23 de janeiro de 2009

Sobre as tentativas de dividir a esquerda

Desde Julio César, que se conhece bem a estratégia de criar discórdia entre os adversários com o fim de debilitá-los. O PPS, com a sua verniz, cada vez mais fina, de partido “de esquerda”, percebe isso como uma de suas principais estratégias para, no colo do PSDB, chegar ao poder em 2010. Raul Jungmann, deputado federal pelo partido citado, publicou artigo na Folha de São Paulo que demonstra perfeitamente o maquiavelismo dessa estratégia. A redução dos conflitos de terra, em vez de representarem sinal de avanço da questão agrária, é usada por Jungmann para lançar sementes de intriga entre o governo Lula e o MST. Uma intriga que, aliás, tem tudo para prosperar, visto que o MST é um movimento que, em virtude de certas características, cresce na desgraça e perde força durante os bons momentos. Para explicar isso, publico aqui uma discussão pública ocorrida num grupo do qual participo, os Sem Mídia. Sérgio Telles responde a uma mensagem de Ester, que ficara interessada na opinião de algum integrante do MSM (Movimento dos Sem Mídia) sobre o artigo de Jungmann (cuja íntegra publico aqui).

Seguem os textos publicados no fórum de discussão:

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Ester,

Simplesmente o MST se esfacelou porque o Governo Lula ao invés de criar favelas rurais como o governo FHC, criou programas que resolvem melhor o problema da fixação no homem do campo (ou mesmo na cidade, mta gente do MST era desempregado urbano):

1 - Bolsa Família que cria uma renda mínima importante pra atividades sazonais como o setor primário, evitando a migração por desespero e possibilitando a fixação em lugares com período curto de chuva (associado a programas como das cisternas);

2 - Microcrédito, importante pra incentivar pequenos investimentos.

3 - Luz pra Todos, levando eletricidade em lugares que não existia, possibilitando novas atividades, valorizando terras em lugares longínquos e abandonados.

4 - Incentivo a formalização de empregos, associado ao crescimento contínuo econômico, o que gerou 10 milhões de empregos desde 2003 (mais do que todos os países desenvolvidos geraram juntos). Emprego na cidade é menos gente da cidade querendo voltar pro campo.

5 - Agricultura familiar, cooperativismo e economia solidária com apoio do governo, inclusive no programa do biodiesel. Crédito e técnicas de cultivo foram oferecidas aos assentados, e não abandonados e esquecidos em favelas rurais.

Em suma, não são números ou programas diretos que resolvem os problemas, mas sim ações em conjunto que de maneira estruturada criam soluções para a maioria dos participantes do movimento que realmente estavam ali para defender seu sustento.

Aos que eram do meio rural, crédito e tecnologia para aumentar sua produtividade e o bolsa família pra segurar ele nesse lugar nos períodos de entressafra.

Aos do meio urbano, oportunidades de trabalho que vinham faltando até então e que foram criadas.

Por isso o efeito do MST no governo FHC era de parecer cada vez maior, e no governo Lula o movimento se esvaiu. E é claro que as lideranças políticas do MST estão enraivecidas com o governo atual, até porque ele resolveu o problema principalmente por vias indiretas, até porque são meios menos custosos (e mais definitivos, favela rural de FHC na sua maioria era abandonada e o pessoal voltava pro MST pra pedir outra terra, poucos dos assentamentos dos tempos pré-Lula vingaram). Pra quem faz apenas política com o MST, o "quanto pior, melhor" é válido, porque o movimento foi forte enquanto havia gente ali querendo realmente terra, agora, ainda que se tenha bastante gente em problemas localizados em locais de conflito, ainda assim a situação anda mto mais suave que anteriormente. Gente pra dar tamanho ao movimento aumenta seu peso político, ainda é um movimento importante mas a própria realidade do país o faz de certa forma um caminho sem futuro. O movimento não acabará porque conflito de terra sempre acontece, mas será cada vez menos intenso. Bom, isso se a tacanalha não voltar um dia, é claro.

Sergio Telles


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Excelente, Sérgio. Até eu, que sou socióloga, não tinha me dado conta de aspectos que você ressaltou. Parabéns. Vera

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Sei não, que tal incluir (uma reflexão sobre os dados no IPEA, na matéria que cito abaixo), como um dos motivos de o PT abandonar uma bandeira histórica do partido e uma das lutas mais antigas de nosso território, luta secular mesmo que é a distribuição de terra neste país?

O PT de Lula abriu as pernas total para o agronegócio escuso, isso sim, que se pudessem já teriam exterminado todos os indígenas e camponeses desta terra.

22/01/2009

Agronegócio é favorecido por rolagem bilionária de dívidas

Renegociação feita ano passado não foi o bastante para bloco ruralista. Dívida dos grandes produtores atinge R$ 74 bilhões. Inclusão dos pequenos no bolo de devedores legitima ajuda aos grandes, analisa economista do Ipea

Por Maurício Hashizume

leiam a matéria toda aqui: http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=1495

Conceição Oliveira

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Governar se guia por ideais, mas se confronta com a questão prática. O poder instituído de pressão dos ruralistas é muito forte. Por outro lado, o agronegócio é um dos pilares do nosso sistema exportador que ajudou a bancar nossas confortáveis reservas internacionais atuais, não adianta que produção de agricultura familiar não gera exportação em escala suficiente pra saldos vistosos.

E o Brasil é grande pra que se evite os conflitos, há espaço para a agricultura familiar e para o agronegócio. Não se pode governar focando um lado em detrimento completo do outro, ainda mais esse outro sendo fundamental pra questão do equilíbrio de balança de pagamentos, que era crítico quando o governo Lula entrou.

É visão simplista achar que o "nosso problema" é mais importante e que deve ser imediatamente solucionado, postergando os demais. Quem governa assim nunca vai a lugar nenhum. E visão de partido quando se chega ao poder deve ser confrontada com os interesses do estado brasileiro, sobretudo. Nem tudo que o partido pensa pode ser adotado imediatamente, às custas da falência ou insolvência, ou mesmo por limites institucionais, ausência de normas e leis... tudo precisa ser adaptado, e certas coisas até deixadas de lado também pela questão da tal "governabilidade".

Certamente houveram falhas, esforços foram perdidos, poderia ter sido feito mais. Isso é pra qualquer situação, nenhum governo é plenamente perfeito. Mas o fato é que a questão do campo atualmente é muito menos grave do que na década passada, até porque o imprensalão adoraria repercutir quebra-quebra de sem-terra com fazendeiro, e isso a gente não vê mais, conflitos estão existindo mas não na escala absurda que se atingiu, como o caos social geral gerado pelo êxtase do neoliberalismo tucano no segundo governo de FHC.

Abraços
Sergio Telles

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vc anda lendo pouco a imprensa crítica não faz nem 6 meses o mst foi criminalizado, o governo lula em relação à terra e agricultura familiar não avançou um único milímetro, em 2008 tivemos sim morte e agressões terríveis no campo, basta olhar para o sul do país para o nordeste e para o norte e o agronegócio tem seu que de escravidão, perguntemos para os cortadores de cana o que eles pensam a respeito deste super desenvovimento ou para o absurdo que é para os povos indígenas de vários cantos do país o que é ter sua terra contaminada sua água imprestável por esses senhores do latifúndio, pagaremos caríssimo por fazer vistas grossas a isto social e ambiental
abraços

Conceição Oliveira

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Mas o governo faz a fiscalização de combate ao trabalho escravo com bastante intensidade, tem feito a desapropriação associada com a escravidão...

Conflito no campo ainda existe, mas não com a intensidade da década passada. Isso com toda certeza. Falei e repito.

"Pagaremos caro" é complicado dizer, são escolhas que se precisam em certas situações, o Brasil precisava dessas divisas, há a necessidade de se optar por algum tipo de exploração de recursos, viver que nem índio é ser dominado e submisso pelos países desenvolvidos.

Sergio Telles

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Eu tinha certeza que vc gostaria [do artigo do Telles], Miguel, lembrei de uma discussão que travamos tempos atrás no seu e no meu blog.

Mas acho que tem um grande problema aí, vcs tratam agronegócio e agricultura familiar como a mesma coisa e acham o MST um movimento sem sentido e eu acho um dos únicos movimentos sociais do país.

Especialmente o Miguel faz pouquíssimas distinções a respeito do que ele denomina genericamente de agricultura familiar. Sérgio é bem mais condescendente com o governo e sai na defesa como se, ao fazermos crítica a estagnação do governo Lula em relação a questão agrária, fôssemos coadunar com os críticos levianos.

O MST hoje é o único movimento deste país que faz oposição séria à barbárie ambiental das transnacionais que desmatam e matam nossa terra e vcs ignoram completamente isto, se o embate não é maior é porque há lideranças dentro do MST que tem algum compromisso com o partido.

Conceição Oliveira

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Olá Conceição,

Respeito imensamente a sua opinião e a do MST e entendo seus fundamentos, mas acho que ela é conspurcada por preconceito pseudo-ideológico urbanóide contra o agronegócio, que é uma atividade econômica essencial para o desenvolvimento nacional. Você dificilmente verá um agricultor de verdade pensar assim. Para ele, e eu concordo, a distinção entre agronegócio e agricultura familiar está no tamanho da propriedade, e o pequeno quer ser grande, o que é uma ambição natural e saudável do ser humano. O pequeno agricultor também quer conhecer Paris, e para isso terá que se tornar grande.

Cordialmente,
Miguel

1 comentário

RLocatelli Digital disse...

Cáspite! O artigo do tal Jungmann é de um baixo nível atroz!
O sujeito destila ódio por todos os poros!
Com licença que vou tomar um banho de sal grosso.

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