Por João Villaverde
“Eu acho que não se pode falar de cultura sem se falar de política. E não se pode falar de política sem se falar das liberdades individuais. Ou sem se falar do clima no qual se cria a cultura. É mais importante, me parece, do que discutir as questões relativas ao processo econômico ou ao processo de censura especificamente. Aquilo que se vive, o cotidiano mesmo. Quer dizer, a cultura entendida como o sentido mais amplo das relações sociais e do processo da criatividade humana num determinado país, numa determinada época.”
Leon Hirzman, 1975
O fim da repressão, da censura e da ditadura militar em 1985 aplacou os movimentos políticos e as artes de uma maneira que a sociedade até hoje não se levantou.
Os anos 1990 trouxeram novos ideais, com Collor e Fernando Henrique Cardoso. Agora, o movimento era de inserir o Brasil no mundo moderno. Como? Passando as instituições do Estado para mãos privadas, ou simplesmente abolindo a participação pública nas artes. Sob Collor a Embrafilme, a Funarte e toda participação do Estado nas artes foi desmantelada. Se isso pode ter sido benéfico para a liberdade de expressão desvinculada do financiamento estatal, criou um movimento contrário: agora se está em mãos de fundos de investimentos, nacionais ou estrangeiros, ou de galerias e colecionadores privados.
Sob FHC foram criadas as leis de incentivos fiscais concedidos pelo Estado para que empresas privadas ou públicas invistam em artes. No campo audiovisual e no teatro, o jogo ficou reduzido ao financiamento de empresas (basicamente instituições financeiras), aproveitando o abatimento de impostos previstos pelo Estado para a distribuição em larga escala. Nas artes plásticas esses agentes funcionam como compradores, enquanto a produção é financiada por colecionadores (por vezes, as mesmas instituições financeiras) ou por galerias. A centralização do acesso – tanto do produtor quanto da sociedade em geral – ficou ainda mais concentrada, num modelo mais elitista que o vigente anteriormente.
E estamos falando de um país que privilegia a camada de renda mais alta da sociedade há 508 anos.
Historicamente, as artes plásticas sempre foram um feudo da burguesia “esclarecida” (leia-se endinheirada), que tinha acesso à cultura dos países ricos, podendo importar valores e obras para cá. Os primeiros movimentos nacionais nesse campo foram os modernistas das primeiras décadas do século XX, seguidas do movimento concretista dos anos 50. Mas a primeira arte genuinamente nacional no campo das artes plásticas foi o movimento cultural dos anos 60 e 70, que gerou a defesa da cultura nacional, das características do povo e das disputas políticas internas. Foi esse movimento que foi esquecido tão logo a abertura política começou a ser desenhada, ainda no fim dos anos 70.
É preciso ter em mente o processo histórico para poder discutir os novos artistas e entender o porquê da arte ser como ela é.
Não há uma criação estética relevante no país. Mesmo se atendo ao aspecto simplista das aparências, os artistas de hoje se parecem muito com os jovens americanos: tênis All-Star, calças justas ou bermudas largas, camisetas pretas justas ou coloridas com inscrições em inglês, óculos escuros e bonés. Isso não é uma crítica, mas uma constatação.
O país dos pescadores, dos índios, dos negros, da favela, dos 40 milhões que dependem dos R$ 95 mensais (quantia máxima dos benefícios do Bolsa Família) repassados pelo Estado para comer, do frevo, do samba, etc., é ignorado, como de costume.
Há duas semanas, na quarta-feira 19, conversei com o artista plástico Rodolpho Parigi, de 31 anos. O Rodolpho pertence a novíssima geração de artistas plásticos do mainstream brasileiro. Estudou na FAAP, uma das mais caras faculdades da América Latina. Contou que, no primeiro ano (2003) eram 30 alunos na sala. Quando se formou, no ano passado, sobraram ele e mais quatro. Mas não era uma questão de grana. Rodolpho era o único bolsista entre os que entraram no mesmo ano. Era uma questão de paixão pelo trabalho, pelas artes.
Aliás, um parêntesis. Isso é absolutamente normal nos cursos da FAAP. Muito caros, a concorrência é pequena. Acaba atraindo, em sua maior parte, o inúteis endinheirados que não tem preocupação alguma com o futuro. A renda tá garantida. Escolhem o campo das artes pelo deslumbramento, não pela emoção. Abandonam tão logo percebem que a coisa, antes de pragmática é radical. Viver de arte no Brasil não é fácil. Mesmo para os mais ligados ao poder. Fecha parêntesis.
Rodolpho surgiu em 2006, quando iniciou sua série de trabalhos "apropri_ação", pintando sempre em cor preta, paredes brancas. Começou a ser contratado por colecionadores e galerias para fazer o trabalho. E a mudança de patamar veio no fim do ano, quando Bernardo Paz - famoso colecionador, casado com Adriana Varejão - adquiriu duas obras suas.
"A partir daí foi uma mudança total. Passei a ser contactado por diferentes galerias, colecionadores, comecei a ter horários, coerência de discurso, assistentes...". Rodolpho entrou para o mercado. Seus trabalhos, hoje, tem o preço mínimo de R$ 20 mil. Desses, 50% ficam com a galeria. Ele agora se prepara para sua primeira exposição individual, em fevereiro do próximo ano.
Durante a conversa ele disse estar lendo um livro sobre cores e política. Ele ficou impressionado com a idéia de que escolhemos a cor de nossas roupas a partir de nossos ideais sociais e políticos. Aproveitei a deixa para perguntar sobre seu trabalho, se ele é político ou não.
"Não, não é. Minhas influências são todas sexuais. Aliás, adoro o fato de meu trabalho ser extremamente comercial. Mas não posso ser um vendido, perder minha postura de artista por causa do mercado. Ao mesmo tempo, o mercado existe. Tenho de levar isso em consideração". O dilema fica claro.
E o país segue, sem que haja uma tendência de crítica ou contestação política diante do mundo em que vivemos. A popularização das artes é necessária, mas antes é preciso resolver os problemas imeadiatos. Afinal, é muito descolamento social fazer um desenho bonito enquanto os serviços públicos definham há séculos.
28 de novembro de 2008
Arte, política e mercado
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João Villaverde
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sexta-feira, novembro 28, 2008
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31 anos é muito cedo para ser consagrado e valer 20 mil. Não conheço a obra do citado artista, deve ser talentoso, mas o problema é que a cultura midiática e do espetáculo cria o fetiche do "artista jovem". Geralmente são talentosos(ou não) rapazes e moças que com seus trabalhos pouco desenvolvidos contribuem para a superficialidade da produção artística que se vê nas galerias e instituições públicas. Viva os artistas velhinhos! (eu incluído, claro)
Mô, achei bastante radical vc dizer: inúteis endinheirados da FAAP, que estudam por deslumbramento e não por emoção. Bem controversa essa afirmação. Não podemos generalizar tudo e todos.
Mas no final lembrei bastante da conversa que eu tive com o Jefferson De (lembra?!), diretor do Bróder - ainda para estrear. Ele disse praticamente a mesma coisa: não posso esquecer do público e do mercado, o público existe e eu não posso produzir de costas para ele, sei que ele assiste Faustão e vai ao shopping aos domingos.
Mas enfim... deixemos os artistas com suas artes (ou não - imitando o comentário de cima)!!!
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