2 de novembro de 2009

O choro das viúvas de Micheletti

Na medida em que a crise em Honduras inicia uma distensão, e que as sucessivas derrotas dos golpistas (a primeira foi não ter recebido reconhecimento de nenhum país e ter sido condenado por todas as organizações internacionais) se tornam mais visíveis, observo em nossa midia, parte da qual apoiou o golpe, o surgimento de uma nova e interessante figura: as viúvas de Honduras.

Noblat é uma delas. Recorto o que ele disse hoje, em sua coluna do jornal O Globo:

A derrubada de Zelaya foi legal, segundo a Constituição. Afinal, ele tentara mudá-la para introduzir a reeleição à presidente.

A primeira frase é um idiotice e uma falsidade jurídica. A derrubada de Zelaya não foi legal. Foi um golpe de Estado. Não é por outro motivo que o novo governo não foi reconhecido e que Zelaya continuou sendo o único presidente legítimo, para toda a comunidade internacional. Até O Globo chamava, embora hesitante e intermitentemente, e apenas semanas depois do golpe, o governo Micheletti de golpista. A afirmação de Noblat, portanto, é esquizofrênica. Ele defende um governo golpista em seus estertores. É uma viúva desesperada tentando defender a honra do marido nazista morto por um pelotão de fuzilamento da Resistência francesa.

A segunda frase é uma mentira odiosa. Blogosfera, juristas, diplomatas, já a desmentiram categoricamente, por diversas vezes. Zelaya pediu a inclusão de uma pergunta a mais na cédula eleitoral, sobre a criação de uma assembléia constituinte. Essa assembléia iria iniciar discussões políticas, que incluem mudanças na Constituição. Não dá nem para chamar Noblat de leguleio (aquele que interpreta servilmente a lei, sem atender a seu espírito), ou de chicaneiro (o que distorce a lei para cometer crimes), mas de safado mesmo, ou burro. Uma Constituição não é uma tábua de pedra onde as leis ficam estáticas para sempre. Constituição é um corpo jurídico sempre flexível em linha com os anseios do povo. É absolutamente ridículo que Noblat (e outros, são tantas as víuvas de Micheletti no Brasil...) queira nos convencer que a simples possibilidade de um país abrir um debate sobre a reeleição, tendo a delicadeza de perguntar ao povo se concorda ou não, é motivo para sua derrubada sumária, sem o mais básico processo legal de defesa.

É ridículo, ainda mais partindo de um jornalista político brasileiro, ciente de que Fernando Henrique Cardoso, mudou a Constituição brasileira, sem a delicadeza de perguntar ao povo, para instituir a reeleição PARA SI PRÓPRIO.

O maior crime, ao que parece, é a delicadeza de perguntar ao povo. Os neocons da América Latina consideram o instrumento de consulta popular uma agressão à democracia. Enquanto isso, Uribe aprova a instalação de bases americanas na Colômbia sem sequer consultar o Congresso Nacional... Ou seja, o bolivarianismo que faz consultas ao povo é autoritário, enquanto as forças que instituem mudanças radicais na Constiuição (como fez FHC) sem nenhuma consulta popular são modelos de bom comportamento democrático. E dar golpe de Estado, para Noblat e para todas as numerosas viúvas de Micheletti, também é democrático. Ah, já ia esquecendo, é o golpe democrático do Jabor!

*

Na verdade, o golpe ainda não acabou. As pessoas, porém, esquecem um fator básico. A população hondurenha recebeu uma vacina. O que é uma vacina? É receber o vírus da doença no corpo para criar anticorpos daquela doença. Foi exatamente isso que aconteceu ao povo hondurenho. Todas as pesquisas de opinião, discussões parlamentares, todas as articulações entre Micheletti e Zelaya, estão negligenciando o mais importante. O que está pensando o povo hondurenho de tudo isso? O golpe de Micheletti foi um desastre social e econômico. Os ricos têm reservas para enfrentar os momentos de dificuldade. Muitas vezes, até ganham dinheiro, explorando a miséria e a insegurança. Os pobres, naturalmente, sempre são os mais prejudicados. Ao que tudo indica, o povo hondurenho desenvolveu um ódio profundo contra as forças retrógradas de Honduras, contra os golpistas, e identificou exatamente o papel da mídia nesse processo. Pensar que o mundinho político de Honduras permanecerá o mesmo depois do que aconteceu não é apenas ingenuidade, é estupidez e cegueira política. O povo exigirá mudanças. E mesmo que os golpistas recebam anistia política e jurídica em função dos acordos do alto escalão, o povo não os perdoará pela tragédia social que produziram. Sim, porque para os ricos o golpe pode ter sido apenas uma aventura. Para os pobres, no entanto, significou o desmantelamento de suas finanças, o esfacelamento de seus sonhos, a morte, a fome, o desespero, e o maior erro político de todos é subestimar os povos, é subestimar a força de sua violência e de sua dor. Os golpistas irão pagar, muito caro, uma hora ou outra, pela violência indesculpável contra a soberania popular, contra a democracia, contra a vida de milhões de hondurenhos. E as viúvas de Micheletti no Brasil não poderão fazer outra coisa senão enfiar seus rostos num vaso sanitário, e puxar a descarga.

*

Algumas das viúvas de Micheletti não têm coragem de apoiar explicitamente o golpe, mas é fácil identificá-las. Eliane Catanhede, por exemplo, põe Micheletti e Zelaya em pé de igualdade. Vários fizeram isso. Sem coragem de defender Micheletti, tentam agradar o baronato midiático conservador que os emprega atacando igualmente Zelaya. Sem ter o que atacar em Zelaya, zombam de seu bigode, de seu chapéu. Caluniam-no dizendo que não possui uma personalidade política própria, que é um submisso seguidor de Chávez. Mentem ao acusá-lo de querer instituir a reeleição. Antes do golpe as eleições presidenciais já estavam marcadas para o fim deste ano, e Zelaya não concorria. A famigerada inclusão de uma pergunta a mais na cédula não dizia nada sobre reeleição. Caso fosse montada uma assembléia constituinte, a reeleição seria, primeiro, debatida pelo parlamento, depois votada, e depois, caso fosse aprovada, o povo poderia ser novamente consultado. Zelaya passou longe do golpismo de Fernando Henrique Cardoso, que atropelou qualquer bom senso democrático para instituir a reeleição para si mesmo, sem consultar o povo. Chávez ao menos fez um plebiscito popular. FHC, não. Repetindo, o crime maior para os antibolivarianos radicais de nossa mídia é consultar a população...

13 comentarios

Vera disse...

É isso aí: crime é consultar o povo, aliás, o mundo seria um paraíso para essa gente se não houvesse o povo. Povo é bom para enfeitar discurso eleitoral (e para dar voto); no mais, o povo que se reduza à sua insignificância.

Juliano Guilherme disse...

Em.bom.português
Noblat.é.mau.cárater
ou.curto.e.grosso
um.escroto

Marcos Doniseti disse...

Ótimo texto. Quero reforçar o que você disse, reafirmando que a convocação de Referendos em Honduras é algo permitido pela Constituição do país.

Tanto o Presidente, como o Congresso Nacional e o eleitorado (6% dosa eleitores) podem convocar Referendos.

E como você disse, o Referendo em questão, convocado por Zelaya, apenas perguntaria se o povo hondurenho queria ou não a eleição de uma Assembléia Constituinte.

Caso a proposta fosse aprovada pelo povo (e a Constituição hondurenha diz que TODO PODER EMANA DO POVO) daí, seria realizada uma eleição para a Constituinte e que aconteceria no mesmo dia da eleição presidencial, ou seja, no dia 29/11.

Assim, a Constituinte somente iria funcionar durante o mandato do próximo Presidente e, mesmo que ela aprovasse a reeleição, Zelaya não teria como se beneficiar disso.

Portanto, Noblat, a Grande Mídia 'brasileira' e os defensores do Golpe hondurenho mentiram na cara-dura ao público.

Ainda bem que hoje existe a Internet para desmascará-los.

Também tenho um modesto blog e no mesmo eu postei a íntegra do decreto do Zelaya convocando o Referendo e lá está claro que ele nem fala qualquer coisa sobre reeleição.

Links:

http://guerrilheirodoentardecer.blogspot.com/2009/09/leia-integra-do-decreto-assinado-pelo.html


http://guerrilheirodoentardecer.blogspot.com/2009/09/constituicao-de-honduras-permite.html

Tio Drakul disse...

É bem por aí... Só não é "crime" mudar a constituição quando é para beneficiar um dos "amigos".

E digo que nós temos que ficar de olho também em Outubro de 2010. Porquê os nossos golpistas estão com tanto ódio e sede de sangue que não duvido que tentem um "golpe branco" aqui também.

Anônimo disse...

Se o Zelaya estava fazendo algo considerado ilegal, deveria ser notificado e respondido por isso.
e aí, se ele estivesse errado, o povo ficaria contra ele e ele sofreria todas as sanções. isto é, até o povo pediria pra ele sair.

Como não era ilegal (consultar o povo)tiveram q ´tirar´ ele de casa,
de pijamas... Isso é legal??? qq criança, qq analfabeto vê isso - é uma questão de de senso comum básico.

O Noblat só faz essas afirmações pq tem muito desprezo por seus leitores.

Sandro Stahl disse...

Tio Drakul disse algo interessante sobre um golpe branco. Confesso que acho uma temeridade "sem trocadilhos" A Dilma ter como vice o Temer, pois ele seria um bom representante das elites e sabemos que no Brasil a mídia não tem a menor timidez para incitar o povo contra um presidente para conseguir seu intuito e com um vice vendável como esse é meio caminho andado.

José Carlos Lima disse...

Zelaya queria consultar o povo.

E FHC que nem isso fez para conseguir mais uma reeleição.

Como se sabe, FHC consultou apenas o bolso dos congressistas.

E assim conseguiu mais um mandato para continuar sua privataria.

Anônimo disse...

AGORa neste momento, uma ideia, maluca que me ocorre é a seguinte.
Zelaya é reposto no cargo, e ja na segunda ou terceira semana de governo, arranja um motivo qualquer e convida...Lula pra visitar o país.
Lula aceita... Com que cara ficariam micheletti e a ministra
Hillary clinton?
Doideira? Manifestem-se os leitores mas eu bem que avise que era maluca.

Anônimo disse...

Anônimo, se Lula não for a Honduras, é bem provável que Zelaya venha por aqui, como forma de agradecimento ao presidente pelo grato apoio recebido.
E vamos que vamos, pois FHC acabou de sair do túmulo.

André Rezende

Itárcio Ferreira disse...

Miguel, você sempre se superando, um belo texto e verdades cruas: os neocons, noblat um pequeno pau mandado, estão se lixando para qualquer coisa que cheire a povo, a democracia. Abração!
P.S.: Caso cheire a ópio são de propriedade dos EUA, vide o Afeganistão.

Blog de Pirenopolis disse...

Eu odeio esse Noblat,ele e nojento.

Miguel do Rosário disse...

Amigos, consertei vários errinhos de digitação que havia no artigo. Mas venho aqui acrescentar outras coisas. Não quero escrever outro post sobre o tema, então publico aqui mesmo na caixa de comentários.

A mídia critica o fato de Zelaya usar a embaixada como escritório político, mas não critica o cerco desumano, já condenado pela ONU, à nossa embaixada. O Brasil, inclusive, acusou o governo de Honduras de tortura, através de som alto noite inteira, luz forte, etc. Essas são formas clássicas de tortura, usadas desde séculos. Não permitir o sono, através de barulho e luz. Pensam que algum colunista dignou-se a condenar em editorial? Não. E ao não condenar, nem repercutir, a informação não chega ao grande público, que só acredita na informação quando mastigada e repetida. A acusação de tortura foi noticiada como denúncia dos representantes do Brasil, ou seja, não foi encarada como uma verdade, mas como uma manifestação meio política.

Outra observação. Noblat, em seu artigo para o Globo, pergunta-se que "vantagens para Maria" o imbróglio em Honduras trouxe para o Brasil. Aí, ele mesmo fala, esnobando, sobre uma das vantagens, que seria uma melhor imagem internacional. Como se isso fosse pouco? Como se isso não trouexesse resultados políticos, econômicos, turísticos, enfim, como se isso não fizesse parte mesmo dos Princípcios de nossa Constituição, que ajudar a promovar a paz mundial e a harmonia entre os povos.

Ora, não passa pela cabeça de nenhuma dessas viúvas de Micheletti que, mesmo que não houvesse nenhuma vantagem para o Brasil, mesmo que, ao contrário, houvesse desvantagens, ajudar a restituir a democracia em Honduras é um bem à América Latina, e como tal, um bem também ao Brasil.

Além disso, a tese de que o Brasil não poderia intervir em outro país é anulada pelo fato de que o próprio presidente eleito, maior representante do povo hondurenho, e único presidente reconhecido pela comunidade internacional, pediu ajuda ao Brasil. O Brasil não interviu e sim acolheu um pedido do povo hondurenho, representando na figura de seu presidente democraticamente eleito.

E o governo golpista, como eu suspeitava, não está cumprindo o acordo, reacendendo a crise. E nem relaxou o cerco à embaixada brasileira. A mídia tupi, claro, não condena Micheletti. Ainda torce para que alguma coisa dê errado e possa pôr toda a culpa no Brasil.

Anônimo disse...

Micheletti mijou no pinico de novo e na sua enrolação para emplacar a eleição agora em novembro declarou que no acordo não acatara o ponto principal, o retorno de Zelaya.
Deve ter o dedinho do PIG brasileiro aí, eles não querem ficar desmoralizados com a volta do Zelaya


Dentre estes mais de 18 milhões de brasileiros, muitos não só melhoraram de vida como ficaram ricos. Como será que estes novos ricos votarão nas próximas eleições uma vez que foi graças à política de Lula que eles mudaram ascenderam para uma classe social? Será que eles adotarão o comportamento conservador e medroso das novas classes para as quais migraram? Assumirão um comportamento diferente ou se deixarão levar pelo "eu tenho medo do Lula", de Regina Duarte?
http://www.dm.com.br/materias/show/t/18_5_milhoes_de_brasileiros_ficam_mais_ricos

Postar um comentário