8 de março de 2010

FHC, o che guevara de Higienópolis, ataca outra vez

A primeira grande dificuldade a ser enfrentada na análise de um artigo de Fernando Henrique Cardoso é vencer o sono. Não se trata de um sono comum, físico, natural. É antes um sono metafísico, profundo, instintivo. Acredito que a maioria esmagadora dos leitores deve sentir o mesmo. E simplesmente não lêem as colunas de FHC; as quais, portanto, poderiam atravessar décadas quase despercebidas. Inofensivas. Claro que teriam sua utilidade. Sempre é útil publicar artigos com título: "A hora é agora", iniciado com um "Hora de avançar (...)"

Mas FHC não é um articulista comum. Ele é o herói da mídia. O che guevara do PSDB jovem. O ideólogo supremo da oposição. Ex-presidente da República...

Seus artigos, por mais gordurosos e morféticos, vem acompanhados de uma aura de esperança e utopia, de um mundo enfim livre dessa odiosa raça que insiste em querer melhores salários.

Mas deixemos o papo furado e adentremos a sala elegantemente acarpetada onde se aboletam os clichês fernandinas.

A hora é agora :: Fernando Henrique Cardoso

[Analisem a sonoridade do título. Hora / agora. A hora é agora. Respirem a sua originalidade, digna de um gênio.]

Hora de avançar a partir do que conseguimos nestes 25 anos de democracia e de buscar um futuro melhor para todos.

[Respirem! Respirem o perfume encantador que essa frase exala: "buscar um futuro melhor para todos". Choremos de emoção! ]

As bases para o Brasil preservar seus interesses sem temer o mercado internacional estão dadas.

[Agora vamos falar sério. Não entendi o fundamento lógico da frase. Estaria FHC ficando esclerosado. Ou profundo demais, hermético? Ou sou eu que tenho problemas? As bases para o Brasil... preservar seus interesses sem temer... o mercado internacional... Temer o quê? Preservar seus interesses? As bases estão dadas. Isso entendi. Quer dizer. Mais ou menos. Sigamos adiante.]

Convém mantê-las. Controle da inflação, pelo sistema de metas, câmbio flutuante, lei de responsabilidade fiscal, autonomia das agências regulatórias, são pilares que podem se ajustar às conjunturas, mas não devem ser renegados, e não podem estar sujeitos a intervenções político-partidárias e interesses de facção. Há, contudo, desafios: o novo governo terá de cuidar de controlar os gastos correntes e de conter a deterioração da balança de pagamentos (sem fechar a economia ou inventar mágicas para aumentar artificialmente a competitividade de nossos produtos).

[Os gastos correntes devem se ajustar este ano. Já estão se ajustando, em função da volumosa entrada de investimentos estrangeiros. De qualquer forma, FHC fala de um jeito como se o governo tivesse o poder absolutista de controlar esses movimentos, que obedecem, inclusive, a conjunturas internacionais e tecnológicas. Ou então ele sugere, subrepticionamente, realizar um corte brutal no funcionalismo público? Em seu governo, o país acumulou déficits comerciais elevadíssimos. O Brasil exportava cinco vezes menos do que hoje. E pior: importava pouco também. ]

Perdemos tempo com uma discussão bizantina sobre o tamanho do Estado ou sobre a superioridade das empresas estatais em relação às empresas privadas ou vice-versa. Ninguém propõe um “Estado mínimo”, nem muito menos o PSDB.

[Ah não? Durante anos (e até hoje) lemos editoriais, e artigos de colunistas alinhados ao PSDB, discorrendo justamente sobre a superioridade das empresas privadas sobre as estatais. Foi esse raciocínio, aliás, que norteou a defesa das privatizações no governo FHC. Os tucanos falam diariamente sobre o tamanho do Estado. A imprensa tucana é obcecada por um "inchaço da máquina pública" que vários especialistas já provaram que não está ocorrendo. O que acontece é atualização às necessidades brasileiras. 
De qualquer forma, é uma discussão de fato relevante, sim, essa sobre o tamanho do Estado. Não é uma discussão "bizantina". A escolha do termo "bizantino", diga-se de passagem, é tremendamente infeliz, ainda mais por parte de um ex-chefe de Estado, e que supostamente conhece a história e línguas estrangeiras. É um termo que dá um sentido depreciativo ao império romano do oriente, cuja capital era Bizâncio, uma civilização que tão importante foi para a cultura da humanidade, por guardar o patrimônio grego e latino, àquela altura esquecido ou destruído em Roma e na Europa em geral, entregue às trevas e às guerras medievais. Segundo o Aurélio, o sentido depreciativo de "bizantino" é: acadêmico, tolo, pretensioso. Não creio que esse debate seja isso. É um debate essencial saber o tamanho ideal do Estado.]

Outra coisa é inchar o Estado, com nomeações a granel, e utilizar as empresas públicas para servir a interesses privados ou partidários. [Atitudes nas quais FHC foi um especialista].

A verdadeira ameaça ao desenvolvimento sadio não é privatizar mais, tampouco o PSDB defende isto. [Ah, não? Mudou de idéia? E os documentos (declarações dadas à imprensa, sobretudo) encontrados na blogosfera, comprovando que DEM e PSDB faziam preparativos para vender a Petrobrás e o Banco do Brasil?]

Empresas estatais se justificam em áreas para as quais haja desinteresse do capital privado ou necessidade de contrapeso público [ah é? isso é um chute ou o quê? Estatal não pode competir com o privado em determinados setores?]. Não devem acobertar ganhos políticos escusos [ó!, sr.presidente, isso é óbvio, não? As vestais tucanas nunca fizeram isso?] nem aumentar o controle partidário sobre a economia [ou seja, não pode nomear petistas para cargo de chefia. Só tucano, que são todos técnicos - vide Roberto Freire, tucano do PPS, que recebeu uma sinecura da prefeitura de São Paulo...] Precisam dispor de sistemas de governança claros e transparentes [Claro e transparente, sei, assim como Yeda Cruses fez no RS, e Arruda, aliado e ex-futuro vice de Serra fez no DF...] A ameaça é continuar a escolher, como o governo atual, quais empresas serão apoiadas com dinheiro do contribuinte (sem que este perceba), criando monopólios, ou quase monopólios, que concentrarão mais ainda a renda nacional.

Os avanços sociais obtidos pelos últimos governos se deram nos marcos da Constituição de 1988.

Incluem-se aí a “universalização” do acesso aos serviços de saúde (via SUS) e à escola fundamental (via Fundef), a cobertura assistencial a idosos e deficientes (via Loas), bem como o maior acesso a terra (via Programa de Reforma Agrária). Além disso, a política continuada de aumento real do salário mínimo a partir de 1994, a extensão de programas sociais a camadas excluídas e a difusão de mecanismos de transferência direta de renda (as bolsas), melhoraram as condições de vida e ampliaram o mercado interno. Tudo isso precisa ser mantido. Caberá ao novo governo reduzir os desperdícios e oferecer serviços de melhor qualidade, melhor avaliados e com menor clientelismo.

Não se pode elidir uma questão difícil: a expansão dos impostos sustentou os programas sociais. Atingiu-se um limite que, se ultrapassado, prejudicará o crescimento econômico. É ilusão pensar que um país possa crescer indefinidamente puxado pelo gasto público financiado por uma carga tributária cada vez maior e pelo consumo privado. Falta investimento, sobretudo em infraestrutura, e falta poupança doméstica, principalmente pública, para financiá-lo. Maior poupança pública não virá de maior tributação. Ao contrário, é preciso começar a reduzir a carga tributária, sobretudo os impostos que recaem sobre a folha de pagamentos, para gerar mais empregos. Para investir mais, tributar menos e dispor de melhor oferta de serviços sociais, não há alternativa senão conter o mau crescimento do gasto. Isso permitirá a redução das taxas de juros e o aumento da poupança pública, como condição para aumentar a taxa de investimento na economia. Sem isso, cedo ou tarde, se recolocarão os impasses no balanço de pagamentos, com a deterioração já perceptível das contas em transações correntes, e na dívida pública, que em termos brutos já ultrapassa 70% do PIB.

Nem só de economia e políticas sociais vive uma nação. Os escândalos de corrupção continuam desde o mensalão do PT [Ahahah, FHC contou uma piada engraçadíssima aqui. Entendeu? Não? Um dia te explico. Tá, tudo bem, explico agora: o mensalão do PT é filho do mensalão do PSDB, anterior. FHC dá a entender aqui que o mensalão do PT foi uma espécie de ato inaugural, uma caixa de pandora que se abriu e espalhou corrupção para todos os lados.] Há responsabilidades pessoais e políticas a serem cobradas e condenadas. Mas há também desvios institucionais: o sistema eleitoral e partidário está visivelmente desmoralizado. Uma reforma nesta área se impõe. Ela se fará mais facilmente no início do próximo governo e se houver um mínimo de convergência entre as grandes correntes políticas. O PSDB deve liderar esse debate na busca de consenso.

O mesmo se diga da segurança pública. Há avanços no plano federal e em vários Estados. A expansão da criminalidade advém do crime organizado e do uso das drogas. O dia a dia das pessoas é de medo. As famílias e as pessoas precisam de nossa coragem para propor modos mais eficientes de enfrentar o tema. A despeito da melhoria do sistema jurisdicional e prisional, estamos longe de oferecer segurança jurídica às empresas e, o que mais conta, às pessoas.

Olhando o futuro, falta estratégia e sobram dúvidas: o que faremos no campo da energia? [A seu governo, responsável pelo apagão, de fato, faltou estratégia. Agora estão sendo construídas hidrelétricas e achamos petróleo no pré-sal.] Onde foi parar o programa do biodiesel? [Ainda está aí. Tem problemas, como tudo, mas está aí. Em vez de perguntar, você podia se informar um pouco e ajudar.] Que faremos com os êxitos que nossos agricultores e técnicos conseguiram com o etanol? Que políticas adotar para torná-lo comercializável globalmente? A discussão sobre as jazidas de petróleo se restringirá à partilha de lucros futuros ou cuidaremos do essencial: a base institucional para lidar com o pré-sal, a busca de tecnologias adequadas e de uma política equilibrada de exploração? E a “revolução educacional”, que, com as honrosas exceções em um ou outro Estado, é apenas objeto de reverência, mas não de ação concreta? Finalmente: que papel desempenharemos no mundo, o de uma subpotência bélica ou a de um país portador de uma cultura de convivência entre as diferentes raças e culturas, com tolerância e paz, embora cioso de sua segurança?

Tudo isso e muito mais está à espera de um debate político maduro, que à falta de ser conduzido por quem devia fazê-lo, por ter responsabilidades de mando nacional, deve ser feito pela sociedade e pelos partidos. [Não entendi, novamente. Sociedade e partido não deveriam SEMPRE ajudar a conduzir o debate político maduro, com falta ou não daquele com responsabilidade de mando nacional? "Responsabilidade de mando nacional"? Outra expressão acaciana que apenas um medievalista como FHC pensaria em usar... FHC defende o populismo messiânico? Não, peraí, deixa eu ver se entendi. FHC quer dizer o seguinte: na falta do presidente, quem deve conduzir o debate deve ser ele mesmo, líder partidário, e os leitores do Globo & Estadão, que formam a sociedade...]
*Ex-presidente da República.

1 comentário

Nicolas Arrau disse...

No último parágrafo, leia-se "Society" onde está "Sociedade" e tudo fica mais coerente.

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