Por Miguel do Rosário
E pensar que um dos três criadores do Google, antes que a empresa fosse fundada e se tornasse um império, preferiu sair da sociedade pra terminar o terceiro grau! Sempre dou risada quando lembro dessa história. É uma lição de vida. Quando vejo essas polêmicas mesquinhas sobre se fulano fez ou não faculdade, recordo-me das figuras com quem cruzei em meus anos de labuta universitária. De uma coisa tenho certeza, boa parte sai dali ainda mais ignorante do que entrou, porque se tornam mais arrogantes, qualidade que, perdoada em casos excepcionais (no Mirisola, por exemplo), manifesta-se insuportável em pessoas com escassa vocação para as literatices e sacanagens da vida.
Sinto-me, entretanto, bem mais seguro. Antes, ainda hesitava sobre o valor da internet para a criação literária. Depois de quase 800 posts somente nesse blog, tanta diversão, amigos, cervejas e livros, não posso continuar recusando o amor da minha vida. Sim, parece clichê de holliwood. O sujeito passa o filme todo sem perceber que sua melhor amiga é, na verdade, a sua verdadeira cara-metade, a sua paixão mais profunda.
É que as mudanças ainda não chegaram ao inconsciente, nem dos escritores, nem dos leitores, e muitos menos da imprensa, ainda presa a dogmas conservadores. Agora sei, contudo, que a internet se tornará, mais breve do que se espera, o principal suporte para a literatura e para o jornalismo, em todo mundo.
As próprias diferenças entre os estilos tendem a se diluir. Quando leio um texto, procuro sua poesia externa e interna, e julgo seu valor estético juntamente com sua densidade política. É a internet mudando paradigmas de produção e consumo da literatura. Os leitores do meu blog e de outros procuram-me também pela forma como eu escrevo, pela diferença, porque sentem que os novos conteúdos políticos da modernidade exigem formas originais de expressão.
Não é preciso reinventar a roda. As diferenças ocorrem nos detalhes, em maneiras novas, curiosas, de articular os verbos, e também numa postura ética singular, muito mais autêntica, estranha, pura, agressiva.
Jornalistas convencionais ficaram presos a esquemas obsoletos de pensar e expressar as novas realidades econômicas e políticas. Essa é a decadência notória de um Clóvis Rossi, com seu decadentismo senil e, paradoxalmente, tão naíf. Cínico... e naíf.
Inexistem mudanças totais, naturalmente, até porque se fizermos uma volta de 360 graus, voltamos para o mesmo lugar. As grandes mudanças começam a partir de pequenos desvios.
Já sofri muito, porque artistas sofrem muito. De vaidade, sobretudo. Ansiamos por reconhecimento, como vira-latas carentes seguindo estranhos nas ruas. Esse é o ponto-fraco do artista, até mesmo dos bons artistas. Tive sorte, no entanto, de conhecer artistas autênticos, totalmente desinteressados de fama, dinheiro ou glória. Interessados somente em seu amadurecimento como "técnicos" da arte. Loucos, gênios, criativos. Mas técnicos.
A constatação de que a internet é, maravilhosamente, o grande canal do futuro, permitiu à minha vaidade respirar aliviada. É que eu andava angustiado com meus passeios por livrarias e sebos, vendo milhares e milhares de títulos perdidos nas estantes, anônimos, tristes, mortos. A internet oferece uma nova relação entre leitor e autor. Uma relação mais democrática, mais transparente, mais autêntica. Não teremos mais escritores conhecidos apenas por suas belas carinhas e sorrisos cativantes. O escritor, assim como um jogador de futebol, ou um músico, terá que mostrar seu talento escrevendo, ao vivo, na frente de seus leitores. Claro que isso não significa nada se o escritor não tiver talento, gênio e vocação. Eu sou, particularmente, adepto da teoria da excepcionalidade do artista. Essa história de que todo mundo pode ser artista é uma grande besteira. É o mesmo que dizer que todo mundo pode ser um grande jogador de futebol, ou um grande neurocirurgião, ou um grande político. Os homens são diferentes, radicalmente diferentes um dos outros, e seus talentos, portanto, também o são.
O fato é que ainda há escritores que têm prestígio somente entre "iniciados". Seus livros, vendidos por mais de R$ 40, restringem-se a um mercado de "luxo". É quase uma literatura "daslu". A internet rompe também esse apartheid, permitindo que todos tenham acesso, gratuitamente, aos textos mais modernos e sofisticados produzidos no mundo. Muitos não resistirão à essa luz, outros terão sua energia e criatividade revigoradas.
No caso da imprensa, creio que ela poderá implodir em fragmentos independentes. Cada jornalista terá seu próprio blog especializado, onde discorrerá sobre economia, ou cultura, ou política, com a autenticidade que somente um relativo grau de independência permite. Haverá grupos poderosos, que poderão comprar e contratar grande números de blogueiros especializados, mas os independentes, por uma questão numérica simples, serão sempre maioria.
Lendo o Globo de hoje, senti comiseração pelas matérias sobre Hugo Chávez, tão notoriamente tendenciosas que, mesmo para um feroz conservador, representa um tóxico informativo que resulta apenas em miséria intelectual.
Um dos valores mais nobres da internet, porém, foi ter ressuscitado o debate ideológico, que se fingia de morto desde o fim da União Soviética e a tentativa de convertê-lo em monólogo neo-liberal. Sem debate ideológico não há política, e sem política não há democracia, nem sequer civilização.
Naturalmente, os atores ainda precisam amadurecer. Lembro-me de um jovem anarquista de periferia que pregava o fim do voto universal, porque acreditava somente "no poder direto do povo". Quebrei a cabeça para imaginar como esse povo poderia exercer, democraticamente, qualquer espécie de poder, sem a ferramenta mais revolucionária e humanista jamais inventada, o voto? Seria levantando os braços? Seria no grito? No primeiro caso, teríamos severos problemas de escassez de desodorantes. No segundo, ficaríamos todos surdos.
Por estas e outras razões, pretendo um dia, e aqui mesmo, escrever algumas teorias a respeito de um novo anarquismo. Quando satanizou o Estado, o anarquismo moderno europeu tinha como referência o absolutismo monárquico e o czarismo russo. Mesmo com a implantação das democracias, não havia ainda o voto universal. Mulheres, pobres, analfabetos, e demais excluídos, ficaram de fora, por séculos, do banquete democrático servido na Europa e nos Estados Unidos. Os negros americanos, para darmos um exemplo interessante, só conquistaram plenos direitos civis a partir da década de 60.
*
Sobre as cotas raciais, eu sou a favor. Mas acho que já se podia discutir um limite de aproximadamente 10 anos para o seu desmantelamento.
27 de novembro de 2008
Gutemberg revisited
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# Escrito por
Miguel do Rosário
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quinta-feira, novembro 27, 2008
# Etichette: Artigo, blogosfera, Ideologia, Literatura, Política
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Realmente, ter um diploma não resolve nada, e muitas vezes atrapalha.
As instituições de ensino superior condicionam seus ingênuos alunos a querer um dia ter... um emprego!
A maioria dos homens e mulheres ricos não têm curso superior (a não ser da Escola da Vida, que não dá diploma, mas ensina muita coisa). Silvio Santos é um exemplo bem icônico desse fato.
Conheci diversos empresários sem curso superior. Mas seus subalternos, estes sim, têm "diploma".
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