diamantino, olhar com desconfiança é sempre saudavel, e por mim, sempre li como uma tirada ironica do chico, essa de questao de classe, algo como banditismo por uma questao de estilo, elegancia, como era tambem o caso do cangaço, que foi tambem um movimento estético. se pensarmos no banditismo que predomina no cinema, no charme dos mafiosos, tambem lembramos isso. Afinal, como dizia chesterton, o bandido é mais capitalista que o homem comum, so que ele quer a propriedade do outro. Enfim... Abraço
ah, diamantino, a sugestão sobre o tamanho da fonte foi ouvida. Vê se ficou melhor agora.
Valeu Miguel!
Encontrei seu blog agora. Li alguns textos e cheguei e conclusão que tudo de relevante e a sua sincera opinião podem ser encontrados no último parágrafo dos textos.
Ainda assim não significa que estejas correto como por exemplo no último parágrafo do texto "O sorriso de Lucifer":
"O que não podemos é deixar o Diabo, incarnação(sic) metafórica do mal, rindo às nossas custas, sendo manipulados por ele, ou seja, deixarmos que quatro ou cinco pobre-coitados que cometem um crime bárbaro..."
Pelo que entendi, no fim das contas a culpa foi do diabo "incarnado" e não dos 4 assassinaos que arrastaram o menino por 7 quilometros? Sendo assim realmente não é necessária a redução da maioridade penal ou a aplicação de leis mais duras para crimes hediondos como esse. Basta que os assassinos frequentem alguma igreja neo-evangélica nos dias de culto de desencapetamento total para tirar do corpo o demônio e devolve-lo as profundezas do inferno que é o lugar de onde ele nunca deveria ter saído. Fácil assim, não?!
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