19 de outubro de 2010

A metáfora da flor

Durante os anos em que trabalhei escrevendo reportagens sobre café, lembro que acompanhávamos de perto o tamanho e a qualidade da floração, cuja primeira leva acontece em setembro ou outubro. Eu viajava o ano todo, para cidadezinhas de Minas, São Paulo, Espírito Santo e Bahia, e entrevistava produtores e agrônomos. Eles me ensinaram muitas coisas. Nunca deixei de me impressionar, por exemplo, com a delicadeza dos pés de café. Não basta chover para que a planta tenha um boa floração. Ao contrário, é necessário que a árvore experimente antes um estresse - o termo usado pelos agrônomos é este mesmo, estresse. Um estresse hídrico. O ideal é que haja seca por aproximadamente trinta dias. E finalmente, uma chuva - moderada e constante de preferência - em meados de setembro e outubro. Não adianta chover antes ou depois.

Quanto mais estressada a planta, maior e mais homogênea e firme a floração. Repare que usei o adjetivo "firme", porque há florações débeis, bonitas mas que não vingam. Morrem e caem no chão. O importante, naturalmente, é que a floração sobreviva e se transforme em frutos.

Imaginei essa metáfora ao observar, em todo o país, nos últimos dias, o ressurgimento da militância e a mobilização das forças de esquerda, depois dos dias sombrios de pessimismo e depressão que se seguiram ao primeiro turno, no turbilhão de uma onda de ódio e baixaria que parecia tomar conta de tudo, silenciando a democracia e aniquilando o debate político. Eu mesmo quase afoguei-me nessa lama podre. Muitos leitores brigaram comigo, com razão.

Ontem aconteceu um evento tão bonito aqui no Rio. Depois dos dias aridamente tristes, depois do olhar apavorado que vi num amigo, do clima tenso, da falta de esperança que logo descambou num festival de reclamações, autocríticas e mais lamentos, depois de tudo isso, vieram as chuvas, as notícias de que a onda do mal refluiu, e que os milhões de brasileiros que votaram em Dilma ou que não votaram mas querem votar agora acordaram para o perigo de um retrocesso político e mobilizaram-se em prol da continuidade de um projeto democrático e popular.

Artistas, intelectuais e militantes encontraram-se ontem no Teatro Casa Grande, no Leblon, e protagonizaram o encontro mais belo da campanha deste ano. Um momento de muita emoção, amor e esperança, com a presença de grandes nomes da cultura nacional. As flores desabrocharam, com vigor máximo. Eu não fui porque passei o dia inteiro instalando velox e roteador, e depois não consegui mais me desgrudar da internet; mas ao assistir os discursos pela web logo me arrependi amargamente pela decisão nerd e estúpida. De qualquer forma, mesmo não indo, foi possível sentir o clima de alegria que tomou conta do público, tanto o real quanto o virtual que assistiu à distância.

Não esqueçamos, porém, que as flores são frágeis e precisam de cuidado e proteção. Daqui até o dia 31 de outubro, temos a missão de defendê-las, para que amadureçam e se tornem frutos. O nascimento de uma flor corresponde a um processo delicado e complexo; arrancá-la é a coisa mais fácil do mundo. Tempo frio ou quente demais pode matá-la. Mantenhamos, portanto, o equilíbrio na temperatura. Cerquemos a plantação de jagunços armados até os dentes, agressivos, protegendo nossas flores de pragas e tucanos daninhos. Mas - claro! - curtindo e antegozando o seu perfume inebriante!

14 comentarios

Anônimo disse...

Excelete texto, Miguel!
Comparação bela e acurada...

Mateus Juas Constantino disse...

Vamo detonar, Miguelão... Não vamos colher uma flor somente, Miguelão... vamos colher 60 milhões delas. E as forças obscurantistas ficarão boquiabertas diante do bem que essa primavera vermelha irá provocar no nosso Brasil. Militância obstinada até o último voto a ser contado... e muito Jack Daniels depois!

Anônimo disse...

Parabéns pelo texto!

Nos encoraja a dar algo mais que faltou no primeiro turno, porem acredtito que se não fosse o segundo turno não teriamos a emoção e sentimos que estamos vivenciando neste momento.
Mais uma vez parabens pelo texto e o manifesto foi emocionante.

Por favor divulguel este link acho muito simbólico.

http://www.youtube.com/watch?v=fq-SUQYdwOU&feature=youtube_gdata

Jose Silva

DENIS DIAS disse...

legal!!! Dilma 13!!!!!!

André disse...

Miguel, como sempre está ótimo, mas não pude deixar de me lembrar do Peter Sellers em "Muito Além do Jardim".
Abraços e até a vitória!
André

Anônimo disse...

Confesso que também fiquei desanimado após o primeiro turno, más isso foi coisa de momento.Assim como voce eu também estava empolgado com a vitória no primeiro turno.Más até que valeu essa nova eleição, pois me empolguei e fui as ruas militar, com isso conssegui dois votos, converti um serrista e ganhei um indeciso que tornou-se ferrehno dilmista, parece pouco, ma´s cada voto conquistado é um tesouro que tem a importancia do pré-sal para o Brasil e os brasileiros, é isso com fé e sem desanimar, vamos construir um Brasil para os brasileiros.

rgregori disse...

Miguel, essa nova Vox está me animando ... vamos ver se as próximas pesquisas confirmam!

Sérgio Vianna disse...

O encontro no Teatro Casa Grande foi um espetáculo de democracia e de generosidade dos artistas e celebridades que foram levar seus apoios a DILMA.

Intenso do início ao fim, com declarações emocionantes de Boff e Chico Buarque, com o canto de Beth Carvalho e a livre adaptação para a música “Deixa a Dilma me levar... Dilma leva eu...”, dentre tantas manifestações ouvidas no ato Dilma brindou o público presente e a todos que assistiram ao vivo pela internet com um discurso de estadista.

Quem duvidar que ouça.

Foi muito bom ver Dilma fundamentando suas convicções, dissertando sobre o governo Lula e todas as dificuldades por ele encontradas desde a posse para sustentar um programa de governo em que o povo é protagonista. Dilma deu uma aula sobre o desenvolvimento da economia e da relação internacional do Brasil, os programas sociais e econômicos, o emprego, a renda, a elevação do PIB, etc.

E tudo o que fazer para transformar definitivamente o Brasil numa nação respeitável em todo o mundo: - “Nenhuma nação do mundo será respeitada se seu povo não for respeitado por seus governantes”, encerrou Dilma.

Eu achei a melhor intervenção da Dilma em toda essa campanha. Mas com tanta energia positiva! O que falar de Oscar Niemeyer aos 102 anos presente no ato?

PS: Ontem tentei brincar com Miguel no posto sobre "Boemias...". Era só brincadeira, Miguel. Mas devo ter exagerado. Miguel não gostou. Peço desculpas.

Anônimo disse...

Miguel, belissimo texto,de grande inspiração! Há necessidade de ler e ouvir mensagens de florescimeno e colheita de bons frutos numa época muito sombria de nossa politica

Unknown disse...

Fantástico, copiado literalmente para meu blog. Saudações libertárias, SEMPRE!

douglas da mata disse...

Engraçado,

Foi através do RioBlogPro que tive acesso a seu blog, qye leio e admiro.

Seu texto se encaixa perfeitamente no sentimento ue carrego, e sinceramente, não fui capaz de me desvencilhar.

Mas cada um é cada um. Encerrei "temporariamente" as minhas postagens.

Acho que (olha a frase sacrílega, rs)cansei!

Hoje, nas esquinas da minha cidade, ao levar minhas crias a escola pude ver um pouco do que falou: Militantes panfletando e automéveis buzinando (como eu)para terem seus carros adesivados com Dilma.

Ainda há esperança, ela é a última que morre, mas a minha anda bem doente.

Um abraço, e continuem fazendo esse belo trabalho.

Anônimo disse...

Ótimo texto. Dilma 13!

Miguel do Rosário disse...

Oi Sergio, nem lembrava... nem liguei. Mas tive que responder prontamente pq seu comentário podia me gerar problemas graves em casa... :) Abraço.

heliojesuino disse...

Miguel, do cacete esse teu blog.

acho que essa levada mais pessoal (com as quais,na maioria das vezes, nem concordo muito...)traduz bem esse sentimento de insegurança que toma conta da gente nesse momento. Porres eufóricos, ressacas pessimistas, a vida pessoal de permeio e a história ali na esquina, à espreita...
São crônicas desses dias em que vivemos perigosamente, com o cu na mão,o coração na boca e nosso destino (ou boa parte dele), como sempre, na mão dos outros...

Boa sorte pra nós, companheiro, e até um trago pelaí.

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