9 de fevereiro de 2009

Estudando Adam Smith




Tirei o pó do velho Adam, para saber de onde vem A Riqueza das Nações. Eu tinha lido o primeiro capítulo do livro, mas esta nova leitura está sendo muito melhor. Logo no começo encontrei um trecho que me interessou e gostaria de compartilhar. Smith explica que a maior parte das invenções nas manufaturas partiam de operários comuns, porque, dedicados a uma tarefa única, repetitiva, eles logo tratavam de descobrir uma forma mecânica de facilitar o trabalho. Vamos ao trecho:

Grande parte das máquinas utilizadas nas manufaturas em que o trabalho está mais subdividido constituiu originalmente invenções de operários comuns, os quais, com naturalidade, se preocuparam em concentrar sua atenção na procura de métodos para executar sua função com maior facilidade e rapidez (...) Quem quer que esteja habituado a visitar tais manufaturas deve ter visto muitas vezes máquinas excelentes que eram invenção desses operários, a fim de facilitar e apressar a sua própria tarefa no trabalho. Nas primeiras bombas de incêndio um rapaz estava constantemente entretido em abrir e fechar alternadadamente a comunicação existente entre a caldeira e o cilindro, conforme o pistão subia ou descia. Um desses rapazes, que gostava de brincar com seus companheiros, observou que, puxando com um barbante a partir da alavanca da válvula que abria essa comunicação com um outro componente da máquina, a válvula podia abrir e fechar sem ajuda dele, deixando-o livre para divertir-se com seus colegas. Assim, um dos maiores aperfeiçoamentos introduzidos nessa máquina, desde que ela foi inventada, foi descoberto por um rapaz que queria poupar-se no próprio trabalho.

Adam Smith, A Riqueza das Nações, A Divisão do Trabalho, Abril Cultural, Volume I, Pag. 45


Viva o trabalhador!

Eu me identifiquei com esta passagem porque também já fui um operário. Um operário pós-moderno na área da informática, da diagramação e do jornalismo. Quando meu pai, desempregado, resolveu montar seu próprio negócio, adivinhe quem ele contratou para ser o seu faz-tudo? Eu, claro. Dezesseis anos, totalmente ocioso, não sindicalizado e sem nenhuma ambição salarial. O trabalhador perfeito. Meu pai não entendia patavinas de informática, nem tinha dinheiro para me pagar um curso (nem eu paciência para curso, em virtude do meu autodidatismo desvairado). Então tive que aprender tudo sozinho. Era o tempo do Ventura, antecessor do Page Maker, e do Lotus 123, antecessor do Excel. O Word da época, se não me engano, era Carta não-sei-o-quê.

Acontecia exatamente o que o Adam Smith mostrou: sempre que eu topava com alguma função muito repetitiva, eu dava um jeito de inventar uma fórmula de "robotizar" aquele trabalho, com vistas a poder terminar mais cedo e cair na gandaia. Inventava macros, comandos automáticos do Word e do Excel. Algumas coisas eu não conseguia robotizar, como digitar números das tabelas. O jeito era acelerar. Eu digitava tabelas com a velocidade da luz, escutando música e pensando em outras coisas. Ligava o automático, digitando sem olhar para o teclado. Após algum treino, minha taxa de erro chegava a zero, porque eu percebia quando errava um número pelo toque do dedo. Um autêntico operário adamsmithiano!


Link da ilustração.

3 comentarios

Patrick disse...

Miguel, Smith é uma leitura muito interessante. Também estou na mesma situação que você, ainda não tive tempo de ler "A riqueza das nações". Mas pelo que pude apurar com pessoas que leram, você vai encontrar muitas contradições entre o que ele pensa e o que os neoliberais dizem que pensa.

reginacarioca disse...

Ah Miguel, tempos difíceis heim? Era assim mesmo. Eu até hoje não sei como vc dava conta de tudo. Mas dava. E com a máxima eficiência possível da época. Um operário e tanto!
Regina

Chicocvenancio disse...

Certa vez um professor de história do pensamento econômico me disse que Marx só havia levado as últimas consequências uma parte essencial do pensamento de Adam Smith e David Ricardo.
Com o passar do curso entendi o que ele disse.
Ricardo e Smith defendem que o trabalho é a origem de todo valor. Marx faz a mesma coisa.
Marx simplesmente levou a lógica do valor-trabalho e do conflito ao seu fim lógico.

Para continuar acreditando na mão-invisível os liberais passaram a creditar a origem do valor a utilidade.

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