8 de julho de 2007

Crise e luta política

(Mais um das antigas, de julho de 2005. Faz parte do arquivo do AP. Peço desculpas aos frequentadores por estar bagunçando a leitura do blog com a publicaçao destes textos antigos. Mas é importante pra mim conservar esses textos e deixa-los disponiveis nos sistemas de busca.)


No dia primeiro de julho, em Goiânia (GO), mais de vinte mil pessoas se reuniram num grande encontro organizado pelos principais movimentos sociais do país.

Na reportagem do Vermelho, que cobriu o evento, são entrevistadas lideranças do MST, da CUT, da UNE. Todos são unânimes em condenar a tentativa da direita em desestabilizar o governo Lula. E são eles, os movimentos sociais, que entendem a crise desta maneira, como tentativa de desestabilização. Aproveitam a oportunidade, contudo, sobretudo o dirigente do MST, para pedir mudanças na política econômica. E o editor do site Vermelho colocou a exigência de Stédile como manchete.

É isso que a oposição mais teme. Que a sua histeria desestabilizadora deflagre um processo que resulte, não no enfraquecimento do governo, mas na sua radicalização política, rompendo com a política econômica e fazendo o que desejam os movimentos sociais.

No entanto, é também isso, por razões nada revolucionárias, que a direita mais radical também deseja. Esses setores, PFL, por exemplo, acreditam que, radicalizando, o governo Lula perderá totalmente o apoio da classe média e das mídias. Infelizmente, está certíssimo. Apenas uma minoria da classe média é esquerdista. A grande maioria são donas de casa e pais de família conservadores dispostos a votar no Alckmin para botar ordem na casa e expulsar os baderneiros comunistas.

Mas Lula parece entender esse jogo e tem evitado isso. Sua política tem agradado a gregos e troianos; e, mesmo às custas de um processo de avanço social cruelmente lento, tem levado o país a uma estabilidade econômica que não víamos há décadas.

Acho que os movimentos sociais são a força mais progressista e importante do país, mas não podemos nos iludir pensando que seus líderes são os melhores economistas do mundo. Stédile mostra-se repetitivo em sua ladainha fácil de que, reduzindo o superávit, sobrará mais dinheiro para a reforma agrária. O Pallocci não cansa de repetir: o governo poderia usar de benevolência temporária, mas isso levaria as contas públicas a quebrarem lá na frente. Além disso, o Estado brasileiro ainda é incompetente e corrupto demais para deflagrar qualquer revolução. Só agora temos uma Polícia Federal que está realmente agindo e prendendo as quadrilhas instaladas no interior do Estado.

O superávit, tão criticado por lideranças sociais e intelectuais, tem sido um dos pilares da estabilidade nacional, sobretudo porque gera um padrão a ser seguido pelas esferas federais, estaduais e municipais, para que sejam instituições sólidas e fortes financeiramente, e não órgãos falidos e condenados à inoperância como são em outros países da América Central e da África.

Entretanto, o governo tem dinheiro sim para dar para os movimentos sociais. Tem dinheiro sim para dar à cultura e à educação. Não dá porque não quer, ou melhor, porque está amarrado politicamente a uma estabilidade que o mundo, de um lado, e os miseráveis, de outro, lhe exigem com ar ameaçador.

Os grandes agricultores vão à Brasília todo mês e sempre conseguem arrancar uns bilhões de Pallocci, isso sem mudar, ou pedir pra mudar, a política econômica. Os pequenos agricultores tem que conseguir também seu espaço junto ao Orçamento da União. Aliás, tem conseguido alguns avanços, mas precisam de muito mais. Podem conseguir mais verbas para projetos sociais estratégicos sem alterar a austeridade fiscal do governo, fator essencial para a moralização financeira das contas públicas nacionais.

Os movimentos sociais, assim como partidos e intelectuais, precisam se articular a nível estadual e municipal, visando a tomada do poder por representantes afins de seus interesses. Em função da grandeza continental do Brasil, as grandes mudanças sociais necessitam das esferas municipais e estaduais para se tornarem efetivas. Chávez soube disso e o conseguiu. Governadores e prefeitos venezuelanos, atualmente, são, em sua grande maioria, chavistas, após vitória acachapante no ano passado. Bem que o Brasil podia fazer a mesma coisa em 2006!

Não podemos esquecer que tem sido essa austeridade que vem permitindo ao governo Lula reduzir expressivamente a dívida externa e não renovar o acordo com o FMI, abrindo espaço para uma independência econômica e política que nunca tivemos, efetivamente, desde os tempos de Pindorama.

Há os que falam que o Brasil segue a receita do FMI mesmo tendo rompido com ele. OK, pode até ser. Mas convenhamos que agora temos o volante em nossas mãos. Existe a liberdade de mudar, coisa que não havia antes sob a égide tucana, por causa de um acordo draconiano que nos tolhia o livre arbítrio.

Se as lideranças dos movimentos sociais adotarem uma postura sectária quanto aos itens que desejam verem mudados na política econômica (superávit, juros, contingenciamentos), poderão estar causando um desserviço àqueles que representam, os pobres, que são os principais beneficiados por uma política econômica deflacionária, que está conseguindo, após dez anos de aumentos sucessivos, reduzir o custo da energia elétrica e do bujão de gás; além de alocar verbas recordes para políticas sociais e para a agricultura familiar.

A produção de energia alternativa, prioridade no governo Lula, é uma política revolucionária; porque os jornais não lhe conferem a projeção que merece? O biodiesel será uma revolução mundial no setor de combustível, além de se tornar, em pouco tempo, um poderoso gerador de emprego em áreas carentes, como nordeste e norte de Minas.

Enfim, a política econômica é interpretada pela mídia de uma maneira tão maquiavelicamente distorcida que os líderes sociais, meio que ingenuamente, "interpretam" da mesma forma, apesar de chegarem a conclusões diferentes.

Há um elemento que as lideranças sociais e os intelectuais sempre esquecem quando criticam a política econômica, tachando-a de neoliberal. Esquecem que, no sistema financeiro globalizado em que o Brasil está mergulhado de cabeça, não há muitas alternativas econômicas. Não somos a Venezuela, que não tem indústrias, apenas exporta petróleo estatal. Nós exportamos milhares de produtos para todos os países do mundo, o que nos coloca numa posição comprometida com a estabilidade mundial e nos prende a certos parâmetros jurídicos internacionais. Não dá para fugir disso sem causar grandes prejuízos econômicos ao país. E prejuízo, que amplie o sofrimento dos pobres, é justamente o que não queremos.

O Brasil precisa de justiça social. Mas justiça social não cai do céu. Ela precisa ser conquistada, pela inteligência, pela educação, pela luta ideológica, pela prática revolucionária de cada indivíduo, entidade, partido ou governo. Quem levará o estandarte da justiça social às ruas não será o presidente Lula, e sim o homem do povo e setores da classe média.

O país está mudando. O ventilador que tanto espalhou titica nas últimas semanas, também servirá para trazer novos ares à vida pública brasileira. Em 2006, o povo brasileiro poderá dar outra lição aos conservadores. Alguns próceres da direita terão que passar pelo crivo eleitoral e tenho comigo que muitos não irão sobreviver... Tenho pra mim que o PSDB poderá encolher expressivamente, e que essa projeção, é que vêm eriçando as penas dos tucanos... No entanto, estão escolhendo a pior via, copiando o fracasso da direita venezuelana. Em vez de atualizarem corajosamente suas propostas políticas e apostarem na comunicação direta, franca e aberta, com o povo, concentram-se na desqualificação do adversário, através do uso de uma mídia dominada por famílias tradicionalmente conservadoras. Como diziam os antigos, no pasarán.



Rio de Janeiro, 04 de Julho de 2005

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