Por Fernando Soares Campos
O jovem Albert Einstein estava sentado numa pedra à beira de um belo lago da Alemanha dos anos 1920. Na mão esquerda, uma vara de pesca; a direita, punho cerrado, sustentava o queixo que insistia em cair diante do cenário hollywoodiano que enchia seus olhos de poesia e a brilhante cabeça de pensamentos relativos à sua existência no Planeta: Quem fui? Quem sou? Donde vim? Súbito! Pronde foi o peixe que fisgue?!
De verdade, ele não havia fisgado coisa alguma, pois o esperto fisch apenas comia pelas beiras, fazendo a linha tremelicar. Pacientemente baixou a vara (de pesca, claro), tocou a ponta no espelho d’água, provocando um daqueles círculos marolados que as crianças provocam nos poços do rio Ipanema, arremessando seixos, apostando quem faz o maior número de toques e torcendo para fazer as marolas atingirem a margem oposta.
Einstein ainda pensou em encerrar a pescaria num dia em que o lago não estava pra pescador, porém decidiu fazer mais uma tentativa. Recolheu a linha, espetou mais uma minhoca no anzol e, com habilidade de pescador escolado nas lidas dos judeus pobres que preferiam pescar a ganhar o peixe através da bolsa-família do governo alemão, arremessou a cobra-cega à própria sorte. Desta vez ficou atento à possível fisgada de um freund-gold, espécie bastante cobiçada pelas loiríssimas mädchens da época.
Desligado que nem eu, Einstein novamente se distraiu com seu esporte predileto: meditar tranqüilo, tranqüilo; daquela vez, tentando se decidir sobre duas propostas de emprego: uma oferecida pelo avô de Herr Bornhausen; outra, pelo pai de seu infanto-amigo Oscar Wind, filho de Gelei Müller, judeu que nem ele, mas ainda de calças curtas.
A empresa dos Bornhausen era uma das maiores da Europa no ramo de emprestar com uma mão e receber com a cabeça, tronco e membros eretos. Enquanto a microempresa do pai de seu amiguinho Oscar Wind, fabricante de cola de sapateiro, começava a dar prejuízo, em vista da concorrência desleal; pois, quando há lealdade na concorrência, ninguém pode duvidar, todos saem ganhando; basta dar uma espiadinha no Mercado de Carne de Santana do Ipanema e região. Outro dia eu conto mais sobre lealdade de concorrentes; por enquanto, vamos ao que nos interessa.
Enquanto Einstein ponderava as vantagens e desvantagens de cada empresa, lá no fundo do lago um lambari-dourado, que fazia intercâmbio cultural em águas germânicas, encontrou-se com um deutsch colega e decidiram jogar conversa fora no Kerr Riba Bar, ambiente aconchegante a bordo de uma nau flagrada pelos alemães em missão de espionagem, durante a Primeira Grande Guerra.
Depois de brindarem as tulipas de chop e beliscarem os pasteis de camarão, o lambari-dourado puxou uma prosa versátil.
Perguntou ao deutsch companheiro de malocas subaquáticas:
— O que seria melhor: ser cabeça de sardinha ou rabo de tubarão?
— Depende — falou, mas não pensou.
Se tivesse pensado, o deutsch não teria vacilado diante de um reles latino metido a esperto.
— Depende do quê?
— Sei lá! Talvez das águas por onde navegue, das ilhas por onde aporte, das jacentes por onde ande...
O freund-gold degustou o chop salgado, cofiou o bigode e se recostou na antepara. Ficou a espiar por uma escotilha de boreste. Avistou um cardume de fisch que redemoinhava num fantástico balé submarino. Entre eles, eis que surge um tubarão martelo a martelar as águas claras do mar.
Corta para Einstein na posição de pescar. Ponta da vara apontando para o horizonte, linha em oblíqua descensão, lá na ponta um peixão se debatendo, estrebuchando. O bicho não queria subir, resistia ao tranco do pescador.
Agora veja: enquanto o robalo se debatia no tranco, a sua parceira robala provocava inveja a um cardume de sardinha, aguardando sua vez de ser fisgada; pois se sentia o máximo diante da possibilidade de vir a ser comida pelo notável cientista, àquela altura do campeonato já com o Nobel na ponta da linha.
Lembram daquela brincadeira de telefone: uma lata numa ponta e outra lá tinha na extremidade oposta. Pois bem, foi aí que o robalo que subia passou pela escotilha e viu os amigos no maior papo no Kerr Riba Bar. Quase teve um troço, só de imaginar que, poucos minutos antes o lambari-dourado o havia convidado para aquela confraternização, e ele, num tremendo domingo de pesca, resolve passear pelos bosques arrecifados, de bobeira, tendo a tiracolo sua robala carnavalesca.
Agora imagine o sufoco: o robalo fisgado subindo, deixando lá embaixo a rolala sonhadora...
Mas, como já foi dito, não há mal que não traga um bem, mesmo que seja em forma de outro mal. O robalo roubado de sua sorte era mudo como todos os robalos, mas não era surdo como quase todas as cobras. Havia feito um curso de verão através do intercâmbio da Universia Brasil e, para sua sorte, o curso era de sinais labiais. Veja o destino como é cruel: o sujeito estudou a vida toda, porém o que aprendeu só iria lhe servir no corredor da morte.
Einstein, ainda meditativo, portanto indeciso sobre a escolha da empresa para a qual trabalharia, sentiu finalmente a linha puxando e a vara tremelicando... Tremelicando, mas tremelicando de forma especialíssima, em Morse. E o que dizia a vara, ou melhor, o que recebia através da linha. Nada mais, nada menos que a leitura labial que o robalo condenado fazia sobre o papo dos amigos no Kerr Riba Bar. Qual seja:
— Se eu fosse você, aceitaria ser cabeça de sardinha; entretanto, considerando que eu sou eu, e Nicuri é o diabo solto na capoeira, prefiro ser rabo de tubarão.
A vara de Einstein tremelicou, tremelicou, até que, tremelicadamente ereta, decidiu-se:
Mar vermelho sob céu azul tanto collori de violeta quanto de azul-turquesa depende da intensidade dos ingredientes aplicados.
É relativo, né?
Einstein não colocou a viola no saco sem antes dedilhar os acordes finais do réquiem 639.
Tempos depois.... Cardume feliz! Navegando por mares nunca dantes navegados.
29 de novembro de 2008
O balé subaquático dos fischs
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# Escrito por
Miguel do Rosário
#
sábado, novembro 29, 2008
# Etichette: Contos, Fernando Soares Campos
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Como se não bastasse a primorosidade do texto, escrito em linguagem concisa e coerente, o que se lê é, indubitavelmente, uma crônica de ampla interdisciplinaridade com intertexto peculiar e proverbialidade aguda.
O escritor Fernando Soares Campos já se consagra há muito pela vasta produção discursiva, contudo o que enche os olhos é a rica formulação narrativa e dissertativa em seus textos. Sempre a defender uma tese social, toma de empréstimo as metáforas (aqui o peixe, a vara e a própria pesca, adotando certa ironia e criticidade com densa argumentação para justificar as questões que aborda. Ele leva o leitor a uma constante descoberta do que vem acontecendo em nosso cenário sócio-político e cultural. Por empréstimo e criação do personagem, um cientista-pensador, Albert Einstein, concluímos a relatividade das coisas que vemos, ouvimos e sentimos á nossa volta; uma tese científica que cabe muito bem à equação da nossa atualidade política. Há uma questão metafísica, existencial introduzida pelo cronista:"Quem fui? Quem sou? Donde vim?", a qual vai se resolvendo a fisgadas. Pacientemente, o leitor, pode deixar, como o amigo, a vara da reflexão pescar dos fatos e acontecimentos atuais a verdade, ainda que relativa. Se por acaso, não tiver sucesso na empreitada, deve então mergulhar mais fundo nesta leitura que tem mais do que as aparências do discurso o peso de vastas áreas do conhecimento; como: filosofia e pensamento científico; literatura e política.
Sugiro ao amigo leitor a aquisição dos livros deste que sabe muito bem o que escreve e fala. Tendo oportunidade de navegar pelas páginas virtuais da internet, leiam também "Espelho das vaidades", um marco, ao meu ver, do que Fernando é capaz de trazer-nos com tamanho apuro verbal.
Tenho dito
Bruno Resende Ramos
Miguel, delete o programa desse sujeito.
Grato
Boa noite
Amigo
Fernando
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