Ainda não consegui engrenar. Os dias estão muito quentes no Rio e tenho dormido e lido muito. A guerra na Palestina, definitivamente, não tem me interessado. Ela produz uma energia extremamente negativa em toda parte. Respeito e parabenizo quem escreve sobre a Palestina. Eu mesmo já escrevi muito sobre o assunto - estou escrevendo agora - mas não me interessa mais. Não sinto pena, não quero sentir pena de ninguém. Nem de crianças. Há tanto sofrimento no mundo. Lembro do filme O Pesadelo de Darwin, sobre a miséria ao redor do Lago Victoria, na Tanzânia, que me traumatizou. As crianças na África continuam a morrer, lentamente. Li em algum lugar que, nos últimos 10 anos, morreu mais gente no Rio de Janeiro, assassinada, do que na Palestina.
O ano não começou bem. Guerras, crises, ameaças de desemprego. Não sinto pena, já disse, apenas tristeza, revolta, vontade de esquecer o mundo e pensar somente em mim mesmo; ou nem em mim mesmo, esquecer-me também, viajando no Melville que estou lendo. Moby Dick. Havia perdido o livro, em tradução, e agora consegui comprar outro, em inglês, que é a língua original do livro. Engraçado. O livro em portuguès, impresso no Brasil, custa R$ 80. O original, uma edição formato Pocket Book, novo, impresso nos EUA, me custou R$ 20. Tá bom. Assim eu melhoro minha cultura e ainda estudo inglês.
Um dos primeiros capítulos de Moby Dick é o sermão do pastor, na igreja dos baleeiros. No filme de John Huston, Orson Welles representa este personagem inesquecível. Em tom solene, ele conta a história de Jonas, o profeta do Velho Testamento que é engolido por uma baleia. Jonas havia recebido, diretamente de Deus, a missão de pregar a fé e a verdade divina. Mas o povo o recebe com muita hostilidade e Jonas, amargurado e amedrontado, resolve fugir à sua missão, e embarca num navio com destino ao porto mais longínquo possível. Ele vivia próximo à Síria, e seu destino é Cádiz, na Espanha, no limite do mundo conhecido. No trajeto, porém, uma tempestade terrível assola o navio. É o castigo de Deus. Jonas, acordado pelo capitão, sobe à proa. Encarando a tormenta, e vendo que o navio afundará, pede à tripulação que o lance ao mar, porque ele, diz, é o culpado. Jonas sente-se o mais vil dos homens. Sabe que é um covarde, um criminoso da pior espécie, muito mais do que um pecador comum, porque ele tem consciência aguda de seus pecados. Ele é um traidor da palavra divina. A tripulação sente compaixão pelo homem e se recusa a lançá-lo ao mar, mas ele tanto insiste que o fazem. Imediatamente a tormenta se acalma. Uma monstruosa baleia branca engole o profeta.
Abandonado na escuridão interior da baleia, Jonas pede perdão ao Senhor. Não clama por salvação, apenas afirma, desesperado, a sua fé no poder de Deus. Suas palavras são belas, emocionadas, sinceras. Tanto que Deus, tocado, resolve salvá-lo, e ordena que a baleia o vomite em terra firme. O pastor de Moby Dick tira as lições da lenda bíblica. Orson Welles, com sua incomparável voz grave e solene, afirma que ele, pastor, é mais pecador do que todos os homens, porque sua missão de transmitir as palavras de Deus será sempre conspurcada por sua imperfeita consciência humana. Por fim, encerra com um pensamento belíssimo, heróico, que nunca li em nenhum lugar. Ele faz uma auto-crítica devastadora aos líderes espirituais que buscam agradar; que se importam mais com seu bom nome do que com a bondade; que temem a desonra; que temem a verdade, mesmo quando é a falsidade que traria a salvação. Afirma, no entanto, que a redenção, a alegria, a sensação de liberdade, será tanto maior quanto maior o risco do sofrimento, e por fim, que ao exalar o derradeiro suspiro, o verdadeiro amante de Deus - e isto é um conceito teológico original para mim, e muito bonito - decide renunciar até mesmo à sua esperança de eternidade, pois que homem seria se desejasse viver tanto quanto seu Mestre?
Melville, usando a voz deste personagem, zomba da nossa própria ânsia por eternidade, tratando-a como arrogância infinita, um desejo leviano, infantil, ingênuo, de viver a vida de Deus.
É assim que penso sobre a questão palestina. Acho que os israelenses estão cometendo severos crimes de guerra, e que somente o fato de não obedecerem as resoluções da Organização das Nações Unidas constitui uma violação inaceitável, que deve ser condenada veementemente por todos os países. A direita brasileira, amarrada a esquemas ideológicos paranóicos e esquizóides, considera as instituições internacionais como entidades proto-comunistas. Imperdoável e intolerável ignorância. A humanidade não tem outra saída que não fortalecer os órgãos multilaterais. Nenhuma guerra poderá se realizar sem o consentimento da ONU, e esperamos que a ONU não consinta em mais nenhuma guerra. Milhares de textos já foram escritos sobre os interesses econômicos da indústria bélica, que corrompe parlamentares e presidentes, com o intuito de produzir conflitos e vender mais armas.
Entretanto, é preciso também que os árabes compreendam que o espírito de vingança não é digno do homem moderno. Todos entendemos a reação desesperada de pais e irmãos querendo vingar a morte e o sofrimento de pessoas amadas, mas não é assim que se conquista o poder. Não é assim que se comporta uma civilização avançada. E as pessoas que observam o conflito, e se posicionam, também devem compreender, na minha humilde opinião, que a compaixão pelas crianças mortas não deve se transformar em ódio. Os judeus, de fato, detêm um poderio militar muito superior em relação aos palestinos, mas estão cercados por 400 milhões de árabes, muitos deles fanáticos, que não hesitariam em explodir uma bomba num café cheio de mulheres e crianças. A estratégia de atacar a Palestina somente piora a sua situação. Os israelenses estão errados, terrivelmente errados. Mas não são como os americanos, protegidos por dois oceanos e por um PIB de 20 trilhões de dólares. Eles estão lá, no meio da tormenta, cercado de inimigos por todos os lados, com seus políticos expostos a grandes esquemas de corrupção pelos lobbies de guerra, com sua mídia reacionária que deturpa informações e incute pavor, ódio e preconceito nos cidadãos. Israel, um povo que abriga tantos intelectuais progressistas e artistas engajados, também é vítima de um sistemão ideológico conservador cujos tentáculos se espraiam por todo mundo, e que, com esta guerra, tenta sobreviver por mais algumas décadas.
13 de janeiro de 2009
Divagações em tempos de guerra
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Quando um amigo me emprestou Moby Dick vinha na edição uma pequena biografia de Melville. Entre suas imprssões sobre o mundo estava a afirmação de que 99% do trabalho humano na terra era inútil e contraproducente.
Este vídeo está sendo divulgado na rede. Derruba alguns mitos da mídia sobre os problemas da palestina. Legendas em português:
http://video.google.com/videoplay?docid=-4059024493735334793
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