Eu conheci César Benjamin. Quer dizer, assisti a uma palestra sua. No início dos anos 90, eu trabalhava com meu pai e fazia faculdade, e mesmo assim dispunha de longas horas livres. Então lá estava eu, vagando pelos corredores da UERJ, quando resolvi entrar no auditório, onde um cidadão discorria sobre economia e política.
Sei que agora perdi a imparcialidade em relação a Benjamin, mas dou minha palavra de honra: não gostei nenhum pouco do que ouvi. Assim que saí de lá, desci ao bar para encontrar meus amigos, e relatei a horrível experiência que havia tido: passara quase uma hora sendo bombardeado com o discurso mais derrotista que já escutara na vida.
Na época, eu editava o jornal Arte & Política, que também possuía um site, e fazia oposição dura e sistemática ao Fernando Henrique Cardoso. Mas jamais com derrotismo. Jamais com mau humor. Nunca com baixo nível. A gente ouvia histórias escabrosas de Brasília, de orgias macabras, etc, mas isso não nos dizia respeito. Nossa crítica era exclusivamente política, de um lado, e provocantemente estética, de outro. Nosso jornal era irreverente, poético e cheio de esperança.
O discurso de Benjamin, por outro lado, era o discurso de um louco, eivado de profecias terríveis que, graças a Deus, não se realizaram. Graças a Deus não. O Brasil estava indo mal por aqueles dias, mas não havia razão para vaticinar desgraças como Benjamin fazia. Ele afirmava, categoricamente, por exemplo, sem agregar nenhum argumento mais consistente, que a moeda brasileira seria substituída pelo dólar, em território nacional. E uma série de outras coisas que, francamente, não tinham base na realidade. Não apenas porque FHC não quisesse enveredar por um caminho tão radical, mas porque a oposição já vinha se articulando de forma bastante vigorosa.
De qualquer forma, uma coisa me irritou profundamente na palestra de Benjamim. Ele não indicava caminhos de luta. Seu discurso era absolutamente niilista e desencantado. Claro, para quem se aferra sectariamente a uma idéia de mundo e de revolução que só existe, em forma pura, em sua própria cabeça, o Brasil nunca terá futuro.
O jornal que eu editava, o Arte & Política, tinha uma postura oposta. A nossa própria existência era motivo de otimismo e júbilo. Acreditávamos em nós mesmos, ou antes, a gente nem perdia tempo acreditando ou não acreditando. Apenas vivíamos a nossa rebeldia boêmia, entusiástica, insana. Ás vezes fazia calor demais no Rio e a gente saía do bar em que bebíamos quase todas as noites, em Vila Isabel, e íamos à praia do Arpoador, de madrugada, tomar banho de mar. Ou íamos a uma sinuca da Lapa, na época em que o bairro ainda era um ilustre maldito para a zona sul. Ou ficávamos por ali mesmo, fechando todos os bares da terra de Noel Rosa. Claro que havia o outro lado: traições, brigas, intrigas, separações, excessos. Mas prefiro, neste momento, lembrar somente as coisas boas. Isso não tem nada a ver com política, mas é que o artigo de César Benjamin também não fala de política. Tamanha podridão só pode ser combatida eficazmente com boemia, esperança e literatura.
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Depois disso, eu ouvi falar esporadicamente de César Benjamin. Até comprei um livro organizado por ele alguns anos depois, sem ligar muito o nome à pessoa.
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Até que voltei a encontrá-lo na Folha, o que me despertou uma certa curiosidade. Ué, esse radicalzinho escrevendo para a Folha, logo agora, quando os jornalões iniciaram um processo de expurgo completo de qualquer manifestação um pouco mais rosada de suas páginas? Ao iniciar a leitura, entendi logo, porém. Era um texto insosso, metido a técnico, sem virilidade ou coração. Um texto medíocre, inofensivo. A voz de um velho sem dentes, rouco, alquebrado, desprovido de qualquer vibração revolucionária. Tornou-se uma dessas colunas de jornal pelas quais passamos, por décadas, sem dar-lhes atenção. Como a Cora Ronai, do Globo, por exemplo. Até que um dia, o colunista, num lampejo de desespero, quiçá com medo do desemprego, resolve tomar uma atitude que despertará, ele sabe muito bem, o orgulho de seu patrão. Cora Ronai fez isso certa feita, quando abriu o berreiro por causa da tapioca do ministro dos Esportes. Agora foi a vez de Benjamin mostrar serviço.
Agora não venham me dizer que o artigo é bem escrito. É piegas e autopiedoso do começo ao fim. A parte que fala do Lula vem recortada, abruptamente, no meio, entre as historinhas tristes de si mesmo. Porque ele fala tanto de si mesmo num artigo cujo ponto central é divulgar uma calúnia sobre o presidente da República? São escudos de autopiedade. Pinta-se como coitadinho para melhor dar o bote.
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Pensando bem, o episódio representou uma derrota imensa para a Folha de São Paulo. Uma derrota moral. Sim, porque alguém ainda poderia conceber (como de fato, eu li por aí) que o editor, Otávio Frias Filho, não lera a matéria antes de publicá-la. Hoje vemos que isso é incoerente. A matéria de Benjamin só tem sentido por causa da calúnia nela contida. São três páginas dedicadas a malhar o filme de Lula. Críticas, aliás, idiotas. Uma das matérias acusa o filme de omitir esse ou aquele episódio da vida do presidente. Os moderninhos agora viraram censores. Depois passam a patrulhar, de forma autoritária e descarada, todos os patrocinadores do filme. Isso é irônico. É o primeiro filme de alto orçamento, em muitos anos, realizado sem verba pública, e os jornais vem criticar as empresas privadas que o patrocinaram por terem contratos com o governo. Como se houvesse alguma empresa grande no Brasil que não tivesse contratos com o governo. É ridículo.
Ontem, Arnaldo Bloch, colunista do Segundo Caderno do jornal O Globo, afirma que Filho do Brasil é um grande filme, um "puta épico" que irá deflagrar uma torrente de lágrimas em todos que o assistirem. Diz que sua mãe deverá ficar chorando por uma semana inteira. Enfim, já começa a ruir, no interior da própria corte midiática, a tese um tanto arbitrária da Folha de que o filme não teria legitimidade artística.
Entretanto, o mau caratismo da Folha ficou patente no dia seguinte, e também no domingo. As cartinhas que a Folha publica no sábado, de leitores que acreditam na calúnia de Benjamin, valem como provas criminais. Sim, porque o jornal publicou a calúnia sem nenhum contraponto, de forma que, para o leitor, aquela era a única informação disponível. Ao fazer isso, a Folha sacaneou o seu próprio leitor, botou-o contra a parede. Forçou-o a adotar um ponto-de-vista. Apenas no dia seguinte, ela traz o contraponto. Todas as fontes citadas e sugeridas por Benjamin, todos os fios perdidos da história apontam para uma calúnia grotesca, feitas por um adversário fidagal de Lula, alguém conhecido por um ódio incontrolável por tudo o que Lula representa: uma esquerda pragmática, astuta, que soube montar no corcel do capitalismo selvagem e dirigir o Brasil para um caminho saudável de maior distribuição de renda, redução da pobreza, desenvolvimento econômico e protagonismo geopolítico.
Hoje, domingo, a Folha volta à carga, com mais cartinhas chancelando a história de Benjamin. O único texto editorial da Folha é a coluna cínica de Eliane Catanhede, tratando de maneira odiosamente leviana uma baixaria jamais vista na história recente. Supera mesmo o golpe collorido de Miriam Cordeiro. Catanhede parece se divertir com uma calúnia que manchará para sempre o jornal onde escreve e que baixou irremediavelmente o nível do debate politico e eleitoral.
Nenhum outro colunista sequer ousou abordar o tema, como se fosse muito normal, em qualquer país do mundo, acusar-se o presidente da República de tentar estuprar alguém na cadeia. O próprio silêncio é covardia.
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A história toda é muito nojenta, por parte de Benjamin e por parte da Folha. Lula é pintado não como uma vítima da ditadura, não como um sindicalista que passou um mês preso nos porões da policia paulista, sofrendo risco de ser torturado e morto. Não nos esqueçamos que o irmão de Lula, Frei Chico, foi barbaramente torturado. Benjamin cria um novo personagem. A de um Lula lascivo e pervertido, cujo periodo na prisão se constituiu um prêmio para seus inomináveis vícios.
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A Folha cometeu um erro gigantesco. Auto-imolou-se em sua própria sem-vergonhice.
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Já César Benjamin fez o papel do invejoso traidor. Não sei se vocês conhecem a história da batalha das Termópilas, famosa por causa dos 300 espartanos, liderados por Leônidas, que resistiram aos ataques de mais de 200 mil soldados persas. Heródoto conta a história em detalhes. E tem o filme também, lançado recentemente. Aliás, tem dois filmes, um mais antigo e outro recente. Há um personagem importante na trama. É Efialtes, um espartano traidor, que se dirige até Xerxes, o rei dos Persas, para revelar uma trilha secreta que poderia levar à retaguarda do exército de Leônidas. Vende-se por dinheiro, e Xerxes vence Leônidas.
É preciso não esquecer, contudo, que, apesar de vencer aquela batalha, os persas perderam a guerra. Leônidas e seus 300 valentes foram alçados a condição de heróis supremos da Grécia, e Efialtes até hoje é sinônimo de traidor.
Não é preciso ser Fidel Castro para saber que a história nos julgará a todos. No caso de César Benjamin, Otávio Frias Filho, e Luiz Inácio Lula da Silva, há um grande olho lá em cima assistindo a tudo com muita calma, talvez mesmo se divertindo. Julgamentos severos e terríveis estão sendo feitos, nesse exato momento, e podemos sentir um pré-gostinho disso na consciência de cada um de nós. Esse é o sentido da indignação, da perplexidade, da revolta. Mesmo em silêncio, contribuimos, com nossa tristeza, com nossa ira, com nosso senso de justiça, como valiosas testemunhas no impiedoso tribunal da História.
29 de novembro de 2009
Efialtes está de volta, mas os gregos ainda vencem no final
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Grande análise dessa coisa grotesca mas histórica.
wilson cunha junior
Rapaz, teu artigo parece uma súmula do supremo, diagnóstico e prognósticos certeiros, meu sentimento é o mesmo, este foi o último prego no caixão da Folha, os caras se perderam, apertaram o botão na câmara de suicídio de reputação.
O césinha mostrou a cara, como indivíduo jogou sua história de vida na latrina, é de dar pena.
É até engraçado ver um jornal conservador se auto destruir tentando atacar um governo de centro direita, moderado e conciliador.
Lula está cagando e andando pra essa corja do Cesar Benjamim, ele já superou o episódio, o Brasil ama Lula, Lula é sim exemplo para nossos filhos, isso estes criminosos não conseguirão tirar de nós
Fotos de Lula há poucas horas em São Bernardo, na estreia de Lula, o Filho do Brasil http://blog.planalto.gov.br/noit...do-do-campo-sp/
Com esta Lula está vacinado contra mais um vírus mutante
Só para lhe lembrar, a folha vive hoje em grande parte, do Dinheiro do UOl, e o LULA estuda criar a banda larga federal, e se essa idéaia comtempla um provedor de acesso bem baratinho. Isso pode explicar muita coisa.....
Naiana, eu acho que explica uma parte sim.
Caro Miguel, não sei se foi a pressão das próprias cartas recebidas pela Folha, o fato é que publicaram minha carta hoje no Painel do Leitor. Pelo teor, sinceramente não acreditava na publicação. Mas a pressão deve estar grande.Abaixo transcrevo o que foi publicado.
Leia mais cartas na Folha Online
www.folha.com.br/paineldoleitor
Benjamin
"Estou perplexa com o artigo que a Folha publicou anteontem, assinado pelo sr. César Benjamin. Perplexidade não pelos fatos narrados pelo missivista, desmentidos cabalmente por todos que se encontravam na dita reunião e por aqueles que dividiram o mesmo espaço no cárcere com Lula, mas pela forma como este jornal se pautou: leviana, torpe e manipuladora.
Fica cada vez mais claro a mentira do slogan "tem que ser plural", na medida em que, quanto mais se lê a Folha, mais singular ela se mostra. Isto não é jornalismo, é panfletagem."
NAMIR FERREIRA LIMA (Belo Horizonte, MG)
Eu vi a sua carta. O negócio tá preto por lá. Eles estão meio doidos. O que se espera, no entanto, é um pedido de desculpas formal do editor do jornal. E a manifestação dos jornalistas com um mínimo de hombridade que escrevem para lá.
Grande texto, Miguel. Parabéns!
Bem, Naiana, eu acabei de fazer minha parte. Substitui o site de pagamento que eu usava, o PAG Seguro, que pertence ao UOL, pelo Pay Pal.
O seu comentário alertou-me para esse ponto. Obrigado e um abraço.
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