21 de janeiro de 2009

Obama inaugura novo século com discurso emocionante

Ontem liguei a tv para assistir o Jornal da Globo, com William Waack. Queria informações sobre a posse de Barack Obama. Fiquei sabendo, então, por Waack, que o discurso de posse do novo presidente dos Estados Unidos não provocara muito entusiasmo na multidão que o assistia, e que havia sido um discurso bastante seco, advertindo o povo americano dos necessários sacrifícios que teria de fazer. O correspondente do Globo em Washington não discordou, embora tenha acentuado, com voz embargada, que havia sido um dia de muitas emoções.

Fui dormir um pouco decepcionado. Esperava um discurso emocionante de Obama. Sem contar o fato estranho, que li na web, de que o pastor escolhido por Obama para fazer o sermão do juramento presidencial, era um sujeito da ultra-direita católica, um histórico racista. O fato gerou comentários maliciosos na internet sobre as "concessões" do novo governo.

Acordei hoje e peguei o jornal na portaria. Olhei as manchetes e, antes de ler, antes portanto de purgar minha "azia" matinal, resolvi escrever um poema. Depois liguei o computador e decidi, ainda antes de ler o jornal, assistir o discurso da posse no youtube, sem tradução simultânea. Acompanhei o áudio do vídeo lendo a transcrição num outro site. E constatei, pela milionésima vez, que se você quiser ficar bem informado, tem que procurar as fontes originais. A opinião de Waack sobre o discurso, definitivamente, não correspondia à realidade.

Obama fez um discurso belo, prudente e corajoso. Se o 11 de setembro fechou o século XX, o século XXI só começou agora, com a posse de Obama. O chamamento ao "sacrifício" resumiu-se a um lugar-comum para tempos de crise, mas também não economizou sua oferta de esperança e não se furtou a citar nenhuma das bandeiras da esquerda americana. A luta contra o racismo foi abordada quando falou que há sessenta anos um negro como ele não poderia sequer entrar num restaurante. A questão da saúde pública entrou no discurso quando prometeu baixar os custos de tratamento. Atacou a má distribuição de renda afirmando que o governo não pode privilegiar os ricos. Acenou para as organizações multilaterais quando observou que os adversários nunca serão vencidos sem o apoio dos países aliados. Lembrou que a força de um país não se mede apenas por sua pujança militar mas sobretudo pela justeza de seus ideais e pela maneira como pretende difundi-los. Disse que o Estado não pode ser mínimo nem máximo, mas em linha com as necessidades de seu povo. Que o mercado deve ser vigiado pelas autoridades para que não fuja ao controle. Obama lembrou ainda a necessidade dos EUA realizarem mudanças profundas em sua matriz energética, reduzindo o uso de petróleo e elevando o de combustíveis alternativos.

Disse, enfim, que a esperança deve triunfar sobre o medo. E que os ideais e valores que fundaram a grande nação americana são sua verdadeira riqueza, aquela que nunca será negociada na bolsa de valores (palavras minhas).

Ao ver o tal pastor de direita lendo o juramento de Obama, pensei que mesmo a escolha do sujeito foi inteligente, pois foi como um ex-escravo chamar seu ex-carrasco para lhe servir o cafezinho. Um sinal de mão estendida e, ao mesmo tempo, um sinal de poder, mostrando aos racistas americanos que podem, se quiserem, continuar exercendo o sagrado direito americano de falar asneiras, mas quem manda na casa agora é ele, um negro filho de pai queniano, um democrata de esquerda, um homem chamado Barack Hussein Obama.

Também falou na recuperação dos investimentos do Estado em pesquisas científicas; e no fato dos EUA serem, além de católicos e protestantes, uma nação muçulmana e budista e atéia.

As pessoas se emocionaram muito. Gritaram, choraram. Talvez não tenham feito o escândalo que William Waack desejava. Talvez não tenham desmaiado em massa. Mas ouviram atentamente. Dois milhões de americanos, de todas as cores e credos, reuniram-se sob um frio abaixo de zero e escutaram, silenciosa e respeitosamente, o seu presidente discursar e incutir-lhes esperança.

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A mídia brasileira divulgou uma foto mostrando Obama segurando um jornal e soaram vozes por todos os lados: estão vendo, Obama, ao contrário de Lula, lê jornais!

Bem, agora que assumirá a cadeira de presidente da República, creio que Obama, assim como qualquer presidente do mundo, terá que reduzir o tempo dedicado à leitura de jornais, delegando a função de selecionar matérias para seus assessores. Entretanto, mesmo que resolva perder as primeiras preciosas horas de sua manhã lendo o New York Times, Obama seguramente não sentirá a azia que sentiria se fizesse a mesma coisa no Brasil, lendo jornais brasileiros. Primeiro porque os grandes jornais americanos, honesta e transparentemente, divulgam que candidato apóiam, e neste último pleito apoiaram Obama. Os colunistas americanos identificam-se bastante claramente entre conservadores e liberais que, até o surgimento de Obama, cujo carisma e inteligência e conveniência histórica embaralhou as posições, dividiam-se também de forma bastante previsível entre republicanos e democratas. A midia americana, mesmo quando acusava presidentes de serem "comunistas", como fez a Roosevelt, nunca defendeu golpes militares anti-democráticos.

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A mudança no comando dos EUA deverá se espraiar por todas as instituições americanas. Centenas de milhares de funções serão ocupadas por sangue novo, não conservadores. A paranóia anti-comunista, usada oportunisticamente por conservadores, desde os tempos do senador McCarthy, para defenestrar gente honesta e cérebros independentes, ver-se-á reduzida. Nosso direitaço maior, excelentíssimo senhor Olavo de Carvalho, que até hoje procura comunistas sob sua cama, e que defende a tese de a nossa midia (!!!!) é esquerdista, terá que aumentar sua dose de tranquilizantes.

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Agora, Obama não é um deus posto no alto do olimpo estadunidense. Ou seja, os decepcionados que voltem para suas igrejinhas e procurem consolo em Deus.

5 comentarios

josaphat disse...

Miguel, não assisti ao discurso. Apenas vi, pela globo news, por alguns momentos, a caminhada do casal Obama naquele frio de rachar que devia estar fazendo naquela tarde de Washington. Achei bonito e corajoso o gesto. E fiquei imaginando que aquelas pessoas que estavam ali, naquele frio, deviam estar se sentindo um pouco como nos sentimos nós (eu pelo menos) durante a posse de Lula. Acho que os norte-americanos se amadureceram como nação. Finalmente.
Agora, muito me surpreende que você ainda perca seu tempo assistindo aos âncoras dos telejornais. Antes do advento da internet, assistia aos telejornais para fazer, como se pode dizer, uma leitura invertida, ou ao menos, para tentar descobrir a verdade por trás da versão apresentada.
Há muito que tenho azia desses jornais. Odiava, particularmente, o Cid Moreira.

Miguel do Rosário disse...

é, eu queria apenas notícias em primeira mão. não a opinião de waack, mas imagens da posse. mas a opinião vem junto com a notícia, esse é o problema. em vez de apresentarem apenas trechos do discurso, waack, como sempre, deu sua opinião sobre o discurso. e eu, com sono, engoli. imagine como era o tempo em que não havia internet.

Anônimo disse...

Tive a mesma impressão do discurso de Obama, que assisti ao vivo pela CNN. É um discurso de posse, não de campanha, uma espécie de declaração dos princípios que vão guiá-lo no governo: conciso (18 minutos), direto, preciso, claro. O estímulo ao apoio das massas não poderia mais ser a um "Yes, we can" de algo ainda quase inatingível, mas sim, agora, "Yes, I will do", com o apoio de vocês, do que os americanos terão de batalhar para concretizar. Muito seguro esse homem; não deu a mínima para a enxurrada dos "colonistas" americanos que queriam mais um "discurso memorável" para pendurar na parede. É um cara prático, que não está pra brincadeira e, espera-se, eficiente.

RLocatelli Digital disse...

Que nada, Miguel, houve muita emoção, sim! Havia artistas, o compositor John Williams - que compõe a maioria das trilhas do Spielberg e do George Lucas - fez uma música especialmente para Obama. O violoncelista Yo Yo Ma, um dos maiores do mundo, ofereceu uma audição, junto com outros músicos eruditos.
Na platéia, o neto de Luther King, artistas negros e brancos.
Uma multidão gigantesca de 2 milhões de almas!
Detalhe: no dia anterior manifestantes atiraram dezenas de sapatos contra os portões da Casa Branca como presente de despedida para Bush.
Pra falar a verdade, nunca antes naquele país houve uma posse presidencial assim!
A Grobo não gosta de Obama.

Juliano Guilherme disse...

Li no PHA que a maior preocupação do Waak era a repercussão do discurso do Obama na bolsa de Nova York. Como ela caiu, e ele achou que o discurso foi ruim. A mídia americana não estava nem aí para o que a bolsa achou do discurso, só o mesmo o Jornal da Globo deu destaque para isso. O Waak deve especular na bolsa de Nova York. Ora, que se f...a bolsa, e que o Waak perca muito dinheiro nela.

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