Lembro de um comentarista do blog do Paulo Henrique Amorim que falou uma coisa muito engraçada. Era algo assim: "é ruim de eu cancelar minha assinatura do PIG. Nunca me diverti tanto!"
O comentário versava sobre algum post de PHA denunciando a farsa, o ridículo e a desmoralização a que a imprensa vem se sujeitando, e que, de fato, ao lado da imensa revolta que causa a segmentos sociais cada vez mais relevantes, também proporciona uma modalidade de diversão muito especial - a diversão, meio cruel, mas absolutamente humana e normal, de assistir a agonia de seus adversários.
A risada é uma demonstração de força. Entre crianças e adolescentes, quando o homem atinge o estado de pureza selvagem perfeito, os fortes sempre são os que riem alto. Outro dia, vi um filme perturbador, de John Cassavetes, Faces, que retrata o cotidiano de alguns endinheirados de Nova York, sempre rindo desbragadamente. Perturbador porque o espectador vai se dando conta de como há falsidade, desespero, medo e tristeza por trás daquelas gargalhadas sem fim. Porque já não eram risadas autênticas, apenas uma máscara de poder.
O riso, sobretudo os melhores e mais fortes, sempre possuem algo de desesperado. Segundo os psicólogos, o riso é uma defesa emocional da psique contra o medo e a repressão. Há um momento, porém, como no caso dos personagens de Cassavetes, em que o riso se torna mais uma convenção social, mais uma repressão. Quando, não querendo rir, sentimo-nos forçados a fazê-lo, exercemos uma violência contra nós mesmos. Esse tipo de coisa acontece diariamente com milhões de pessoas, que são obrigadas a rir perante seus chefes, porque tem de se mostrar simpáticos, agradáveis. Amigos se agridem sutilmente, envenenando-se com seus sorriso mútuos e falsos. Para muitas pessoas, esse é um sofrimento menor, sem maiores consequências. Outros se sentem profundamente feridos com esse tipo de violência. Muitas vezes, a ascensão social de pessoas medíocres dentro de uma empresa, e a estagnação de outros muito mais talentosos, obedece a essa lógica. Isso foi chamado de "inteligência emocional".
Mas o homem é um bicho esperto. Brutal, mas esperto, ninguém pode negar. Os pessimistas de hoje, embora obviamente nunca admitam isso (senão deixariam de ser pessimistas), tem muito mais conforto hoje do que no passado, porque podem digitar suas lamúrias apocalípticas num computador, em suas salas ar-condicionadas, e, num ato de total desespero quanto ao futuro da humanidade, pegar o telefone e pedir uma pizza de tomate seco com rúcula. O bicho homem sempre encontra um jeito de se livrar do aperto.
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Tem um outro filme que eu sempre quis citar numa crônica. É O Rosto, de Ingmar Bergman, que conta um episódio da vida de um mágico (um magnetizador ou hipnotizador) e sua trupe em meados do século XVIII. Interpretado por Max Von Sidow, o hipnotizador vive um momento crítico de sua carreira, porque o racionalismo moderno havia despertado uma espécie de fanatismo às avessas, e as classes pretensamente esclarecidas passam a persegui-lo, como se ele fosse algum tipo de bandido, porque promovia um entretenimento que lida com o desconhecido, com forças ocultas. Ao chegar numa cidadezinha, um aristocrata, o delegado e um cientista obrigam-no a se apresentar na casa do aristocrata. Ele recebe todo tipo de agressão verbal, sobretudo do cientista. Na hora da apresentação, seus números são ridicularizados, pois o delegado enfia-se nos bastidores e revela os segredos. O hipnotizador, no entanto, tem alguns poderes verdadeiros, e consegue se vingar utilizando-os contra seus adversários.
Lembrei-me desse filme pelo seguinte. Ao final do filme (desculpa contar, desde que não seja um filme de suspense, não ligo para essa história de contar o final), quando o mago chega a seu momento mais desesperado, pedindo pelo-amor-de-deus para os donos da casa pagarem pela apresentação, chegam à cidade arautos do rei convidando o mago e sua trupe para realizarem um espetáculo no palácio real. Os burgueses ficam desmoralizados. Eles representam ali, a meu ver, a arrogância dos sub-intelectuais de miolo mole. O pano de fundo mais importante da história é o teatro das classes. A encenação de superioridade de uma classe social insegura e prepotente, que não hesita em apelar à brutalidade para fazer valer suas teses.
Se há um filme em que o final é determinante para dar um sentido maior à história, é este. O que significa, naquele contexto, o convite do rei?
É o final que me deu o link para os dias de hoje. Neste final de semana, a Folha publicou editorial lamuriento, pedindo aos governos que realizem mudanças constitucionais para que os grandes portais da internet obedeçam as mesmas leis aplicadas às mídias tradicionais. No caso do Brasil, a regra principal é o limite de 30% para a participação de capital estrangeiro. A Folha e seus coleguinhas querem que a lei seja aplicada aos portais.
É uma reivindicação ridícula, por que a internet, para o mal e para o bem, é um espaço livre, onde essas leis não fazem sentido. Ninguém pode impedir um empresário japonês de montar uma portal em língua portuguesa. O baronato brasileiro acaba de descobrir que existem forças mais poderosas que ele mesmo. Os capitais envolvidos na internet correspondem ao Mundo, onde há um poder terrível e insuperável. Da mesma forma que os burgueses prepotentes que humilhavam o mago do filme de Bergman, a mídia acaba de descobrir a sua própria fraqueza. Nada mais ridículo do que ouvir esse arautos do neoliberalismo, da globalização, da lei do mais forte, pedirem ajuda ao governo para enfrentarem a dura e inexorável realidade.
Por mais que seja ridícula, contudo, a nova reinvindicação midiática tem cheiro de golpe, pois depende de uma canetada governamental que pode injetar bilhões em grupos midiáticos comprometidos até o pescoço com projetos partidários cada vez mais antagônicos ao que desejam os povos americanos.
Se aprovada uma lei nesse sentido - o Nassif está denunciando isso -, os grandes grupos financeiros internacionais teriam que se associar aos grupos midiáticos nacionais para poderem operar no mercado de comunicação do Brasil. Entende-se melhor agora porque faz tanta diferença, para a mídia, que seus candidatos alcancem o poder.
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É realmente muito irônico que a agenda política do neoconservadorismo midiático brasileiro (os mesmos que defendem tão ardorosamente a liberdade de expressão) venha se voltando cada vez mais contra as liberdades da internet.
De fato, é importante que o país tenha uma imprensa independente e capitalizada. Mas a roda do mundo gira e quem não se segura bem, acaba caindo no chão. Em todo o Brasil, ou melhor, em todo mundo, existiu um segmento profissional que sofreu muito com a modernidade: os cocheiros. Li outro dia uma crônica antiga falando da situação deplorável de milhares de cocheiros do Rio de Janeiro, no dia seguinte à implantação dos bondes urbanos. E o pior. A companhia de bonde era uma empresa britânica. Embora eu não entenda porque o Brasil não tinha capacidade para criar uma companhia de bondes PUXADOS A BURRO, eu compreendo que a cidade deveria dar um passo a frente, mesmo que isso acarretasse no desemprego dos simpáticos cocheiros.
Os governos devem, sim, conforme prega o editorial da Folha, defender a cultura nacional. E concordo que o direito autoral deve ser debatido com muita inteligência pela sociedade. Mas de que cultura nacional falamos? Eu, por exemplo, também dou minha contribuição, através deste blog, à cultura e ao jornalismo nacional. Não preciso de nenhuma lei ou verba estatal, nem que façam nenhuma restrição ao capital estrangeiro. Ao contrário, eu agradeço muito o capital estrangeiro, porque hospeda gratuita e gentilmente o meu blog e não posso cuspir no copo onde mato minha sede.
Tudo bem, isso é um blog pessoal, não uma empresa. Mas, eventualmente, se eu tivesse disposição, vontade e talento para isso, poderia muito bem montar uma empresa na internet. Precisaria de muito pouco para montar um belíssimo site de notícias e análises. Com meia dúzia de profissionais trabalhando diariamente, qualquer empreendor habilidoso pode fazê-lo. E não teria medo de site estrangeiro, pois nenhum espertinho alemão poderia me superar em termos de custo.
É o progresso. Não é preciso adquirir um par de cavalos e uma sebe francesa para se locomover pela cidade, assim como não é necessário possuir uma estrutura gigante e pesada como a que mantém os jornais brasileiros. É preciso, sim, mais que nunca, de talento e honestidade, virtudes que o sectarismo ideológico tacanho da mídia impede que floresçam em suas dependências. Os gregos antigos não usavam jóias nem sedas; mesmo seus cidadãos mais ricos vestiam-se e alimentavam-se com simplicidade.
16 de novembro de 2009
A esperança está em Bergman
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Certa casta de pessoas não sabe o preço que se paga pela liberdade e já mais experimentou dela. A prisão de seus cotidianos e a opressão das convenções sociais e do status fazem com que estas pessoas, com raiva e inveja, zombem das pessoas que são livres.Você está de parabéns, pois seu blog é um dos mais sinceros da internet.Falei antes e repito de novo: podem vir com a retranca das baixelas de prata das cortes da Áustria,pois você virá com a elegância e a verdadeira alegria da boemia da Lapa.
Puxa, é por isso que gosto de ler o seu blog, porque até os comentários são sábios e inteligentes. Achei o comentário do Montenegro perfeito! Assino embaixo.
é mesmo um comentário bonito, Montenegro. Como sempre, aliás. Abraço.
É, rapazes, o difícil é entrar na valsa com sabedoria. Parabéns!
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