A prata da bala foi roubada na igreja

Leio notícia de que um ladrão no Espírito Santo, ao tentar atirar na vítima, acabou acertando na própria cabeça. Isso me faz pensar em setores políticos que pensam usar de táticas baixas para derrotar seus adversários, especialmente aquelas ligadas ao fundamentalismo religioso. Não quero nem entrar em detalhes sobre os vídeos usados porque qualquer referência acaba se voltando contra nós mesmos, visto que esse marketing "viral" precisa apenas de links ou mesmo simples menções para se difundir.

Entretanto, essas "ondas" podem afogar aqueles mesmos que tentam surfar nela. Podem até ganhar alguns pontos percentuais no cômputo final, mas serão estigmatizados pela história da democracia brasileira, que certamente irá repudiar veementemente essa maneira vil de manipular a ignorância da população.

Acho difícil que Dilma consiga recuperar o voto dos eleitores apavorados pela campanha fundamentalista, visto que se tratou de uma opção explicitamente anti-PT. Quer dizer, difícil mas não impossível, e sempre se pode estancar a sangria. Meu receio é que o partido tome decisões apressadas, inspiradas pelo medo, como a sugerida por alguns caciques, entre eles André Vargas, secretário de Comunicação, que soltou declarações antipáticas ao movimento feminista, representante histórico do lobby próaborto. Deve-se ter, antes de tudo, muita calma nessa hora.

Deve-se ter muita calma sobretudo para não perder (e com razão) o eleitorado progressista que votou em Marina, concentrado no público jovem e/ou de classe média, e que, a meu ver, inclinaria-se naturalmente (em parte, ao menos) para Dilma. Não sei o percentual desse público junto ao eleitorado total de Marina, mas independente desse número, trata-se de um segmento ruidoso, conectado à internet, com tendência a votar em conjunto, como se seu voto representasse uma "onda", uma "moda".

Como não tenho esperança nenhuma de poder mudar o voto do eleitorado religioso, até porque o nome do meu blog não ajuda em nada, irei concentrar meus esforços nesse setor liberal, de classe média, que votou em Marina.

Já identifiquei que muitos deles votaram em Marina por razões realmente políticas. Ou antes, simbólicas, o que é quase a mesma coisa. A presença de Sarney, Collor e Renan Calheiros na base aliada, por exemplo, provocou enorme desgaste político em Dilma Rousseff. Ontem mesmo estava conversando com uma senhora revoltada com o fato de sua filha e amigas votarem em Marina por conta disso. Ela me dizia que tentou explicar a filha que as alianças de Dilma giravam em torno de um eixo, de um projeto. Esses aliados agregam-se a esse eixo, tem pouca influência inclusive na sua composição. Em política, não tem sentido dispensar aliados. Nem é democrático criminalizá-los. Cabe ao candidato definir um eixo político e ideológico e atrair o máximo possível de aliados, e quanto mais talentoso ele (o candidato) for mais aliados ele agregará. A formação de um amplo arco de alianças é algo positivo, porque é a única maneira democrática de levar adiante um determinado projeto.

Esse foi o maior prejuízo produzido pela mídia junto à Dilma. Lembro-me da foto estampada na primeira página do Globo, de Lula e Collor abraçando-se e que rendeu uma série de pesados ataques à Lula, com dano principalmente entre a classe média. Na página principal de política, o Globo publicou foto imensa de escritor carioca, seguido de declarações suas bastante pesadas contra Lula. Depois veio Sarney. A campanha para derrubar o senador maranhense mobilizou uma grande quantidade de jovens (ou mesmo não jovens) no Twitter e tenho fortes suspeitas que estes foram os mesmos que aderiram à campanha de Marina, que foi a mais forte na rede. Este público não aderiu à Serra por conta do fogo cerrado da blogosfera contra o candidato, e também para ficar de fora da guerra sem tréguas entre tucanos e petistas. Pensando bem, também não será fácil atrair esses eleitores para o campo dilmista. Eles integram essa nova geração não apenas despolitizada; é mesmo hostil à política; mas adere de forma surpreendente a ondas geradas inicialmente pela grande mídia, e por ela também retroalimentada. Tipo assim: inicia-se uma espécie de bullying político, em geral contra uma determinada figura política facilmente demonizável, como Sarney ou Renan. A grande mídia deflagra uma campanha orquestrada contra todos os parentes do cidadão, fuça-lhe o passado, o presente e o futuro, mescla escândalos falsos com verdeiros, mobiliza humoristas, chargistas, colunistas, celebridades. Todo o exército é posto em marcha para derrubar o inimigo. Lima Barreto já havia descrito esse movimento no íncio do século XX, em seu clássico Recordações do Escrivão Isaías Caminha, que narra a história de um pobre rapaz que vai trabalhar num jornal chamado, profeticamente, de O Globo (o Globo ainda não existia, o livro é inspirado no recém-fundado Correio da Manhã).

Aí um jovem lança, por exemplo, uma hastag contra o Sarney. A grande mídia rapidamente ajuda a transformá-la numa TT (lista dos mais comentados no Twitter) citando-a com destaque em suas páginas ou telas. Essa é a retroalimentação, que visa fomentar um movimento "espontâneo". É a mídia alternativa a serviço da mídia tradicional.

Tudo leva a crer que enfrentaremos artilharia pesada nas próximas semanas. Quero crer, contudo, que esses celerados da política, que roubam, aos milhões, os votos de segmentos incautos e manipuláveis da sociedade, terão uma resistência feroz por parte de cidadãos comprometidos com uma campanha lastreada em propostas e projetos e não em baixarias, calúnias ou tabus (como o aborto). Quero crer que eles irão acabar disparando suas balas de prata, assim como aquele ladrão capixaba citado no início do post, nas próprias cabeças.