30 de janeiro de 2009

Cadê o Gabeira?



(Cao Youtao, artista chinês)

Os últimos dias têm sido pródigos em exemplos da baixa auto-estima dos brasileiros, incentivada por uma imprensa que, historicamente, se coloca num pedestal com - hoje todos vêem - fragilíssimos pés de argila.

Temos dois exemplos. A posse e as primeiras medidas do recém-eleito Barack Obama vem gerando fotos e vídeos fortemente favoráveis. No auge de uma crise, o governo americano amplia verbas para programas sociais, distribui bolsas para estudantes, cria barreiras alfandegárias, projetos que, se anunciados por um governante de qualquer país ao sul do Rio Grande, seriam recebidos com desprezo e forte crítica, como "populistas". Aqui no Brasil, por exemplo, a mídia só ficou satisfeita quando o governo federal anunciou o bloqueio provisório de 37 bilhões de reais, o que foi, na minha opinião, da parte do governo, um grave erro político. Quando, no dia seguinte, o governo anunciou o aumento de recursos para o bolsa família e merenda escolar, um acerto político para o qual tiro o chapéu, aí a mídia caiu em cima. Ou seja, é aquela velha história. O governo de SP liberou 2 bilhões para os magnatas da indústria automobilística, sem que houvesse nenhuma garantia de manutenção do emprego, e a mídia bateu palmas. Às vezes penso que uma das características marcantes da direita é o sadismo. Tento entender o que se passa por suas cabeças. Será que eles pensam que, diante da miséria, aumentará a produtividade? Que o terror ajudará as pessoas a lutarem pela sobrevivência? É algo assim? Ou será um sentimento irracional de cada um por si? Ora, os filhos das famílias de classe média recebem mesadas até a idade adulta, estudam em bons colégios, e nem por isso se tornam, necessariamente, pessoas preguiçosas. A mídia contribui para o agravamento da crise e depois protesta quando o governo amplia a ajuda social para os mais pobres. Sadismo! Reclama até das verbas para merenda escolar! Milhões de jovens do ensino médio terão merenda escolar e isso não mereceu nenhuma palavra de elogio de nossos editorialistas!

Temos ainda o caso Cesare Battisti. Algumas informações mais consistentes estão vindo à tôna. A imprensa corporativa alinhou-se em peso em favor dos ministros neo-fascistas de Silvio Berlusconi, em mais uma demonstração de xenofobia invertida: tudo que vem do Brasil é ruim e tudo que vem de fora é bom. Passeando pelas caixas de comentários de blogs, sempre me impressiono com a desenvoltura com que a classe média brasileira, e seus representantes na mídia, esculacha seu próprio país em prol de qualquer país de primeiro mundo, mesmo sendo este país a controversa Itália, governada há décadas por mafiosos.

Eu morei na Itália por quatro meses em 2007 e posso assegurar que, em muitos aspectos, o Brasil é um país muito melhor. Claro, a Itália é um país lindíssimo, uma civilização muito antiga. Antes dos romanos, existiam por lá os etruscos, um povo com tradições, ciência e linguagem bastante avançadas; no extremo sul, na Sicília e algumas partes da península, havia cidades gregas igualmente avançadas.

Mas a Itália de hoje, embora com muita coisa boa, é um país sem personalidade, que vota em Berlusconi, submete-se subservientemente ao Vaticano, e onde cresce o movimento xenófobo. Acompanhei um caso, por exemplo, de um marido que matou a mulher e tentou lançar suspeitas sobre os estrangeiros da cidade. Os italianos acreditaram rapidamente, e mesmo a imprensa publicou artigos xenófobos; por sorte, uma juíza percebeu a manobra do assassino e mandou prendê-lo.

É um país sem vida cultural autônoma. As noites terminam cedo e não se nota nem um centésimo da vibração boêmia, alucinada e genial que se espraia pelas madrugadas de São Paulo, Recife, Porto Alegre e Rio de Janeiro.

Não queria falar mal da Itália. É um país, como já disse, muito bonito e espero que supere seus problemas, grande parte dos quais, de fato, fogem a seu controle, como a entrada indiscriminada de imigrantes. Economicamente, no entanto, a Itália é um país engessado, que há décadas cresce a taxas baixíssimas, próximas a 1%, e com o menor índice de renovação populacional da Europa, resultando num percentual recorde de aposentados. A Itália está virando um país de idosos, o que gera um problema gravíssimo de previdência social. Isso explica o voto maciço em Berlusconi: uma população envelhecida e temerosa com a entrada de imigrantes (um problema que a esquerda tem constrangimento em resolver). A região de Gênova, por exemplo, tem mais de 80% de seus habitantes ocupando a faixa da terceira idade - os jovens da região migram para Milão e adjacências, onde fica o cinturão industrial da Itália.

O problema da máfia, no entanto, ainda é muito grave na Itália, e pode-se ter alguma idéia assistindo ao filme Gomorra, baseado no romance homônimo do italiano Roberto Saviano. Por conta desse livro, Saviano foi jurado de morte e anda com mais seguranças do que Bush passeando por Bagdá. Lembro que há poucos meses, um chefete mafioso foi preso por lá; poucos dias depois encontraram-no morto na cela, enforcado.

É mentira que a justiça seja perfeita na Itália. Não o é em nenhum lugar do mundo. O Brasil podia, no entanto, lavar as mãos e entregar Battisti para a Itália. Mas seria uma tremenda covardia fazê-lo neste momento, em que o país está sob comando de um governo de extrema-direita, com vários neo-fascistas no poder.

*

Eu gostaria de saber uma coisa. Onde está Gabeira? Battisti disse, em sua entrevista a revista Istoé, que o deputado federal Fernando Gabeira foi a pessoa que mais o ajudou em seus primeiros tempos no Brasil. Não li em lugar algum, contudo, nenhuma declaração do nobre parlamentar em defesa da decisão de Tarso Genro. Entendo que Gabeira agora se tornou ícone das madames enraivecidas do Leblon, além dos jovens que usam camisa de Chê e votam na direita. Mas será que a lógica eleitoral fala tão forte que ele prefere manter silêncio mesmo diante do risco de ver seu amigo deportado para o fascismo de Berlusconi?

Aliás, porque a imprensa não foi atrás de Gabeira? Por que poupou o deputado desse constrangimento? Ah, eu sei porque. Por que Gabeira precisa continuar sendo uma instalação pós-moderna, como bem caracterizou o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, um enigma inexplicável que pode ser interpretado à direita e à esquerda e que, por isso, pode manter seu eleitorado cativo sem precisar entrar em nenhuma polêmica constrangedora.

23 comentarios

Patrick disse...

Ele fez pior do que ficar em silêncio, Miguel. Em entrevista à Terra Magazine, afirmou que o Supremo é que deveria decidir.

Miguel do Rosário disse...

É um cínico, esse Gabeira. Dizer que o caso não deveria ser politizado... Um político contra a politização de um caso político... Recusando-se a dar uma opinião política sobre um ativista político condenado (segundo ele) politicamente e que recebeu asilo político do governo brasileiro, em virtude de uma ato soberano político. Ele lavou as mãos da pior forma possível. Fugiu da raia. Ficou em cima do muro, como um tucano legítimo que é.

Anônimo disse...

"É mentira que a justiça seja perfeita na Itália. Não o é em nenhum lugar do mundo. O Brasil podia, no entanto, lavar as mãos e entregar Battisti para a Itália. Mas seria uma tremenda covardia fazê-lo neste momento, em que o país está sob comando de um governo de extrema-direita, com vários neo-fascistas no poder."

Bobagem sua. Não cabe ao governo brasileiro ou a qualquer outro julgar a justiça de outro país, ainda mais de um processo de anos atrás.

Miguel do Rosário disse...

Cabe sim. Para isso existe refúgio político. Os EUA dão refúgio político a vários terroristas, que confessadamente explodiram bombas em Cuba, matando dezenas de inocentes, que não tinham nada a ver com Fidel Castro. E ninguém fala nada. O governo francês deu refúgio ao Battisti por 18 anos, e ninguém falou nada.

Anônimo disse...

O japão deu refugio a Fujimori, um ladravaz de $$ publico e reu de crimes no Peru. Ah, e ele levou dinheiro para la (isso chama.se investimento) A França, Usa e Suecia deram asilo a ex-ditadores africanos e asiaticos ate morrerem.
(aH, Detalhe: eles tambem foram portadores de $ investimento...
saido dos paises de origem para lá.
Voce pode entrar nos Usa se levar a titulo de investimento valor superior a USD 150 mil, eh so preencher o formulario...
Ao que consta Cesare Battisti e pobre.

Miguel do Rosário disse...

bem lembrado, anonimo.

Anônimo disse...

O Gabeira "é uma instalação pós-moderna". Mais preciso, impossível.

José Carlos Lima disse...

De fato é muito desgastante para todos nós defendermos gente errada aos olhos da burguesia e da clase média.

Refiro-me a gente como Battisti e Caroline Pivetta da Mota, esta presa por pichar o vazio da 28a. Bienal de sp.

O que ocorreu de mais significativo, o que provocou mais debate, mais reflexão senão o gesto "feio" da Pivetta?

Prefiro mil vezes gente como estes dois aí do que estes eunucos que ficam o dia todo comendo e bufando em seus confortáveis sofás e nos atacando em portais como o Terra, Veja, Globo..

Mandei um bocado para o inferno
Aqui o endereço
http://www.josecarloslima71.blogspot.com

Geurgetown Felix de Araujo disse...

Esse seu texto foi ótimo Miguel, principalmente quanto a Itália você resumiu muito bem; acredito que muita gente não irá mais para lá, perdeu a graça de vez. Quanto ao Gabeira eu procurei na lista do Estadão, aquela que apoia o refúgio do Battisti, mas não encontrei. Provavelmente o presidente eleito (que demora terrivel!), aquele senhor do Rodoanel já deu um cala-boca no Gabeira (que faz parte de sua trupe) para não assinar a tal lista, pois isso iria favorecer por demais o Governo e ofuscaria a sua "vitoriosa" candidatura a presidência.

Anônimo disse...

"Será que eles pensam que, diante da miséria, aumentará a produtividade? Que o terror ajudará as pessoas a lutarem pela sobrevivência?"

Meu amigo, você pode estar sendo irônico, mas descreveu de maneira EXATA como estas pessoas pensam. "Se o trabalhador não ganha o suficiente para comer, ele vai trabalhar mais para ganhar um pouco mais da merreca para ter uma vida melhor, e eu um lucro maior." É a mesma mentalidade desde o começo do sistema. Aliás o problema não é o sistema (como vivem dizendo os cantores de RAP) e sim a forma gananciosa e mesquinha que nos utilizamos dele.

Anônimo disse...

O deputado Ettore Pirovano, do partido conservador Liga Norte, ironizou o trabalho de juristas brasileiros nesta sexta-feira ao comentar o refúgio político concedido ao ex-militante de esquerda Cesare Battisti.

Pirovano criticou duramente o ministro da Justiça, Tarso Genro, por suas declarações à imprensa brasileira de que a Itália ainda vive fechada em seus "anos de chumbo".

"Não me parece que o Brasil seja conhecido por seus juristas, mas sim por suas dançarinas. Portanto, antes de pretender nos dar lições de Direito, o ministro da Justiça brasileiro faria bem se pensasse nisso não uma, mas mil vezes", disparou o deputado governista.

Pirovano lembrou também que ainda vivem no Brasil ex-agentes do regime nazista, e questionou se para eles também vale a regra usada para dar o refúgio a Battisti. Para o deputado da Liga Norte, "cada nação deve pensar em como administrou internamente os próprios critérios de justiça e liberdade".

Pivô de uma grave crise diplomática entre Brasil e Itália, Cesare Battisti foi condenado em seu país à prisão perpétua por quatro assassinatos cometidos, de acordo com a Justiça italiana, entre 1978 e 1979, quando era membro da organização Proletários Armados Pelo Comunismo (PAC).

No último dia 13 de janeiro, o italiano -- que alega inocência -- recebeu do ministro Genro o status de refugiado político, o que impede sua extradição.

Um parecer final sobre o caso será dado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em fevereiro. No começo da semana, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, recomendou à corte a extinção do processo.

Ontem, o ministo Cezar Peluso, do STF, autorizou a Itália a se posicionar sobre o caso. O país terá cinco dias para atender à solicitação.

http://noticias.uol.com.br/ultnot/ansa/2009/01/30/ult6817u1533.htm

Anônimo disse...

Repararam como na Itália é a direita que usa os termos mais grosseiros contra o Brasil? Como, aliás, aqui no Brasil também? Incluindo-se os comentaristas de blogues. Não dá mais pra ler comentários de blogs, salvo exceções como este. No meio de tanta baixaria, achei um artigo excelente, elegante, informativo, instrutivo, de Saul Leblon, no site do Vermelho: Quem faria hoje o que Roosevelt fez em 1933?
Vale a pena ler.

Juliano Guilherme disse...

O problema é que quando um país de primeiro mundo concede asilo para um cidadão do terceiro mundo, está ok, tudo dentro da normalidade. Quando é o inverso, cria-se um escândalo. Como pode? Que acinte. Como se atreve? Uma republiqueta confrontar um país civilizado? Bradam as Odetes Roitmans, aquela personagem da novela que achava o Brasil uma selva, e vivia enaltecendo a "superior" civilização européia. O choque foi causado por isso, o caso em si é segundario. Tudo fruto da mentalidade colonialista, daqui e de lá

Anônimo disse...

A Itália estava virando um pais de velhos.
Aquele estranho pais - que deixou Bakunin maluco - tem dinâmicas interessantes. Nos últimos anos assistiu o nascimento de vários movimentos, de defesa da justiça (que, apesar de Berlusconi e do crime organizado, luta pela manutenção da própria independência), da cidadania, dos bens comuns.
A poliítica xenófoba, infelizmente, não é uma característica somente italiana. O medo do estrangeiro, a ameça do que ele pode representar, sempre fez parte da politica brasileira, em períodos de ditadura ou de liberdade.
Na Itália as massas de clandestinos são usados para o tabalho submerso e movimentos como aquele da Lega Nord usam o "perigo do estrangeiro" com a mesma arrogância, o mesmo léxico utilizado pela direita brasileira. Sabe-se, quando é necessário desviar a atençao para problemas sérios, que a melhor estrategia é criar inimigos comuns, é alimentar o medo. Isso é usado nos Estados Unidos, na China, no Brasil, etc.
Curiosamente um estrangeiro na Itália tem mais possibilidades de agir como cidadão do que no Brasil. Podem fazer politica, discutir sobre os males do pais sem que sejma chamados de "gringo". Na verdade o italiano não tem um grande senso de pais para se sentir ofendido...
Ah, para concluir, não é um mal que um pais diminua o crescimento. Essa palavra, esse conceito ,tem sido muito discutido nesse velho planeta.
Até mais.

Lingua de Trapo disse...

Caro Miguel, tenho dificuldades de encontrar adjetivos para qualificar a nossa mídia assim como o comportamento da direita brasileira. Mas sei o que move essa gente é a sede pelo poder e o horizonte de 2010, daí se compreende o que você chama de comportamento sádico da mídia. Eu devo acrescentar, ainda, que toda essa histeria só atesta o quanto é nociva e dispensável ao país essa gente e, negar-lhes o poder é uma questão vital para a nossa sociedade.

Seu texto é brilhante, preciso e irretocável. Sinto-me reconfortado por saber que neste país há pessoas, e não são poucas, que como você são capazes de nos oferecer lucidez diante de tamanha bestialidade que é financiada pelos donos dos meios de comunicação de massa.

Ainda hoje postei um comentário no blog do Hélio, o Aposentado Invocado. Disse a ele que não havia me furtado de tirar um sarro do Gilmar Mendes com a declaração do deputado italiano sobre os juristas e as dançarinas brasileiras. Achei que era de tamanha tolice que sequer quis escrever uma linha para contraditar.

Mas pior do que as tolices e as bravatas que vêm da Italia são os argumentos das bestas nacionais, que do alto de uma subserviente ingenuidade, desdenha a soberania do próprio país pensando estar atacando um governante de que não se agrada. Depois reclamam, desculpe-me a palavra, de tomar cacete nas alfândegas mundo afora, pois acham que lá vale a cor da pele e a posição social que desfrutam aqui e que supõem fazer de si mesmos melhor do que os demais.

Tola elite brasileira, caçoam dos índios mas não conseguem se livrar do gosto por badulaques.


Um abraço

Anônimo disse...

"Cabe sim. Para isso existe refúgio político."

Exatamente. Refúgio político se dá a alguém perseguido por suas opiniões políticas. Não é o caso do Battisti, condenado por 4 homicídios, sendo 2 deles de um joalheiro e um outro de um açougueiro. Isso é crime político?

Anônimo disse...

Adhemar, o Stroessner não esteve exilado aqui? A Inglaterra não ficou com o Pinochet por mais de um ano? E a França também não foi o país de exílio do Battisti? Onde você estava com seus argumentos indignados, quando desses 3 casos? Não vem com sofismas. A direita, mídia inclusa, faz esse estardalhaço todo porque Battisti é de esquerda, isso tá na cara. Se fosse um general-torturador-ditador de outro país, não estaria nem aí...

Anônimo disse...

Fernando Romano

Não confunda as coisas. Stroessner e Pinochet não tinham sido condenados por nada quando receberam os respectivos asilos. E a França reviu o asilo ao Battisti quando Miterrand saiu do governo. O caso Battisti é bem diferente; ele é condenado por crimes comuns. A Itália era uma democracia na época, então não há porque alegar crimes políticos, mesmo porque é difícil ver motivação política nos assassinatos de um açougueiro e um joalheiro.

Anônimo disse...

Focando o caso Battisti, analisando o posicionamento da mídia corporativa brasileira, Miguel destaca o que considera uma demonstração de xenofobia invertida dos jornalões que controlam a mente da classe média brasileira: “tudo o que vem do Brasil é ruim e tudo que vem de fora é bom. A classe média esculacha seu próprio país em prol de qualquer país de primeiro mundo, mesmo sendo a controversa Itália, governada há décadas por mafiosos”. Arremata afirmando que não existe justiça perfeita em nenhum lugar do mundo, razão pela qual, é falso supor que a da Itália o seja. E conclui: seria uma covardia entregar Battisti para os neo-facistas que estão no comando de um governo de extrema-direita.

A proposição de Miguel é muito séria. É a mesma que serviu de ponto de partida para a decisão da Câmara de Acusação de Paris quando negou um pedido de extradição do mesmo Battisti feito pelo governo italiano em 1991, aplicando a Doutrina Miterrand: nenhum acuado que rejeitasse a violência seria extraditado, caso não houvesse, no país de origem, garantia de amplo direito de defesa. Por isso o escritor italiano viveu livre em Paris até que veio a mudança de orientação política com a guinada à direita e o novo pedido de extradição que deu causa à fuga, por temor, de Battisti.

Equivoca-se o comentarista Adhemar Santos.

Primeiro, porque não é o pedido de extradição da justiça italiana que foi decidido administrativamente; sim, o pedido de refúgio do escritor Battisti que sofre perseguição sancionatória decorridos 30 anos do fato que lhe foi imputado. Portanto, afirmar que não cabe ao governo brasileiro julgar a justiça italiana é mera demonstração de xenofobia ao avesso.
Segundo, porque o caso Battisti se enquadra no critério de definição do Artigo 1º, item 2, da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 1951. Ali está estatuido que o termo 'refugiado' se aplica a qualquer pessoa que esteja possuída do temor de ser perseguida por motivo de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política e, encontrando-se fora do país de sua nacionalidade, não quer voltar a ele devido a referido temor.

Terceiro, a justiça italiano condenou o ativista por crime comum e por crime político. Os pequenos delitos 'comuns' foram sancionados com 12 anos de reclusão. Mas Battisti era militante dos Proletários Armados pelo Comunismo, grupo de extrema esquerda que atuou na Itália durante os chamados 'anos de chumbo'. O PAC foi acusado formalmente por 4 crimes de morte e Battisti foi condenado à prisão perpétua como membro-autor desses homicídios, considerado terrorista pelo Governo italiano que desmantelou aquela organização subversiva depois desses crimes. É nesse quadro que cabe a moldura política daqueles fatos. Não é a condição profissional das vítimas e nem os meios empregados no crime que define o seu caráter político, mas sim os motivos e os fins perseguidos pela ação do grupo social.

Finalmente, durante os anos de chumbo, "A Itália tinha e tem uma legislação de emergência que a tornou tristemente célebre no exterior. Uma pena aplicada 30 anos depois do fato torna-se vingança. Além disso, existe na Itália um regime de cárcere duro para mafiosos e terroristas - o 41 bis - que até a juíza federal norte-americana D.D. Sitgraves considera estar no limite da tortura', disse o presidente da Antigone. A citação da juíza Sitgraves ganha interesse quando se sabe que a referida senhora, que atua no julgamento de casos de deportação, foi, estatisticamente, bem mais severa do que a média entre seus pares - que corresponderia ao padrão geral de tolerância vigente na era Bush, pós 11 de setembro, nos casos de imigração ilegal." [Wikipédia]

Parabéns pelo Post, Miguel.

Anônimo disse...

Caripuna equivoca-se em vários trechos:

1- A leitura do artigo 1º, item 2, da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 1951, ao contrário do que alega Caripuna, mostra que o caso Battisti não se aplica, ou seja, ele não está sendo perseguido por motivo de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política e sim porque é um condenado e fugitivo da justiça italiana. Aliás, conforme conclusão do próprio CONARE.

2- Caripuna afirma que Battisti foi condenado por crime comum e por crime político. Está errado, todos os crimes dele foram considerados crimes comuns, embora ele fizesse parte de um grupo terrorista. Simplesmente porque a Itália vivia uma democracia na época e, portanto, não justifica o processo e condenação por crime político. A organização dele (o PAC) era um grupo terrorista, uma quadrilha. Crimes cometidos por grupos terroristas não são necessariamente crimes políticos, depende do regime que "combatem" e dos crimes em si.

3- Caripuna afirma que não é a "condição profissional das vítimas e nem os meios empregados no crime que define o seu caráter político, mas sim os motivos e os fins perseguidos pela ação do grupo social". Errado! Motivos e fins de um grupo político não são "cheque em branco" para todos os atos. A título de exemplo, suponha que alguns radicais descontentes do PSOL, por exemplo, formem um grupo armado radical de combate ao governo e cometam vários roubos, assassinatos e, no fim, acabem até matando o Tarso. Pergunta. Você definiria todos os atos desse grupo como crimes políticos ou, partindo do princípio que vivemos uma democracia (assim como a Itália da época, quer vc queira ou não), os definira com crimes comuns de uma quadrilha?

4- Caripuna afirma que o PAC era um grupo terrorista. Ora, mais um motivo para ser negado o status de refugiado político, pois a lei de refúgio político proibe a concessão a terroristas.

Anônimo disse...

Pois é Miguel, e você quase declarou voto no Gabeira hein? Pelo que andei lendo Gabeira é amigo(?!) do Battisti e era um dos que mais lutaram pela condição de refugiado dele.

Como disse um amigo aí de cima Gabeira se restringiu a ser apenas um cínico. Lamento pelos que o seguem ou são seus amigos.

Anônimo disse...

Fazendo justiça foi você que falou do cinismo.

Miguel do Rosário disse...

pois é, wilson, mas o gabeira, por incrível que pareça, ainda tem muita força simbólica no Rio de Janeiro. tenho muitos amigos que votaram no gabeira e votariam de novo de olhos fechados. não querem saber de nada. não lhe interessam quem o gabeira realmente é. a comparação com uma instalação artística é perfeita porque ele, gabeira, é de fato uma obra aberta (conceito do Umberto Eco) que pode ser interpretado ao bel prazer do espectador. o gabeira é uma caricatura disso, ele portanto está encarcerado nessa imagem dúbia. não pode mais falar nada, tomar posição nenhuma, para não perder o voto à direita ou à esquerda. graças a deus não votei no gabeira. a bem da verdade, nesta eleição no Rio, não votei em ninguém. fui contra o gabeira e preguei o voto no eduardo paes, mas eu mesmo não votei e estou agora quase fazendo oposição ao eduardo paes, esse mauricinho que, assim que assumiu, resolveu jogar toda a culpa da cidade sobre os camelôs, tratados com truculência e estupidez.

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