9 de julho de 2007
Papo sobre literatura
Philip Roth é um dos escritores contemporâneos que mais gosto. Estou lendo no momento o romance Complô contra América. Uma das coisas que gosto no Roth é a sua liberdade e desenvoltura ao abordar a política americana. No livro citado, Roth descreve com detalhes o embate eleitoral entre Howard Hughes, o famoso aviador americano (imortalizado nas telas por Leonardo di Caprio no filme O Aviador), simpatizante do nazismo e candidato pelo Partido Republicano, e Roosevelt, que tentava mais uma reeleição. O mote da campanha de Hughes era: vote em mim ou vote pela guerra. Isso porque estamos em plena II Guerra Mundial, mais exatamente em 1942 e os EUA ainda não haviam se decidido a entrar no conflito. Roosevelt defendia a participação americana e tentava influenciar o Congresso Nacional e a opinião pública. Hughes batia pelo lado contrário, acusando o lobby judeu de estar por trás desta tentativa de fazer os EUA entrarem na guerra.
Na história verdadeira, Roosevelt ganha as eleições, os EUA entram na guerra, tendo uma participação decisiva na vitória dos aliados contra os nazistas.
Na ficção de Roth, Roosevelt perde as eleições, os EUA permanecem neutros (e mesmo, com influência de Hughes, colaborando secretamente a Alemanha) e os nazistas triunfam.
Não conto mais porque ainda estou lendo e, como se trata de um romance com muito de thriller, vale manter o mistério. Mas o interessante é observar como a literatura de Roth mergulha sem pudor na realidade social e política de seu país, e engaja-se explicitamente num dos lados (o lado dos democratas, o lado de Roosevelt, um dos presidentes mais à esquerda da história americana), e isso num momento em que os republicanos estão no poder, sob a égide maldida de George W.Bush.
Os escritores americanos, de forma geral, participam ativamente, através de seus romances, da política americana, produzindo discussões ricas sobre sua realidade sócio-econômica. Isso sem perder, naturalmente, o rebolado estético. Homero também fazia isso. Dante Alighieri nem se fala. Por isso que me aborrece um pouco a ausência de um romance brasileiro mais próximo às nossas vicissutudes políticas e sociais. O valor principal de um romance, concordo, é a linguagem. Mas insisto em acreditar que a linguagem existe para dizer ALGO, e que ela só tem a ganhar quando o escritor consegue inventar uma boa história.
Ainda estou no exterior. Volto em agosto. Passeando pelas livrarias, fico abismado que, até hoje, o único romancista brasileiro presente nas prateleiras comerciais (tirando o onipresente Paulo Coelho) continua sendo Jorge Amado. Quando converso com um estrangeiro e ele me pergunta que romances poderia ler para saber mais sobre a realidade brasileira, eu fico sem saber o que responder. Não acho, todavia, que a função de um romance é “retratar” a realidade brasileira, nem denunciar nossas injustiças. Não acredito em romance engajado. O Antonio Callado tentou fazer e o resultado, na minha opinião, foi sofrível. Mas acredito que um bom romance, a par com a sofisticação estética e narrativa, pode revelar a realidade profunda de uma cultura, de uma nação. Faulkner faz isso. Joyce faz isso. Para dizer a verdade, o Guimarães Rosa também faz. Eu acho o Grande Sertão um dos maiores romances de todos os tempos e todas as línguas. Mas é um romance de acesso extremamente difícil, até para um brasileiro. Tudo bem. Viver não é apenas perigoso; viver é difícil. Mas a língua portuguesa precisa de muita produção se quiser permanecer na história, ao lado das grandes línguas européias: inglês, espanhol e francês.
Não creio, porém, que a literatura brasileira viva um vazio. Temos grandes escritores vivos e produzindo. Mas acho que estamos numa fase de transição. Ainda noto uma certa insegurança, em nossa literatura, de contar e recontar a história de nossa cultura. Esse pudor se traduz numa super-amplificação do experimentalismo linguístico e narrativo, no qual temos representantes de grande valor artístico, como o citado Rosa e, mais modernamente, Marcelo Mirisola, Marcia Denser, entre outros.
Enfim...
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