26 de novembro de 2009

Samba da geopolítica doida

O que parecia impossível aconteceu. A radicalização ideológica do governador de São Paulo, José Serra, ao atacar tão virulentamente o presidente do Irã, colocou o jornal dos Frias numa situação extremamente desconfortável, porque a Folha, ao que parece, não quer perder ainda mais leitores e assinantes do que já perdeu nos últimos anos, ao comprar as plataformas tucanas; não quer perder ainda mais alinhando-se a este acesso histérico de extremismo neocon e sionista de Serra e Reinaldo Azevedo.

A Editora Abril, com sua miríade de revistas femininas, de saúde, ciência, com seus vastos negócios com livros escolares (comprados sem licitação por Serra), consegue diluir as eventuais perdas que sofre por conta dos textos extremistas de Azevedo. A Folha, cuja receita é bastante concentrada no jornal, não pode se dar a esse luxo.

Editorial da Folha, hoje, afasta-se, mais uma vez, do artigo de José Serra, publicado esta semana no jornal, e elogia a atitude de Lula em receber Ahmadinejad. Naturalmente, a Folha, também dá na ferradura, diabolizando exageradamente o líder iraniano. O importante, contudo, é que o editorial chancela a postura do presidente da república, que recebeu os três líderes de países que são os principais responsáveis, hoje, pela tensão política no oriente médio: Israel, Palestina e Irã.

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O Globo, por sua vez, prestou um papel ridículo. Tirando setores minoritários e radicais dos EUA, o mundo começa a tirar o chapéu, mais uma vez, para a atitude ousada do presidente Lula em receber o presidente do Irã em seguida a visitas do judeu Shimon Peres e o palestino Abbas. O Le Monde publicou artigo elogiando Lula ter recebido o presidente iraniano. E a carta de Obama para Lula, que o Globo procurou transformar numa ameaça de guerra, hoje, sabemos, foi um pedido do presidente americano no sentido de Lula ajudar a distender as relações entre Irã e os EUA.

Olha como esses kamelistas são ardilosos. Ontem, deram página inteira e editorial informando seus leitores de que as relações entre EUA e Brasil estavam tensas. A impressão que se passou aos incautos aposentados que lêem o Globo pela manhã, passam a tarde jogando sueca na praça, e à noite, assistem ao William Bonner e mandam emails furiosos contra tudo e todos, é que soaram as trombetas de guerra, e que os esquerdistas radicais do governo Lula resolveram, finalmente, pintar as faces com a tinta da luta anti-imperialista.

Pois bem, hoje, quando todos aguardavam notícias sobre o desdobramento da guerra, o Globo não traz nenhuma matéria sobre o tema. Nenhuma. Estranho, não? Por sorte (?), o senhor Frias continua me mandando de graça (eu acho, tenho que checar meu extrato de cartão de crédito) o seu valoroso folhetim, e descubro diversas novidades escondidas pelos kamelistas espertinhos: um secretário de Estado dos EUA ligou para Marco Aurélio Garcia, dizendo que as coisas nunca estiveram tão bem. Celso Amorim fala em fantasia da mídia, e que as relações entre Brasil e EUA seguem tranquilas. E o principal: o teor da carta de Obama, em verdade, era uma espécie de conversa urgente entre Lula e Obama, para afinarem o discurso internacional perante o Irã.

E mais: Marco Aurélio Garcia, assessor para assuntos internacionais, publica um artigo na Folha derrubando todos os extremismos sionistas de José Serra como contraproducentes para a paz mundial.

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O melhor, porém, vou contar agora. Na página 2 da Folha de São Paulo, Clóvis Rossi e Eliane Catanhede falam duas coisas inteiramente opostas. Rossi, por incrível que pareça, critica a "mídia" brasileira, por ter dado a entender que haveria um conflito entre Brasil e EUA.

Catanhede, por outro lado, diz o contrário, que a coisa "vai mal". Mas o ponto culminante, que me levou a imaginar o som apoteótico de um vaso sanitário funcionando a pleno vapor, é quando a colunista da Folha diz o seguinte:


E o mais curioso é o desequilíbrio do comércio bilateral: superávit de US$ 4 bi para os EUA, um aumento de 284%. Perguntar não ofende: então o Brasil é comprador, em vez de vendedor para o maior e mais disputado mercado do planeta?


Sim, Catanhede, perguntar ofende sim. Ofende muito. Quando a pergunta é ofensivamente idiota, ofende muito. Por que os EUA são ricos, minha cara? Não seria justamente por que eles vendem caro e compram barato? Ah, não dá. Ela que é madame mas sou eu que vou dar chilique. Eu acompanho os dados online do comércio exterior do Brasil, através do sistema Alice, atualizados mensalmente pelo Ministério do Desenvolvimento, e publico, de vez em quando, matérias por aqui. Ao fazê-lo, confesso, até violento um pouco o meu lado ibérico-aristocrático, que acha plebeu abandonar o mundo dos pensamentos abstratos e poéticos e pisar no chão de terra das estatísticas.

Não é preciso nem fazer tanto. Se a dona Catanhede lesse o próprio jornal, saberia que, nos últimos anos, o superávit das exportações brasileiras cresceu gigantemente. Saberia que o Brasil sempre teve déficit com os EUA. E se pingasse um pouco de cachaça em sua aguinha perrier talvez despertasse nela um pouco de senso para perceber que não importa, para um país, se tem déficit ou superávit com UM país, e sim se tem déficit ou superávit com todos os países. Em outras palavras, os dólares da Argentina, China e Israel valem tanto quanto os dólares dos EUA, e se as exportações brasileiras bateram, nos últimos 10 anos, todos os recordes imagináveis, é no mínimo estupidez e ranhetagem protestar contra um fato normal e histórico, contra o déficit que o Brasil tem com os EUA, um déficit que, repito, tem mais de 300 anos. Sem contar uma coisa, tão óbvia que requereria esforço hercúleo para adentrar a engalanada mas estreita caixa cerebral de Catanhede: o Brasil exporta muito para os EUA. As madames que lerem o textinho de Catanhede terão a impressão de que o Brasil não exporta nada para o Tio Sam, quando é o contrário. Os EUA são nosso maior comprador individual, ultrapassado apenas recentemente pela China. E as exportações para os EUA caíram nos últimos meses por uma razão conhecida (mais cachaça na perrier, Eliana): a crise, lembra? Como diria o mineiro, eles tão com uns probleminhas meio brabos por lá. Um trem danado de grande de uma crise...

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Olha que ainda tem coisa mais ridicula ainda no Globo. Agora os colunóides estão protestando contra o cortes de impostos e informando, como se fosse uma tragédia, que as indústrias estão vendendo "demais". Ou seja, bom é aumentar IPTU, e apertar o contribuinte, de forma a dificultar a vida das fábricas e lojas, como fazem Kassab e Serra. Quando o governo estimula a economia, reduzindo impostos e ampliando o crédito, é ruim, mesmo que o resultado seja a superação da crise financeira mundial, a perspectiva de excelente crescimento para os próximos anos (inclusive este, 2009), a redução da pobreza e elogio das principais publicações financeiras internacionais. Valha-me Deus!

2 comentarios

Anônimo disse...

Caro Miguel, certa vez vi um comentário em post do Nassif, Já faz bastante tempo, na época que o Nassif estava divulgando o caso VEJA, o comentário dizia o mais ou menos isso. A pessoa trabalhava no grupo Abril, próximo ao RA, que se gabava em ter carta branca para falar mal do LULa, pois o Presidente se negava a receber o Civita e enquanto isso não ocorresse, ele teria autonomia, para dizer qualquer barbaidade.

Clique aqui para votar disse...

Vote SIM na enquete da penalização da homofobia, o SIM passou o NÃO, vote com sua consciência e não com motivos religiosos, não se trata de uma guerra religiosa e sim de delegar cidadania a uma parte de brasileiros

http://josecarloslima.blogspot.com/2009/11/coisas-do-extremismo-religioso.html

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