11 de fevereiro de 2009

Ponderações contra-informativas




Como se diz nas ruas, a chapa tá esquentando. Sem ligar para pesquisas de popularidade, a mídia faz sua aposta. Colunistas, donos de jornais e publicitários encontram-se em salões de luxo e trocam afagos e conspiram entre um champagne e outro. Hoje li a Folha e o Estadão e tenho alguns comentários a fazer.

Em editorial, Estadão desanca o ministro Mangabeira Unger. O texto inicia obviamente, com a afirmação do mesmo, nos tempos do mensalão, referindo-se à corrupção do governo Lula. Unger, posteriormente, explicou que estava mal informado, numa alusão diretíssima ao macarthismo sem escrúpulos da época do escândalo. À mídia, claro, não interessa a explicação. Unger tem a idéia de extinguir cargos comissionados, os cargos de confiança, que não precisam de concurso. O Estadão rebate afirmando que sempre haverá necessidade de cargos de confiança e lança suspeitas sobre a honestidade intelectual do ministro ao defender tal medida num governo que contratou tanta gente e aí diz que os cargos de confiança no Brasil chegam a 30 mil. Não diz quantos havia antes, o que nos possibilitaria, de fato, comparar. O que me espantou, todavia, foi a conclusão: o editorial diz que os referidos funcionários "só servirão o interesse coletivo se e quando este coincidir com o interesse partidário e por extensão do chefe maior da companheirada".

Eu, realmente, me esforço para entender a interpretação que o Estadão (e das elites, por consequência, das quais o Estadão é um porta-voz) tem de uma democracia. Se estamos num regime presidencialista, com um sistema de sufrágio universal e obrigatório, onde participam jovens de 16 anos até pessoas da mais avançada idade, o presidente da república é o representante máximo do povo, portanto não é "chefe de companheirada". E o governo Lula é um governo de coalizão, onde estão presentes os mais diferentes partidos, das mais variadas correntes ideológicas. O texto do Estadão sugere que os 30 mil cargos comissionados são ocupados por petistas, o que está longe da verdade. No Ministério da Agricultura, a grande maioria é do PMDB e sei que há diversos filiados do PSDB ocupando cargos de confiança importantes. O governo Lula não é sectário, à diferença do que pretende ser o PSDB, que se inclina, cada vez mais rapidamente, para um direita retrógrada e elitista.

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E vocês viram que Lula atacou a imprensa? Parece que ele ouviu os blogueiros que tanto exigiam dele uma atitude. Aliás, ainda não assisti ao vídeo. Acho incrível que a secretaria de Comunicação do governo não utilize o Youtube para publicar os discursos do presidente, que tem obviamente a maior importância política para toda a sociedade, mesmo para aqueles que não o aprovam.

Recorto aqui o texto que anotei do Estadão:

Sempre em tom exaltado, o presidente, que sempre disse ter sido eleito "graças à liberdade de imprensa", ontem mudou o discurso; "Não é porque a imprensa me ajudou que fui eleito, mas porque suei para enfrentar o preconceito e o ódio dos cima para com os de baixo", afirmou, qualificando as interpretações de jornais de "insinuações grotescas". E acrescentou: "Nunca fui eleito porque a imprensa me ajudou. Eu fui eleito porque o povo quis".


O texto inicia com um pequeno e insidioso sofisma. Lula afirmava que foi eleito em virtude da "liberdade da imprensa" e não por causa da "imprensa". Preciso explicar a diferença?

A atitude do presidente denota uma mudança de rota? Uma nova abordagem? Desconfio que sim. Animal político dotado de profunda sensibilidade social, Lula mostra-se particularmente revoltado com a tentativa da oposição, encarnada na mídia, de "faturar" com a crise econômica. Houve sensacionalismo irresponsável. Houve demissões exageradas. Houve uma tentativa de insuflar pânico na economia. Fortalecido pela alta em sua popularidade, Lula contra-ataca. Também mostrou-se irritado com a interpretação capciosa que deram para a sua declaração de que "não lia jornais porque lhe davam azia". A afirmação (na verdade uma estocada na imprensa) foi misturada ao velho e arraigado preconceito elitista contra a "ignorância" de Lula e usada por diversos colunistas para atacá-lo. A reportagem da Piauí, que eu li, aliás, é um primor de pedantismo fuleiro. A metade primeira da reportagem é inteiramente dedicada a uma assessora e a mostrar conhecimentos sobre a idade média!!!

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Passemos à Folha. Eu também li a Folha hoje e me horrorizei ao constatar o que é, de fato, uma atitude "chapa branca". No caso, em relação ao Serra. O governo Serra criou e ainda cria atritos terríveis contra todo o seu funcionalismo público. Está no DNA do PSDB, partido que não gosta do Estado. O PSDB só gosta de empresa privada, de preferência privatizada com dinheiro público. Por que não vão ser empresários, então, em vez de políticos? A briga agora do governo Serra é contra os professores da rede pública e contra a sua associação. A Folha, em vez de dar espaço para os dois agentes debaterem, alinha-se caninamente ao lado de Serra. Neste episódio, o Estadão é bem mais justo, já que deu espaço para os dois lados.

Li atentamente as matérias e fiquei chocado com a tentativa do governo Serra de manietar a autonomia dos professores, impondo uma agenda degradante, de forma autoritária e grosseira. A Folha dedica o seu principal editorial para defender Serra e atacar a entidade que representa os professores. Metade dos professores da rede pública de SP são temporários, fato que mereceu uma moção formal do Tribunal Regional do Trabalho, que determinou que o governo modifique a situação. No editorial, a Folha diz que a política de Serra "irá contratar e fazer concursos". Ora, porque não fez antes? O mais assustador vem aí. A Folha afirma que "medido o estrago, resta agora radicalizar a proposta. É imperativo estender a avaliação a todo o corpo docente. Não cabe aqui falar em ímpeto punitivo, eterno argumento diversionista da Apeoesp".

Diversionista? A Folha usa linguagem de guerra! Ela abriu guerra contra os professores de SP! E ainda conclui: " Plano de carreira e certa estabilidade, sim." Vejam só. A Folha, magnânima, concede que os professores tenham plano de carreira. Quanto à estabilidade, somente um malabarista da linguagem como os editorialistas do jornal para agregar o adjetivo "certa" ao termo estabilidade. Peraí, falei malabarista? Coitado do malabarista que tiver "certa" estabilidade!

A Folha, em outra demonstração de sabedoria, admite que a prova imposta pela Secretaria de Educação aos professores temporários apresentava alguns problemas. Olha o que ela diz, ao final de uma frase, quase com vergonha: "[sobre a prova] que tinha defeitos em demasia, registre-se". Só isso! Então uma prova que "tinha defeitos em demasia" será usada para demitir e hierarquizar 100 mil professores temporários! E a Folha quer que esta prova com "defeitos em demasia" seja estendida aos 200 mil professores públicos de São Paulo!

É inacreditável. Como já disse, o Estadão foi o único que deu espaço para o outro lado, e permitiu que a diretora da associação dos professores publicasse um artigo explicando a sua posição, marcadamente contra a prova: ela afirma que as questões da prova referem-se a uma cartilha arbitrária emitida pela Secretaria de Educação, desrespeitando a autonomia normativa e política de cada professor, e que há fortes indícios de que milhares de provas foram perdidas e suas notas foram lançadas aleatoriamente.

Enquanto isso, milhões de crianças e adolescentes paulistas tiveram o seu ano-letivo adiado. O Estado de São Paulo, o mais rico do país, consegue oferecer um dos ambientes mais tensos e hostis para seus funcionários. Paga mal e trata mal. Ainda não esqueci o tratamento humilhante, persecutório, do governo de SP contra um jovem médico do Hospital das Clínicas que havia ousado fazer um comentário crítico contra os salários rasteiros que profissionais de um dos centros de pesquisa mais importantes da América Latina recebiam. Foi humilhado em público primeiro por Serra, que deu uma resposta cínica e agressiva ao jovem, e depois por altos assessores do governador, que publicaram cartas em jornais atacando até a vida e a personalidade do rapaz.

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A prefeitura de SP, aliada de Serra, privatiza o serviço de merenda das escolas municipais, descobre-se que o nível de nutrientes foi deliberadamente reduzido para abaixo do mínimo aconselhado pela Organização Mundial de Saúde, para maximizar os lucros, e os colunistas, os editorialistas, estão abafando o caso. Não está havendo nenhum desdobramento na mídia. Folha e Estadão simplesmente abafaram o escândalo.

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Um grupo de extermínio de policiais paulistas aterroriza as áreas pobres do estado. São conhecidos como "highlanders" porque decapitam suas vítimas. Em vez de cuidar disso, Serra ataca os professores.

7 comentarios

Juliano Guilherme disse...

"Chefe da companheirada", isso lá é maneira de se referir ao presidente da república? Além do mais ele é o chefe do executivo. Será que ainda não caiu a ficha do Estadão que ele foi eleito e reeleito? E quem é eleito, o é para governar. Quem esses imbecis da mídia queriam que ele chamasse para compor seu governo? Gente do PSDB? Do DEM? Se ele fizesse isso pediria meu voto de volta

Anônimo disse...

Tem alguma coisa de errada com o PSDB (os filiados, é claro). Devem ser alienígenas. Agem em tudo contra o Brasil. É como se planejassem acabar com o Brasil e entregar para alguma máfia (a napolitana? É possível).

José Carlos Lima disse...

A Globo já está em campanha pela eleição de Serra e por isso omitiu do seu notíciário a aprovação de mais de 80 por cento dos brasileiros a Lula.

Quanto a nós, espero que as últimas eleições sirvam-nos de lição, em eleição o discurso tem que ser uníssono ou não rola, quando deveria haver unidade na blogosfera houve muitas desavenças

sinto que agora estamos centrados, fluindo legal, com certeza vamos entrar com gosto de gás na campanha de Dilma

os demos não tem a menor chance de vencer esta parada

Anônimo disse...

Prezado Juliano,
É fora de dúvida que o jornal errou quando se referiu ao "chefe da companheirada".
Mas, me permita, não é adequado se referir aos jornalistas como "esses imbecis da midia".
Há muita raiva no ar, de parte a parte. Muita mágoa, muito rancor. Muito desejo de vingança. "desejo de morte e de dor" como dise o velho Luocinio Rodrigues em celebre canção.
No caso das chamadas oposições é até certo ponto natural. Afinal, oposição tem como atividade o exercicio da critica, da denuncia, e, as vezes, pode ocorrer um exceso. É compreensivel.
Estranho mesmo é a ira dos governistas.
Não me lembro de ter visto defensores de um governo ( eu, que sempre fui oposição - e espero continuar sendo...)tão agressivos como os atuais.

Miguel do Rosário disse...

me diz um desses que esteja na mídia, emanuel.

Juliano Guilherme disse...

Caro Emanuel, foi bom você ter falado ira, que é diferente de ódio. Há expressão "ira dos justos", mas não há "ódio dos justos". E é justíssima a ira dos que reclamam da mídia. O que sentir quando tentam na maior cara de pau, te desinformar, te manipular? Eu até já falei para uma petista roxa que sou mais contra o Pig do que a favor do Lula. Agora. chamar de imbecil é até pouco. Li no Nassif que a pauta chega para o jornalista como se já fosse a matéria pronta. Com o que o patrão quer que seja ou não, publicado. O jornalista apenas formata. Então eu poderia chamá-lo de filho da pauta, né? O Nassif censurou esse singelo trocadilho. Acho que foi exagero dele

Patrick disse...

A esmagadora maioria desses "30 mil cargos comissionados" são funções gratificadas, ocupadas por servidores de carreira em função de chefia, e que representam um acréscimo nos seus salários de uns 200 a 300 reais por mês.

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