18 de novembro de 2009

A grande derrota de Gilmar Mendes

Um dos assuntos mais discutidos hoje em blogs políticos e jurídicos foi, naturalmente, o julgamento de Cesare Battisti no Supremo Tribunal Federal. A importância do caso advém não somente da culpabilidade ou não do réu, ou do dilema humanitário em enviar um possível inocente às masmorras da Itália neofascista de Berlusconi, mas também das complicações que sua extradição, ao contrariar a decisão do governo de lhe conceder asilo político no Brasil, pode trazer para milhões de refugiados políticos no mundo inteiro.

A Organização das Nações Unidas (ONU), que é o órgão internacional deliberativo mais importante do planeta, já se posicionou fortemente contrária à extradição de Cesare Battisti, alegando que, se o governo brasileiro concedeu asilo, não cabe recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF), porque, neste caso, abriria-se um precedente internacional que representaria um retrocesso perigossíssimo.

Quem defende a extradição de Battisti, no Brasil, é a grande mídia, como sempre amarrada a posições conservadoras, e Mino Carta - italiano e, como tal, conectado umbilicalmente à corrente de rancor que ora arrasta inteiramente a pátria de Antonio Gramsci, da direita à esquerda. Aliás, vale a pena lembrar que o principal renovador do marxismo (sem querer compará-lo à Battisti), viveu quase toda a sua vida atrás das grades.

O STF decidiu duas coisas nesta quarta-feira. Primeiro, por 5 votos a 4, que Battisti poderia ser extraditado. Depois, também por 5 a 4, que a decisão final cabe ao presidente da República.

A última dessas decisões beneficia Battisti, claro, porque abre a possibilidade de que Lula, coerente com a determinação de seu ministro da Justiça, decida pela não-extradição. Ou seja, Battisti poderá, finalmente, ser livre.

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Mas há outras questões extremamente importantes por trás do caso Battisti. A principal delas é a politização do Supremo e a usurpação de poderes que, via de regra, pertencem ao Executivo e ao Legislativo, instâncias expostas ao sufrágio universal e, portanto, verdadeiras portadoras do poder democrático. Aos juízes cabe, exatamente, deliberar se a democracia está sendo exercida, e não o contrário, não cabe aos juízes violar a democracia e usurpar os poderes que o povo empresta a seus representantes eleitos.

A última decisão do STF, no sentido de entender que o presidente é quem deve decidir sobre a extradição de Cesare Battisti representa, desta forma, uma derrota para as tendências usurpadoras que vinham predominando na entidade presidida por Gilmar Mendes; e uma derrota para o próprio Mendes, principal artífice desse conceito, tanto que seu voto foi no sentido de não dar ao presidente Lula o direito de tomar a decisão final sobre o ativista. Gilmar Mendes terá que encerrar o seu mandato como presidente do STF com esse travo amargo da derrota em sua boca mole.

Lembremos que o mandato de Mendes expira no dia 31 de dezembro. Eu proponho a todos os leitores que moram no Rio de Janeiro que organizemos, em meados de janeiro, uma festa em comemoração ao fim da ditadura Mendes, que tantos riscos trouxe à institucionalidade da república democrática do Brasil.

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O julgamento de Battisti fez a mídia arregaçar os dentes para os membros do STF e para todos os juristas que não partilhavam de sua opinião, ou seja, não empenhados em extraditar Battisti. Foi o caso do eminente Celso Antonio Bandeira de Mello, que escreveu uma resposta antológica à Folha de São Paulo. O mais interessante mesmo, porém, é que Mello não quis publicar sua resposta na Folha. Num gesto de altivez que achei maravilhoso decidiu publicar a resposta num blog. Essa aí é mais uma que devo ao mestre Nassif.

8 comentarios

Hugo Albuquerque disse...

Bandeira de Mello é um monumento vivo da Puc de São Paulo - um dos professores que fazem valer a pena estudar Direito lá.

raul disse...

Miguel,
quando vc diz que o STF, por 5 a 4
decidiu que Battisti DEVE ser extraditado, não seria mais correto,
PODERIA ?

A. Harlan disse...

Dizer que não cabe ao STF revogar o asilo abre espaçio para se dizer que não cabe ao ministro da justiça do brasil interferir nos assuntos legais de outro país. A Itália é uma democracia (apesar de seu jogo de fumaça de chamá-la de "facista"), soberana e que condenou um assassino. O Brasil não é tribunal de revisão da justiça italiana, nem vice-versa.

E chamar o Battisti de "possível inocente" é uma piada absurda. O cara foi condenado por um regime de esquerda, um regime de esquerda o quer preso...só quem o quer livre é a esquerdopatia brasileira, que adora proteger seus assassinos sob o disfarce da "luta democrática". E ainda chama os outros de facistas...

Imagine se um brasileiro matar 4 pessoas e a Itália dar asilo pro cara, chamando-o de "inocente". É um tapa na cara das famílias.

A. Harlan disse...

E mais: quando o Ministra da Justiça toma uma decisão de asilo por motivos pessoais, em benefício de sua própria corrente política, o STF é obrigado a rever a decisão. A falta de ética do Ministro da Justiça não significa que todos têm que calar.

Imagina se um cubano mata 4 na ilha e justifica que fez isso porque luta contra Fidel: Tarso Genro iria pilotar o avião pra levar o cara de volta pro "comandante". É a famosa "posição de 4 seletiva", com espinha ereta pros inimigos e a bunda oferecida pros amigos.

Anônimo disse...

palmeirenses... sempre com a bunda virada para a itália.

J Carlos disse...

Vale aqui repetir as sábias palavras do Alon Feuerwerker, em seu blog hoje:

quinta-feira, 19 de novembro de 2009
Diversos pesos, diversas medidas (19/11)
A operação política para salvar Battisti decorre de ele ter origem na esquerda. Fosse um militar argentino condenado por crimes na ditadura, estariam os mesmos exigindo, já, sua extradição para Buenos Aires

A polarização política no caso Cesare Battisti está bem delineada. Desde o início. A mesma liberdade que teve o ministro da Justiça para negar a posição do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados) devem ter os críticos para considerar que foi politicamente motivada a concessão do refúgio por sua excelência. E daí saíram a buscar-se as razões jurídicas.

Uma parte da esquerda brasileira luta com firmeza para que Battisti continue aqui -e não volte à Itália para cumprir pena. O raciocínio é objetivo. Os crimes de que o acusam são políticos, ainda que hediondos. E o Brasil deve manter a tradição de oferecer abrigo quando criminosos politicamente motivados vêm ao Brasil em busca de proteção.

Isso em tese. Se não for meticulosamente procurada, a simpatia pelas circunstâncias da história de Battisti não aparece.

O governo brasileiro vem operando para segurar Battisti aqui porque a trajetória do italiano relaciona-se à esquerda. Especialmente à esquerda armada, cujos herdeiros estão solidamente instalados no atual sistema de poder. Estivesse ligada à direita, o quadro seria diferente.

Vamos supor que descubram dia destes no Brasil um militar argentino dos anos terríveis, com condenações nas costas. Os mesmos que hoje se levantam em defesa de Battisti levantar-se-iam para exigir a devolução do dito cujo a Buenos Aires, para que ali pagasse pelos seus crimes.

A esta altura o leitor já percebe que a coluna enveredou por um caminho pouco habitual. O da suposição, da inferência. É verdade, mas os passos são dados sobre terreno sólido.

Os mesmos órgãos estatais e forças políticas que militam na linha de frente a favor de Battisti defendem posição oposta em outro assunto relacionado, a anistia aos torturadores. Como Battisti tem origem na esquerda, merece ser defendido e não deve pagar pelos seus crimes. Como os torturadores torturavam para defender um regime de direita, é inaceitável que se considere terem sido benefiados pela Anistia de 1979 e pelos textos legais que a aperfeiçoaram, já na democracia.

Menos mal que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) tenha sido técnica. Ainda bem.

Unknown disse...

O STF não é uma instituição política(como quer o Demostenes) e que a CF de 1988 é claro em falar que o presidente da república tem competencia nas decisões no quesito politica internacional de conceder refúgio político, sendo que a única coisa que o STF pode fazer está bem explicado pelo o min.marco aurélio: "A nossa decisão na extradição, se positiva quanto ao pedido do governo(italiano) requerente, é simplesmente declaratória. Nós declaramos a legitimidade do pedido(do governo italiano) para o presidente da República aí decidir se entrega ou não. Agora, se a nossa decisão é negativa, dizendo que o pedido(do governo italiano) é ilegítimo, essa decisão negativa obriga o presidente da República. Ele não pode entregar o extraditando." E foi isso que aconteceu, o STF defiriu o pedido do governo italiano e agora o presidente irá toma o seu juizo para o caso. Então o STF não decide se extradita ninguem(como coloca a nossa banal mídia), ele só analisa se o pedido do governo da itália é legítimo.

NRA disse...

Pois é Thiago, seria bom que o Min Marco Aurélio de vez em quando desse uma lida na CF, que diz textualmente:

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I – processar e JULGAR, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual;

g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro;”

Ou seja, o texto constitucional diz claramente que compete ao STF PROCESSAR e JULGAR a extradição solicitada por Estado estrangeiro e não simplesmente a autorização. Caso haja alguma dúvida basta ler os outros atos elencados no mesmo artigo em que o STF também julga e processa: ADI, infrações penais do Presidente da República, de Min de Estado, etc

Seria bom alguns ministros do STF lerem a CF antes de julgar alguma coisa.

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