Tropa de Elite prossegue gerando polêmica e aconteceu o que eu temia. Parte da esquerda "dura" decidiu crucificar o filme, enquanto a direita, talvez justamente por essa razão (além de outras) resolveu adotá-lo. Desta vez, todavia, a esquerda está errada. Reproduzo abaixo dois posts de Marcelo Salles, editor da revista Fazendo Media e blogueiro, nos quais ele encampa alegremente a teoria de "filme fascista". Lá embaixo, faço o debate.
A mídia de direita bate palma
28.02.2008 15h04 Comentários (4)
Por Marcelo Salles
Até este momento o “Bilhete à esquerda”, publicado abaixo, já recebeu 34 comentários (embora o contador tenha falhado). Os primeiros ressaltavam a mensagem de fundo do texto, qual seja, a importância de a esquerda acordar para a luta pela democratização da mídia, pois só assim, mudando as instituições com maior poder de produzir subjetividades, teremos condições de mudar a estrutura que mantém o Brasil como um dos cinco países mais injustos do mundo, segundo estudo da ONU divulgado esta semana.
Do meio para o final, os comentários detiveram-se basicamente no filme que, a pretexto de contar uma história do ponto de vista de um policial, reforça o fascismo social que permeia nosso dia-a-dia e contribui para a manutenção da iniquidade que assola o país. Sobre estes comentários, gostaria de ressaltar dois pontos:
1) Analisando pelo ponto de vista de que se trata apenas de uma obra de arte, é preciso dizer que isto seria aceitável vivêssemos em tempos de elevação espiritual e pleno desenvolvimento humano;
2) À luz da realidade nua e crua que nos cerca, a coisa muda de figura. Já escrevi aqui alguns comentários a respeito, mas como o tema é atual, volto a ele. O diretor prefere ignorar os críticos e negar que seu filme legitima a tortura e o homicídio com um argumento pueril: “Tortura é crime. Vocês queriam o quê, que eu colocasse uma plaquinha explicando isso?”, perguntou num debate na PUC-Rio. Assim ele nega sua própria condição de cineasta, pois desconsidera a etapa de construção dos personagens, o jogo de luz, o ângulo em que posiciona as câmeras em cada cena e etc. Todas características essenciais para a transmissão da mensagem que pode, sim, justificar qualquer barbaridade. Basta lembrarmos dos filmes que exaltavam Hitler e, para não ir tão longe, da mídia brasileira que ficou toda animadinha com o genocídio cometido pelos EUA no Iraque.
Além disso, o diretor omite alguns pontos-chave do livro que originou o filme, como a ênfase no poder das corporações de mídia, o que pode ser verificado na página 5: "[o uso do BOPE é definido] pela política de propaganda do governo, que delega à mídia as decisões sobre nossas prioridades". Clique aqui para ler uma breve resenha sobre o livro Elite da Tropa. O resultado final dessa “seleção” é a despolitização da obra, já que temas fundamentais são simplesmente abandonados. Claro que é muito provável que tenha havido interferência dos produtores estrangeiros, que investiram R$ 5 milhões e são ligados a poderosos grupos internacionais de mídia.
Outro ponto-chave apresentado no livro é a preocupação dos autores com a corrupção dentro do BOPE. Isto foi radicalmente ignorado pelo diretor do filme, cuja mensagem ensina que existe uma polícia boa (a que mata e tortura) e outra ruim (a corrupta). Esta crítica foi feita pelo delegado de Polícia Civil Orlando Zaccone e por outros policiais. Não veio de intelectuais enfurnados em suas torres de marfim. São pessoas que vivem no seio da corporação, sabem que o mundo não é feito de preto e branco e apontam. Prova de que o diretor optou por ignorar uma realidade foram as denúncias públicas sobre a corrupção dentro do BOPE. O advogado João Tancredo, presidente do Instituto dos Defensores de Direitos Humanos, foi até a favela do Fumacê ouvir alguns moradores. Segundo seu relato, cinco pessoas ligadas ao tráfico varejista de drogas foram executadas a sangue frio porque não conseguiram arrecadar os R$ 2 mil exigidos pela tropa.
Pra quem ainda acha que o que vale é a arte pela arte, é preciso ressaltar que as recentes mudanças na polícia foram desencadeadas logo após o filme. É como se o filme tivesse sido usado para formatar corações e mentes. E foram mudanças no sentido de endurecer ainda mais a política do governo Sérgio Cabral, que com um comandante considerado próximo aos direitos humanos à frente, matou 1.260 pessoas no ano passado. Sendo que esses são dados parciais (sem a totalidade das delegacias), mas mesmo assim suficientemente elevados para colocar a polícia do Rio entre as que mais matam no mundo. E a mídia de direita, claro, bate palma.
*
Bilhete à esquerda
21.02.2008 00h01 Comentários (0)
Por Marcelo Salles
Lá está o diretor com sua touca laranja a comemorar o prêmio. Lá está o ator principal a dizer que o prêmio cala a boca dos críticos. Lá está a atriz a beijar o troféu, conquistado em cima do sangue daqueles que tombam pelas mãos das tropas das elites.
Lá estão os principais responsáveis pela obra que deixou extasiados os comandantes das tropas das elites mundo afora. Lá está o deputado que tenta elevar o símbolo da morte à patrimônio cultural.
Lá estão as corporações de mídia a aplaudir o enredo macabro, seja nas páginas policiais ou segundos cadernos, internacional, economia ou política.
E onde estão os aliados da vida? Quando vão começar a articular uma rede de comunicação suficientemente grande para construir um novo discurso e, assim, enfrentar a barbárie? A esses dirijo esta breve mensagem. Caso ela os alcance, por gentileza respondam: que avanços conseguimos na luta pela vida nas últimas décadas? A vida tem sido mais respeitada hoje? E os milhões de seres humanos que são vitimados pelo sistema neoliberal? E os 14 milhões de brasileiros que passam fome, segundo o IBGE, num país rico e repleto de terras férteis? Não amigos, não estamos avançando. E estou convencido de que o inimigo se impõe justamente porque não dispomos dos meios de comunicação de massa que eles possuem.
Vocês, defensores dos direitos humanos, que estão nessa luta há mais tempo que eu, expliquem: como é que a direita pode estar no poder desde que eu me entendo por gente? Como, se é a direita quem mantém essa situação de exploração; se é ela quem sucateia os serviços públicos de qualidade; se é ela quem entrega a saúde, a educação, a própria vida dos seres humanos à cobiça das empresas privadas? Vocês podem me explicar como isso é possível? Sim, a direita tem dinheiro. E dinheiro compra belos slogans e propagandas publicitárias, cabos eleitorais e panfletos. Mas será que o dinheiro também não compra mídia?
Pra quem acha que estou falando de matéria paga, permita-me elevar o debate. Embora as reportagens encomendadas existam – e aos píncaros – a esquerda precisa atentar para algo maior: o sentido político da mensagem transmitida. Como as empresas que oligopolizam a mídia no Brasil defendem os interesses da direita, a subjetividade veiculada estará a serviço desses interesses. Em outras palavras, o que chegará à população são estímulos a formas conservadoras/reacionárias de agir, pensar e sentir. De modo que a esquerda não pode se limitar à crítica do consumismo irrefletido; ela terá que buscar suas causas. Também a esquerda não poderá restringir-se à crítica das políticas fascistas de segurança pública; é sua obrigação denunciar os veículos de comunicação que sustentam este discurso. E assim por diante.
*
Salles está cometendo grandiosos equívocos com sua posição. Em primeiro lugar, revela uma ingenuidade tamanho extra-large. "Mas será que o dinheiro também não compra mídia?" Uma frase desta é digna de ganhar o troféu O Ingênuo do ano. Salles, o dinheiro É A MÍDIA. Mas o reverso também é válido. A mídia também influencia o capital. Enfim, é melhor eu não discorrer sobre minha dialética pós-marxista. Não por enquanto. Vamos focar no filme. De qualquer forma, a ingenuidade, nem que seja apenas na maneira de se expressar, é gritante, e uma coisa não podemos mais admitir na esquerda: a ingenuidade. A esquerda não tem mais o direito de ser ingênua. Essa característica, embora isente seu proprietário de acusações morais pesadas, é a mais auto-destruidora, porque produz uma vulnerabilidade terrível. Os campeões da esquerda nunca foram ingênuos e sempre atacaram, inclusive violentamente, qualquer espécie de ingenuidade. Porque os ingênuos sempre se acham melhores, mais puros. Ingenuidade não é pureza. Ingenuidade é ignorância, e às vezes medo de encarar a verdade, sempre mais complexa, mais dura, mais angustiante e, sobretudo, mais perigosa.
Salles finaliza com essa bomba: "Pra quem ainda acha que o que vale é a arte pela arte, é preciso ressaltar que as recentes mudanças na polícia foram desencadeadas logo após o filme. "
Dois erros brutais. Tropa de Elite não tem nada a ver com arte pela arte. É um filme extremamente politizado e realista. Arte pela arte era a teoria estética de Mallarmé, poeta francês, conforme vemos nesse poema:
Uma linha de azul fina e pálida traça
Um lago, sob o céu atrás da nuvem clara
Molha no vidro da água um dos cronos aduncos,
Junto a três grandes cílios de esmeralda, juncos.
Tropa de Elite não tem nada a ver com "arte pela arte", repito. É um filme profundamente mobilizador de debates, e a prova está aqui mesmo, neste debate que estamos fazendo. Agora, dizer que Tropa de Elite foi responsável pelas mudanças recentes na polícia, é uma irresponsabilidade e uma tremenda injustiça. A polícia fluminense mata há décadas. Mais que isso, tem sido responsável por todas as grandes chacinas ocorridas no Grande Rio. Tropa de Elite não tem nada a ver com isso. Ao contrário, o Tropa de Elite produziu o debate necessário sobre as políticas de segurança pública. José Padilha não é, nunca foi, um cineasta alienado e inconsequente. Se o fosse, faria um filme sobre uma borboleta, ou sobre os dramas de uma adolescente e suas espinhas, como tantos outros o fazem. A temática escolhida foi extremamente corajosa. O que acontece é que, se os esquerdistas atacarem o seu filme, ele naturalmente irá atacar os esquerdistas. E dou-lhe toda a razão.
Os críticos do filme agora querem provar que Padilha, através do "jogo de luz, o ângulo em que posiciona as câmeras em cada cena, etc", poderia corrigir uma suposta abordagem "imoral" das cenas de tortura. Ora, aí é demais. Alguém acaso imagina Padilha, em confabulação com Satã, dirigindo uma cena de tortura que, deliberadamente, "legitimasse" a tortura? Arte é feita com intuição, com imaginação. O filme de Padilha não é perfeito. Ele pode ter errado nas cenas de tortura, mas atribuir o eventual erro (se é que há mesmo o erro, tudo é uma questão subjetiva) a "fascimo" é histeria ideológica que denigre profundamente a esquerda. Não há justificativa para esse tolo linchamento moral. Isso sim é fascista. Se acusam Padilha de fascista - ao acusar seu filme, é Padilha quem acusam -, ele pode da mesma forma chamar seus críticos de fascistas. Fascistas de esquerda, que também existiram. Gente que vê intenções malignas nos mais inocentes detalhes artísticos.
É natural que alguns não tenham gostado de Tropa de Elite. Arte também é uma questão de gosto. Mas daí a essa satanização do filme, é outra história. O mais importante é que não o façam em nome da esquerda, façam-no em caráter pessoal. Criticar filme usando uma ideologia como referência é absurdo, mesquinho, medíocre e nunca deu certo. Uma das razões da desmoralização das esquerdas junto a sociedade tem sido essa presunção - prenhe de autoritarismo grosseiro e infantil - de possuir uma fórmula estética superior. Com essa atitude, o socialismo perdeu grandes nomes, como Chagall, Maiakósvki, e afastou escritores profundamente humanistas, como Dostoiésvki. Pensei que isso havia acabado e me entristece ver que esses espasmos anacrônicos ainda acontecem.
Outra ingenuidade dos que criticam a Tropa de Elite é sobre a questão da segurança pública fluminense. A política de segurança pública brasileira, especificamente a fluminense, tem seus problemas, suas tragédias. É uma política assassina, sem respeito pela vida dos habitantes da periferia. Mas o filme Tropa de Elite não tem nada a ver com isso. Se existem culpados na arte, eu procuraria nos besteiróis do Miguel Fallabela. Mas não há culpados na arte. Existe a construção de uma ideologia e de um imaginário, tudo bem. Essa é a chamada super-estrutura que reforça o poder da infra-estrutura capitalista, segundo a teoria de Marx. Aí estão as novelas, os programas de auditório, o xou da xuxa, etc.
Entretanto, complicando mais as coisas, lembremos então da crítica de Walter Benjamin, que dizia que até a literatura dita proletária havia se tornado um entretenimento capitalista. Enfim, acho que nessa toada não chegaremos a lugar nenhum. E aí abordo outro grande erro de Salles: atribuir à esquerda o monopólio dos direitos humanos.
Observem esta frase de Salles:
"Vocês, defensores dos direitos humanos, que estão nessa luta há mais tempo que eu, expliquem: como é que a direita pode estar no poder desde que eu me entendo por gente?"
Olha só. Primeiro, ele chama os "defensores dos direitos humanos" de "vocês", como se ele próprio não fosse um defensor (embora logo depois escreva: "estão na luta há mais tempo que eu", novamente se incluindo). Foi um lapso, claro, mas indica que ele se refere a algum grupo abstrato, revelando uma idéia estereotipada, e confusa, dos "defendores dos direitos humanos", provavelmente associada a alguma associação ou ong. É confusa porque temos no mundo organizações defensoras de direitos humanos muito mais identificadas como anti-socialistas do que outra coisa, justamente por causa dos problemas com direitos humanos observados em países como China, Cuba e Coréia do Norte. Ou seja, a esquerda, definitivamente, não deve se arvorar "dona" dos direitos humanos. Falo isso porque sou um cara de esquerda e sou um defensor dos direitos humanos, mas compreendo que existe uma complexidade grande nesse assunto e não é uma resenha ingênua sobre o Tropa de Elite que vai resolver décadas de debates.
Sobre direita estar "no poder desde que eu me entendo por gente", também há desinformação. Ora, e o Brizola? Não foi ele governador do Rio de Janeiro? A política de educação de Brizola foi revolucionária, mas no quesito segurança pública não me lembro que tenha feito nada de marcante. Brizola era um dos símbolos maiores da esquerda. A família Garotinho, que governou por oito anos (1998 a 2006) o estado do Rio, também não pode ser considerada "de direita". Garotinho era socialista (por incrível que pareça), sua mulher também, e seus governos foram uma droga em todos os sentidos, principalmente no quesito da segurança pública, que nunca foi tão corrupta, brutal e assassina. Salles tem uma visão mítica de esquerda e direita e usa o termo "direita" como os evangélicos usam "diabo". É normal que ele odeie a direita, que lute contra a direita. Eu também o faço e estou a seu lado nesta luta. Mas não é com essa estratégia ingênua que obterá resultados. Ao contrário, ao se engajar nesta cruzada mambembe e patética contra o filme "Tropa de Elite" está prestando um enorme desserviço à esquerda e ajudando a direita a se arvorar campeã da liberdade artística.
Um filme, como qualquer obra de arte, precisa de tempo para que suas críticas e elogios sejam filtrados pela história e, assim, julgados por seu valor estético - que inclui sim o seu impacto político. Não se trata de "arte pela arte". Trata-se de arte, uma palavra só, poderosa e revolucionária, sempre. E não seja tão pessimista, Salles, a menos que seja um estilo literário, o que é sempre bem vindo. Mas acho que não é o caso... Eu estou mais otimista que nunca. As coisas vão melhorar para o Rio de Janeiro. Eu não via saída para a violência do Rio porque o Estado estava falido economicamente. Agora, temos grandes indústrias se instalando, e nas regiões mais pobres. Temos a refinaria de Itaboraí, a maior da América Latina, ainda a ser construída. O Porto de Sepetiba e o cinturão de indústrias que o rodeará. Os campos gigantes de Petróleo, quase todos na bacia oceânica do Rio. E, pensando não apenas no Estado, mas no Brasil, voltamos a crescer de forma pujante e sustentável. Economistas do mundo inteiro estão otimistas com o Brasil, colocando dinheiro aqui. Entenda: não é dinheiro especulativo que está entrando no país, como antes, é dinheiro para indústria, dinheiro para ficar no Brasil e gerar empregos por um longo período. Até a Miriam Leitão começa a se render. E não é a direita que está no poder, é? Para o PSOL, é. Mas você acha que o PSOL é o representante da esquerda brasileira? Quantos votos o PSOL representa, se tirarmos os votos de "protesto". Quantos sindicatos, agricultores, pequenos empresários, se sentem representados pelo PSOL? Estamos falando do mesmo PSOL que comemora abraçado ao DEM e PSDB todas as vitórias da oposição contra o governo Lula?
Ademais, você omite fatos fundamentais em sua crítica ao Tropa de Elite. Omite o PAC nas favelas cariocas. Omite o Pronasci, programa de segurança pública que irá valorizar o policial, permitindo-lhe que obtenha melhor formação, renda e segurança pessoal.
Os policiais, caro Salles, não são culpados. São empregados, são vítimas. Morrem e, quando matam ou torturam, convivem com os danos psicológicos decorrentes. Tropa de Elite mostra isso. O despreparo, a corrupção e a fragilidade dos policiais. Eles também morrem. Salles também é ingênuo na sua avaliação da guerra contra o crime. O Estado, constitucional, moral e democraticamente, tem o monopólio da violência. O Estado tem o dever de combater o crime e, muitas vezes, não há outra alternativa que não o conflito bélico. O problema no Rio é a falta de preparo dos policiais, que não respeitam a segurança dos moradores da periferia, e iniciam tiroteios em áreas e horários movimentados. Mas o problema é de estratégia. Temos que ficar, esquerda ou direita, ao lado da polícia. Mesmo a polícia não sendo perfeita, mesmo estando errada, ela é que é tem a chancela legal e democrática, visto que somos nós que elegemos os governantes, para usar de violência. Essa é uma das mensagens do filme Tropa de Elite, que é coisa nossa, filme brasileiro que ganhou o Urso de Berlim, um dos mais importantes prêmios do mundo, num júri presidido por Costa Gavras, diretor de Estado de Sítio, e que poderia ter ganho o Oscar, não fosse justamente esse preconceito pseudo-esquerdista contra o filme. Um esquerdismo tosco e ingênuo, não se esqueçam, é o prelúdio de uma vitória esmagadora da direita no Brasil, o que poderia criar um efeito cascata, derrubando todos os governos de esquerda da América do Sul e Central. Cuidado!
28 de fevereiro de 2008
Errare est humanum
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Alguns leitores atentos observaram (com objetivo de ajudar o blogueiro) que eu erro muito, na ortografia, na conjugação, etc. Mas condescenderam que se trataria, na maior parte dos casos, de falta de atenção. Outros talvez tenham notado que eu estou sempre corrigindo os textos. Esse blog funciona assim. É uma espécie de caderno pessoal e quando eu escrevia em cadernos, tinha o costume de rasurar horrivelmente minhas anotações. Hoje não rasuro mais, entro no blogger e corrijo o texto. Portanto, be cool my sweet old friend!
PS: Esse texto, por exemplo, acaba de ser corrigido.
PS2: Para esse post não ficar tão péla-saco, insiro aqui duas informações legais. Uma é o curso de latim do meu tio, que por acaso tem o mesmo nome que eu, Miguel Barbosa do Rosário. Ele é o maior latinista vivo do Brasil. E seu curso é excelente. Para mim, o latim deveria voltar a ser ensinado nas escolas. Senão obrigatório, ao menos como disciplina opcional. É uma lingua belíssima, é a mãe do português, de todas as línguas latinas e influenciou profundamente o inglês e o alemão. Meu tio está preparando a sua gramática e, enquanto não o faz, disponibilizou o seu curso gratuitamente na internet, neste site aqui.
Qui gladio ferit, gladio perit. Quem fere com ferro, com ferro será ferido. (sei lá porque escolhi essa frase). Catei aqui.
Outra dica é um curso de alemão online, com áudio. Gratuito.
PS: Esse texto, por exemplo, acaba de ser corrigido.
PS2: Para esse post não ficar tão péla-saco, insiro aqui duas informações legais. Uma é o curso de latim do meu tio, que por acaso tem o mesmo nome que eu, Miguel Barbosa do Rosário. Ele é o maior latinista vivo do Brasil. E seu curso é excelente. Para mim, o latim deveria voltar a ser ensinado nas escolas. Senão obrigatório, ao menos como disciplina opcional. É uma lingua belíssima, é a mãe do português, de todas as línguas latinas e influenciou profundamente o inglês e o alemão. Meu tio está preparando a sua gramática e, enquanto não o faz, disponibilizou o seu curso gratuitamente na internet, neste site aqui.
Qui gladio ferit, gladio perit. Quem fere com ferro, com ferro será ferido. (sei lá porque escolhi essa frase). Catei aqui.
Outra dica é um curso de alemão online, com áudio. Gratuito.
27 de fevereiro de 2008
Onde o cinema não tem vez
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Fui ver Onde os Fracos Não Têm Vez, dos Irmãos Cohen. Filmão, bem feito pra cacete. Só não gostei do final brusco. Sou bem careta e convencional com narrativas. Gosto das bem estruturadas e sempre tive a sensação de que muitos cineastas perdem boas oportunidades de fazer bons filmes por optarem por um toque modernoso às histórias. Por mais que eu me esforce manter a pose de cinéfilo culto, essas histórias sem final me deixam sempre meio frustrado e um outro meio irritado. Não sei se mereceu o Oscar, pessoalmente eu prefiro Senhores do Crime, do grande Cronenberg.
Mas eu queria falar mesmo é do Tropa de Elite. Um amigo enviou-me um artigo publicado no The Guardian, sobre o filme. Chamando-o de fascista, etc. Recorto algumas frases e comento abaixo.
Mas o Brasil é também o país mais desigual do mundo e, ao ignorar as razões sociais da violência, o filme enaltece uma estratégia que por si só demonstra seu fracasso.
O autor, nitidamente, confunde a sua interpretação do filme ou, o que é pior, uma interpretação clichê que leu em algum lugar, com o filme em si. Tropa de Elite não ignora as razões sociais do crime. Mas trata-se de uma ficção e não de um documentário sobre "as razões sociais" do crime. Não há enaltecimento nenhum da estratégia, mas a revelação de uma realidade de conflito. Naturalmente, a força dramática entra para dar carga emocional às cenas. A diferença é que, em Tropa de Elite, os protagonistas não são os bandidos e sim a polícia. Com isso, Tropa de Elite rompe uma já enraizada tradição do cinema brasileiro e mesmo de grande parte do cinema americano, desde os filmes de gângster, que era descrever o conflito marginal X autoridade do ponto-de-vista do marginal. Entretanto, assim como os filmes de gângster não supunham nenhum enaltecimento do crime, Tropa de Elite também não o faz com a violência policial. É um filme de ficção e não um manual de segurança pública. O que acontece é que, devido à terrível verossimilhança (uma das qualidades essenciais de uma tragédia, segundo a Poética de Aristóteles), as pessoas tendem a atribuir qualidades, ou defeitos, didáticos e políticos no filme. Esquecendo que se trata apenas de um filme.
Em um determinado ponto no filme, Matias confronta um grupo de pessoas em passeata protestando contra a morte de seus colegas universitários assassinados, acusando-os de só se importarem quando a violência atinge a classe média. Uma série de estudos tem demonstrado que estes programas, que o filme extrapola ao difamá-los, têm obtido sucesso na redução dos crimes.
O autor não conhece a realidade brasileira, onde essas passeatas têm um histórico péssimo, desde a Marcha da Família, que defendia o golpe militar, passando por recentes manifestações elitistas e, em certo grau, também golpistas, como o Basta! e o Cansei! Tá certo que a passeata em questão não é nenhuma dessas. Mas é passeata de classe média na zona sul. Fez cama deita na cama. Os pobres e favelados sempre foram tratados com clichê. A classe média não pode suportar nem um clichezinho básico? A bem da verdade, essas pessoas realmente só se importam quando alguns dos seus morrem. Há um tremendo apartheid disfarçado nessas passeatas. Ninguém fez passeata na zona sul com as chacinas frequentes que assolam o Grande Rio.
As cenas de tortura e violência não são apenas chocantes por causa do seu impacto, mas também porque desumanizam os moradores das favelas a quem são infligidas.
Peraí. As cenas de tortura e violência são chocantes por várias razões. Inflingir a dor também é humanizar. Nesse filme dos irmãos Cohen que ganhou o Oscar, Onde os fracos não têm vez, ninguém reclamou que os assassinados foram desumanizados. Padilha tinha que fazer o quê? O filme já tem uma gama enorme de personagens. O filme humaniza os policiais, o que já é uma grande coisa, num país onde policiais são mal pagos e discrimnados pela sociedade.
Mas eu queria falar mesmo é do Tropa de Elite. Um amigo enviou-me um artigo publicado no The Guardian, sobre o filme. Chamando-o de fascista, etc. Recorto algumas frases e comento abaixo.
Mas o Brasil é também o país mais desigual do mundo e, ao ignorar as razões sociais da violência, o filme enaltece uma estratégia que por si só demonstra seu fracasso.
O autor, nitidamente, confunde a sua interpretação do filme ou, o que é pior, uma interpretação clichê que leu em algum lugar, com o filme em si. Tropa de Elite não ignora as razões sociais do crime. Mas trata-se de uma ficção e não de um documentário sobre "as razões sociais" do crime. Não há enaltecimento nenhum da estratégia, mas a revelação de uma realidade de conflito. Naturalmente, a força dramática entra para dar carga emocional às cenas. A diferença é que, em Tropa de Elite, os protagonistas não são os bandidos e sim a polícia. Com isso, Tropa de Elite rompe uma já enraizada tradição do cinema brasileiro e mesmo de grande parte do cinema americano, desde os filmes de gângster, que era descrever o conflito marginal X autoridade do ponto-de-vista do marginal. Entretanto, assim como os filmes de gângster não supunham nenhum enaltecimento do crime, Tropa de Elite também não o faz com a violência policial. É um filme de ficção e não um manual de segurança pública. O que acontece é que, devido à terrível verossimilhança (uma das qualidades essenciais de uma tragédia, segundo a Poética de Aristóteles), as pessoas tendem a atribuir qualidades, ou defeitos, didáticos e políticos no filme. Esquecendo que se trata apenas de um filme.
Em um determinado ponto no filme, Matias confronta um grupo de pessoas em passeata protestando contra a morte de seus colegas universitários assassinados, acusando-os de só se importarem quando a violência atinge a classe média. Uma série de estudos tem demonstrado que estes programas, que o filme extrapola ao difamá-los, têm obtido sucesso na redução dos crimes.
O autor não conhece a realidade brasileira, onde essas passeatas têm um histórico péssimo, desde a Marcha da Família, que defendia o golpe militar, passando por recentes manifestações elitistas e, em certo grau, também golpistas, como o Basta! e o Cansei! Tá certo que a passeata em questão não é nenhuma dessas. Mas é passeata de classe média na zona sul. Fez cama deita na cama. Os pobres e favelados sempre foram tratados com clichê. A classe média não pode suportar nem um clichezinho básico? A bem da verdade, essas pessoas realmente só se importam quando alguns dos seus morrem. Há um tremendo apartheid disfarçado nessas passeatas. Ninguém fez passeata na zona sul com as chacinas frequentes que assolam o Grande Rio.
As cenas de tortura e violência não são apenas chocantes por causa do seu impacto, mas também porque desumanizam os moradores das favelas a quem são infligidas.
Peraí. As cenas de tortura e violência são chocantes por várias razões. Inflingir a dor também é humanizar. Nesse filme dos irmãos Cohen que ganhou o Oscar, Onde os fracos não têm vez, ninguém reclamou que os assassinados foram desumanizados. Padilha tinha que fazer o quê? O filme já tem uma gama enorme de personagens. O filme humaniza os policiais, o que já é uma grande coisa, num país onde policiais são mal pagos e discrimnados pela sociedade.
Anotações para um romance, parte 1
2 comentarios
Hoje fui à Biblioteca Nacional, na Avenida Rio Branco, pesquisar edições antigas do jornal O Globo. Fiquei algum tempo lendo as edições do ano de 1954. Impressionaram-me duas coisas. A primeira foi a manipulação das notícias referentes ao golpe militar na Guatemala, ocorrido naquele ano. Para um leitor do Globo, o governo democrativamente eleito de José Arbenz queria implantar uma ditadura comunista. Não era nada disso. O que ocorria é que, naqueles tempos fanáticos, qualquer governante com a mais leve veleidade "esquerdista", como querer fazer uma reforma agrária, era acusado de flertar com o totalitarismo. Enfim, os militares derrubaram Arbenz e, eles sim, cancelaram eleições e implantaram um regime ditatorial. Para os leitores do Globo de 1954, eram chefes revolucionários que haviam tolhido a marcha do comunismo na América Latina. As primeiras declarações do novo governo guatemalteco não deixa dúvida sobre suas preocupações "sociais": quer eliminar o comunismo no país. Como ficamos sabemos dez anos depois, isso implicava em proibir livros como "O vermelho e o negro", de Stendhal, por causa da terrível palavra "vermelho".
Também foi curioso ler um trecho de editorial do New York Times, pedindo que o governo americano não intervisse no "novo governo", e criticando totalitarismos "à esquerda" e "à direita", sem distinguir um governo democrático legítimo e outro fruto de um putch militar notoriamente bancado pelos EUA. O New York Times sempre foi hipócrita. Cala-se diante das artimanhas dos governos americanos e depois pinta-se de bonzinho e crítico, para ficar bem na foto da chamada "imprensa democrática". A única coisa digna a fazer naquele momento era condenar peremptoriamente qualquer tentativa de tomar o poder que não fosse pelo processo democrático.
Outra coisa que me impressionou foi a campanha do Globo e senadores da direita contra o novo salário mínimo. Aprovado pelo Congresso Nacional, o novo salário mínimo despertou uma onda de ódio no empresariado nacional. Parlamentares da UDN (o DEM da época) entraram com uma ação de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra o novo salário mínimo. Um deputado, em reunião com a Associação das Donas de Casa, assegurou às nobres senhoras que as empregadas domésticas estavam, logicamente, fora da lei do salário mínimo - visto que tinham "comida" e "moradia" na casa dos patrões. Pois é. Os escravos também tinham. Juro que li isso.
A votação no Supremo produziu grande expectativa no país. De um lado, os enormes sindicatos de trabalhadores, que serão destruídos pela ditadura dez anos depois, de outro, uma minoria de parlamentares da direita e a mídia. O interessante é observar que os partidos de direita viviam uma tremenda crise interna, em função da popularidade de Vargas. Tinham apoio de grandes empresários e da mídia, mas perdiam votos e não elegiam maiorias nos parlamentos. Por isso, apelavam para o Supremo. Qualquer semelhança com o presente não é mera coincidência.
Enfim, o Supremo declara que o novo salário mínimo é absolutamente constitucional. Os sindicatos comemoram eufóricos, inclusive publicando anúncios no Globo.
Um terceiro fato interessante é notar que, hoje, sabemos que, naquele mandato de 1950 a 1954, Vargas fez grandes realizações, como a criação da Eletrobrás, da Eletrobrás, além da consolidação da legislação trabalhista. Enfim, várias medidas que continuavam o que Vargas já tinha iniciado durante o Estado Novo. Pelo Globo, porém, pouco se sabe. Ele - O Globo - se limitava a fazer campanha contra qualquer medida em prol do trabalhador brasileiro. Fazia-se um terrorismo chulo e mau caráter, martelando a idéia fixa de que o aumento dos salários produziria demissões em massa. Ninguém ponderava que a melhora do poder aquisitivo da população economicamente ativa injetaria dinheiro no mercado doméstico, num ciclo positivo que seria benéfico para empresas e trabalhadores.
Eu queria escrever um romance mais ou menos no estilo do Complô contra a América, do Philip Roth. Nesse romance, Vargas não se suicidaria. Seria deposto pelos militares. O golpe militar, portanto, teria início dez anos antes, em 1954. Tive vontade de escrever uma ficção sobre o segundo mandato de Vargas porque lembrei de Rubem Fonseca e seu Agosto. O livro virou seriado na Globo e foi a grande alavanca de vendas para as obras de Fonseca. Entretanto, as tensões da época, as paixões políticas, os sindicatos poderosos, o comunismo duro, os udenistas, a classe média moralista, a atmosfera de guerra fria, possuem elementos extraordinários para uma ficção - e não foram satisfatoriamente,ao menos para mim, captadas pela imaginação de Fonseca.
Voltarei à biblioteca e continuarei pensando no romance. Para ser interessante, não posso me limitar à política, naturalmente. A época tem outras características facinantes. A Hungria era a seleção favorita da Copa do Mundo de 1954 e Olaria era um dos principais times do Rio de Janeiro.
Também foi curioso ler um trecho de editorial do New York Times, pedindo que o governo americano não intervisse no "novo governo", e criticando totalitarismos "à esquerda" e "à direita", sem distinguir um governo democrático legítimo e outro fruto de um putch militar notoriamente bancado pelos EUA. O New York Times sempre foi hipócrita. Cala-se diante das artimanhas dos governos americanos e depois pinta-se de bonzinho e crítico, para ficar bem na foto da chamada "imprensa democrática". A única coisa digna a fazer naquele momento era condenar peremptoriamente qualquer tentativa de tomar o poder que não fosse pelo processo democrático.
Outra coisa que me impressionou foi a campanha do Globo e senadores da direita contra o novo salário mínimo. Aprovado pelo Congresso Nacional, o novo salário mínimo despertou uma onda de ódio no empresariado nacional. Parlamentares da UDN (o DEM da época) entraram com uma ação de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra o novo salário mínimo. Um deputado, em reunião com a Associação das Donas de Casa, assegurou às nobres senhoras que as empregadas domésticas estavam, logicamente, fora da lei do salário mínimo - visto que tinham "comida" e "moradia" na casa dos patrões. Pois é. Os escravos também tinham. Juro que li isso.
A votação no Supremo produziu grande expectativa no país. De um lado, os enormes sindicatos de trabalhadores, que serão destruídos pela ditadura dez anos depois, de outro, uma minoria de parlamentares da direita e a mídia. O interessante é observar que os partidos de direita viviam uma tremenda crise interna, em função da popularidade de Vargas. Tinham apoio de grandes empresários e da mídia, mas perdiam votos e não elegiam maiorias nos parlamentos. Por isso, apelavam para o Supremo. Qualquer semelhança com o presente não é mera coincidência.
Enfim, o Supremo declara que o novo salário mínimo é absolutamente constitucional. Os sindicatos comemoram eufóricos, inclusive publicando anúncios no Globo.
Um terceiro fato interessante é notar que, hoje, sabemos que, naquele mandato de 1950 a 1954, Vargas fez grandes realizações, como a criação da Eletrobrás, da Eletrobrás, além da consolidação da legislação trabalhista. Enfim, várias medidas que continuavam o que Vargas já tinha iniciado durante o Estado Novo. Pelo Globo, porém, pouco se sabe. Ele - O Globo - se limitava a fazer campanha contra qualquer medida em prol do trabalhador brasileiro. Fazia-se um terrorismo chulo e mau caráter, martelando a idéia fixa de que o aumento dos salários produziria demissões em massa. Ninguém ponderava que a melhora do poder aquisitivo da população economicamente ativa injetaria dinheiro no mercado doméstico, num ciclo positivo que seria benéfico para empresas e trabalhadores.
Eu queria escrever um romance mais ou menos no estilo do Complô contra a América, do Philip Roth. Nesse romance, Vargas não se suicidaria. Seria deposto pelos militares. O golpe militar, portanto, teria início dez anos antes, em 1954. Tive vontade de escrever uma ficção sobre o segundo mandato de Vargas porque lembrei de Rubem Fonseca e seu Agosto. O livro virou seriado na Globo e foi a grande alavanca de vendas para as obras de Fonseca. Entretanto, as tensões da época, as paixões políticas, os sindicatos poderosos, o comunismo duro, os udenistas, a classe média moralista, a atmosfera de guerra fria, possuem elementos extraordinários para uma ficção - e não foram satisfatoriamente,ao menos para mim, captadas pela imaginação de Fonseca.
Voltarei à biblioteca e continuarei pensando no romance. Para ser interessante, não posso me limitar à política, naturalmente. A época tem outras características facinantes. A Hungria era a seleção favorita da Copa do Mundo de 1954 e Olaria era um dos principais times do Rio de Janeiro.
# Escrito por
Miguel do Rosário
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quarta-feira, fevereiro 27, 2008
2 comentarios # Etichette: Crônica, Literatura
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26 de fevereiro de 2008
A ditadura brasileira foi a pior de todas
12 comentarios
(Idéia ótima desse cara. Toda a vez que usar a palavra Veja, linke esse endereço: http://luis.nassif.googlepages.com/)
A ditadura cubana foi pior que a brasileira? O blogueiro esgoto da Veja acha que sim e traz números. Aqui, segundo ele, morreram 400 pessoas, vítimas do regime. Lá foram 40 mil, tirante os milhões que fugiram para os Estados Unidos.
Bem, tenho algumas observações a fazer sobre isso. Primeiro, sobre o número de mortos. A informação é obviamente incorreta. Nem que o chefe de Estado fosse Ghandi ou São Francisco, o governo teria matado apenas 400 pessoas em 20 anos. A contabilidade vale apenas para as mortes mais visíveis, de pessoas de classe média. Contabilizar mortos num país com 8 milhões de quilômetros quadrados é bem mais difícil que numa ilha com 115 mil quilômetros quadrados, a 140 km dos EUA, principal centro de jornalismo e mídia do mundo, com todo interesse para ampliar e divulgar qualquer morte registrada em território "inimigo". Além disso, os EUA patrocinaram uma contra-guerrilha em Cuba e não fizeram o mesmo no Brasil, até porque o regime que ajudaram a implantar aqui era "amigo".
Há uma diferença fundamental. O Brasil vivia um momento democrático. Tenso, mas democrático. Com eleições presidenciais, estaduais, municipais. Com legislativo e judiciário livres. Cuba não. Cuba vivia uma ditadura sanguinária, corrupta e patrocinada pelo país mais rico do mundo. É evidente que num contexto desses, o número de mortes aumenta. Segundo qualquer teoria, capitalista ou comunista, o Estado tem o monopólio da violência e a obrigação de defender o povo que ele representa. Fidel foi deputado federal em Cuba. Acreditava na democracia. Nem comunista era. A guerrilha cubana tem início quando Fulgência Batista cancela as eleições e impõe um regime totalitário.
Aqui no Brasil, o golpe militar foi realizado quando a direita, enfraquecida politicamente, recebe apoio de empresários acostumados com os privilégios governamentais, percebe que sua única chance de alcançar o poder é sequestrando a democracia. Quer terrorismo pior que esse? Matar não somente pessoas, mas a esperança de uma nação gigante, com mais de 100 milhões de pessoas e que ainda vivia o início de um processo de industrialização e autonomia econômica?
A revolução cubana foi uma autêntica revolta popular. A guerrilha castrista não tinha recursos, e viviam da ajuda de populares e intelectuais. A nossa ditadura foi uma porrada vinda de cima, dos altos escalões militares e do grande empresariado, com apoio do embaixador americano. Foi um "putch" militar. Fidel lutou contra uma ditadura que matava, torturava, que não permitia ao povo cubano ter esperanças, que vendia o país descaradamente aos mafiosos americanos. Há toda uma literatura sobre isso.
E há a tortura, praticada sistematicamente pelo Estado brasileiro. Cuba vivia uma guerra civil realmente grave, porque financiada por seu vizinho. As forças de segurança do Brasil esbaldaram-se no mais vil sadismo. Meu tio, Francisco do Rosário Barbosa, que não era filiado a nenhum partido nem militava em nenhuma causa (e se o fosse, o fato continua o mesmo) foi torturado medievalmente até a morte, com menos de 30 anos. Não penso o que penso por causa disso. Mas é um fato. Ele foi torturado pela polícia apenas por sadismo - sendo que dá até pena colocar o Sade nesse tipo de crueldade mesquinha sem a mínima relação com erotismo.
Se você acrescentar que a ditadura brasileira destruiu o sistema educacional e de saúde do país, terá uma excelente contabilidade mortuária para exibir ao futuro. A ditadura cubana, nesse ponto, proporcionou o melhor sistema de saúde e de educação de toda a América Latina, em alguns casos até melhor que os Estados Unidos. Se você contabilizar a redução da mortalidade infantil realizada pela revolução cubana, teremos que pensar se não é o caso de incluir esses números nessa guerrinha infantil em torno de quem matou mais.
A ditadura brasileira, por essas razões, foi muito pior que a ditadura cubana e a Veja e seus cachorrinhos brabos (que se consideram pitbulls porque ladram alto e mordem por trás) representam o rebotalho, o vômito fétido de uma nação que ainda não digeriu bem o que lhe aconteceu durante os anos de chumbo.
Ah, sobre os milhões que fugiram para os EUA, basta comparar com outros milhões que fugiram de qualquer outro país caribenho para ver que o regime castrista não influenciou tanto assim. Os latinos pobres, como qualquer pobre do mundo, vão atrás onde há empregos e possibilidade de riqueza.
A ditadura cubana foi pior que a brasileira? O blogueiro esgoto da Veja acha que sim e traz números. Aqui, segundo ele, morreram 400 pessoas, vítimas do regime. Lá foram 40 mil, tirante os milhões que fugiram para os Estados Unidos.
Bem, tenho algumas observações a fazer sobre isso. Primeiro, sobre o número de mortos. A informação é obviamente incorreta. Nem que o chefe de Estado fosse Ghandi ou São Francisco, o governo teria matado apenas 400 pessoas em 20 anos. A contabilidade vale apenas para as mortes mais visíveis, de pessoas de classe média. Contabilizar mortos num país com 8 milhões de quilômetros quadrados é bem mais difícil que numa ilha com 115 mil quilômetros quadrados, a 140 km dos EUA, principal centro de jornalismo e mídia do mundo, com todo interesse para ampliar e divulgar qualquer morte registrada em território "inimigo". Além disso, os EUA patrocinaram uma contra-guerrilha em Cuba e não fizeram o mesmo no Brasil, até porque o regime que ajudaram a implantar aqui era "amigo".
Há uma diferença fundamental. O Brasil vivia um momento democrático. Tenso, mas democrático. Com eleições presidenciais, estaduais, municipais. Com legislativo e judiciário livres. Cuba não. Cuba vivia uma ditadura sanguinária, corrupta e patrocinada pelo país mais rico do mundo. É evidente que num contexto desses, o número de mortes aumenta. Segundo qualquer teoria, capitalista ou comunista, o Estado tem o monopólio da violência e a obrigação de defender o povo que ele representa. Fidel foi deputado federal em Cuba. Acreditava na democracia. Nem comunista era. A guerrilha cubana tem início quando Fulgência Batista cancela as eleições e impõe um regime totalitário.
Aqui no Brasil, o golpe militar foi realizado quando a direita, enfraquecida politicamente, recebe apoio de empresários acostumados com os privilégios governamentais, percebe que sua única chance de alcançar o poder é sequestrando a democracia. Quer terrorismo pior que esse? Matar não somente pessoas, mas a esperança de uma nação gigante, com mais de 100 milhões de pessoas e que ainda vivia o início de um processo de industrialização e autonomia econômica?
A revolução cubana foi uma autêntica revolta popular. A guerrilha castrista não tinha recursos, e viviam da ajuda de populares e intelectuais. A nossa ditadura foi uma porrada vinda de cima, dos altos escalões militares e do grande empresariado, com apoio do embaixador americano. Foi um "putch" militar. Fidel lutou contra uma ditadura que matava, torturava, que não permitia ao povo cubano ter esperanças, que vendia o país descaradamente aos mafiosos americanos. Há toda uma literatura sobre isso.
E há a tortura, praticada sistematicamente pelo Estado brasileiro. Cuba vivia uma guerra civil realmente grave, porque financiada por seu vizinho. As forças de segurança do Brasil esbaldaram-se no mais vil sadismo. Meu tio, Francisco do Rosário Barbosa, que não era filiado a nenhum partido nem militava em nenhuma causa (e se o fosse, o fato continua o mesmo) foi torturado medievalmente até a morte, com menos de 30 anos. Não penso o que penso por causa disso. Mas é um fato. Ele foi torturado pela polícia apenas por sadismo - sendo que dá até pena colocar o Sade nesse tipo de crueldade mesquinha sem a mínima relação com erotismo.
Se você acrescentar que a ditadura brasileira destruiu o sistema educacional e de saúde do país, terá uma excelente contabilidade mortuária para exibir ao futuro. A ditadura cubana, nesse ponto, proporcionou o melhor sistema de saúde e de educação de toda a América Latina, em alguns casos até melhor que os Estados Unidos. Se você contabilizar a redução da mortalidade infantil realizada pela revolução cubana, teremos que pensar se não é o caso de incluir esses números nessa guerrinha infantil em torno de quem matou mais.
A ditadura brasileira, por essas razões, foi muito pior que a ditadura cubana e a Veja e seus cachorrinhos brabos (que se consideram pitbulls porque ladram alto e mordem por trás) representam o rebotalho, o vômito fétido de uma nação que ainda não digeriu bem o que lhe aconteceu durante os anos de chumbo.
Ah, sobre os milhões que fugiram para os EUA, basta comparar com outros milhões que fugiram de qualquer outro país caribenho para ver que o regime castrista não influenciou tanto assim. Os latinos pobres, como qualquer pobre do mundo, vão atrás onde há empregos e possibilidade de riqueza.
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Miguel do Rosário
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terça-feira, fevereiro 26, 2008
12 comentarios # Etichette: Ditabranda, História, Política
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24 de fevereiro de 2008
Notas cinematográficas & livros recebidos
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Fui assistir Senhores do Crime, de David Cronenberg. Tremendo filme. Eu gosto muito da obra de Cronenberg, desde o clássico Scanner, até Almoço Nu, baseado no livro homônimo de William Burroughs. Achei bem melhor que o Sangue Negro, do Paul Thomas Anderson, que apesar do desempenho brilhante do Daniel Day-Lewis, não consegue desenvolver a trama. É legal - ainda sobre Sangue Negro - por mostrar, em detalhes, como foram as primeiras explorações de petróleo nos EUA. Sob todos os pontos de vista, desde a prospecção quase instintiva e o sistema arcaico usado para retirar o petróleo do subsolo, até a corrida imobiliária por terras que possuíssem jazidas do combustível.
Aproveito para elogiar o longa-metragem Meu nome não é Jonnhy. Li duas resenhas publicadas no Jornal do Brasil que espinafram o filme por não mostrar o traficante como um vilão e apresentar o tráfico e o consumo de drogas sem uma condenação moral aberta e enfática. Esse tipo de crítica deriva da falta de noção sobre as qualidades essenciais de uma obra de arte, que incluem originalidade e soberania morais. Regras morais não valem no interior de uma obra de arte, porque a arte transita por um universo extra-moral, livre, vagabundo, infinito, calhorda e santificado.
*
Recebi o livro Toda Prosa, volume II, da Márcia Denser, editora Record. Livro excepcional, reunindo contos da incendiária escritora paulista.
Também chegou pelo correio, há tempos, o livro de contos de Paulo Scott, Ainda Orangotangos. Livro muito bom. Quer dizer, "muito bom" não explica. Os contos de Scott mesclam precisão suíça com paixão tropical. Mais: Scott consegue realmente ser original e fazer literatura de vanguarda, sem apelar para artificialismos, na casca e no miolo.
Aproveito para elogiar o longa-metragem Meu nome não é Jonnhy. Li duas resenhas publicadas no Jornal do Brasil que espinafram o filme por não mostrar o traficante como um vilão e apresentar o tráfico e o consumo de drogas sem uma condenação moral aberta e enfática. Esse tipo de crítica deriva da falta de noção sobre as qualidades essenciais de uma obra de arte, que incluem originalidade e soberania morais. Regras morais não valem no interior de uma obra de arte, porque a arte transita por um universo extra-moral, livre, vagabundo, infinito, calhorda e santificado.
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Recebi o livro Toda Prosa, volume II, da Márcia Denser, editora Record. Livro excepcional, reunindo contos da incendiária escritora paulista.
Também chegou pelo correio, há tempos, o livro de contos de Paulo Scott, Ainda Orangotangos. Livro muito bom. Quer dizer, "muito bom" não explica. Os contos de Scott mesclam precisão suíça com paixão tropical. Mais: Scott consegue realmente ser original e fazer literatura de vanguarda, sem apelar para artificialismos, na casca e no miolo.
22 de fevereiro de 2008
A versão do Ministro
Seja o primeiro a comentar!
16 perguntas e respostas para o ministro do Esporte
Circula, em gabinetes do Senado e da Câmara dos Deputados, um texto sobre a conduta do ministro Orlando Silva, ao que tudo indica escrito por alguém do Ministério do Esporte, que responde ponto por ponto às interpelações que a mídia não se cansa de fazer sobre aquele que ficou conhecido como o ''Caso da Tapioca''. Veja a íntegra do documento, redigido sob a forma de perguntas e respostas.
Oministro do Esporte Orlando Silva foi o terceiro ministro que mais utilizou o cartão de pagamentos do Governo Federal?
Sim. No ano de 2007, o ministro do esporte foi o terceiro que mais utilizou, de um total de seis ministros que usam o cartão. Os outros 31 ministros efetuam formas de pagamentos diferentes.
O ministro é a favor do uso do cartão corporativo?
Sim. E o atual Governo Federal o utiliza, pois o mesmo permite maior transparência e controle do gasto público.
Por que o ministro do esporte devolveu o seu gasto com o cartão?
Assim que surgiu a polêmica sobre o uso do cartão de pagamentos do governo federal houve uma grande divergência de opiniões sobre o que pode ou não ser pago com ele. Muitas notícias faziam ilações sobre a conduta ética e moral do ministro. As explicações da assessoria do ministério eram sistematicamente ocultadas ou distorcidas, numa clara manipulação política. Era preciso uma atitude que explicitasse a indignação perante a isto e indicasse a correção da conduta e do respeito à legalidade adotados pelo ministério. Para que não paire nenhuma dúvida e até que tudo se esclareça, o ministro do esporte devolveu o valor de R$ 34.378,37, correspondente a todas as despesas que realizou com o cartão, desde 2006.
O ministro devolveu o dinheiro por que havia cometido "abusos com os cartões" como declararam alguns jornais?
Não. A própria Folha de S.Paulo, por exemplo, estampou manchete na primeira página que veiculou a idéia de "abuso" como o motivo da devolução. O próprio ombudsman deste jornal, Mario Magalhães, apontou tal idéia como erro da publicação, conforme nota transcrita abaixo:
Segue a nota do ombudsman na íntegra:
'De novo, editorializado
A Folha repete uma informação editorializada sobre a decisão do ministro dos Esportes, Orlando Silva, de devolver R$ 30 mil. Chamada da primeira página diz que ''abusos com os cartões'' o levaram devolver a quantia.
Não é o que o ministro afirmou em coletiva. Ele disse aguardar a devolução do dinheiro após análise das prestações de contas por organismo de controle.
Ou o jornal prova o que afirma ou manterá um relato enviesado.'
(Texto do dia 07/02/2008 à disposição no endereço eletrônico do jornal)
Depois de advertida pela segunda vez, a Folha fez a retratação.
Os gastos no cartão com alimentação do ministro Orlando Silva poderiam ter sido feitos?
Sim. As despesas têm fundamento legal, com base no Decreto 5.355, de 25 de janeiro de 2005, que regulamenta a matéria. Todas as despesas foram feitas em dias em que havia agenda de trabalho.
O ministro fez duas refeições num mesmo dia?
Não. Foi um erro do Portal da Transparência. De acordo com os extratos do cartão e as notas, as refeições foram feitas nos dias 19 e 20/10, conforme divulgado pelo ministério e ignorado pelos órgãos de imprensa, e não no dia 22/10, conforme divulgado erroneamente.
Os gastos relativos a valores mais altos também poderiam ter sido feitos?
Sim. As despesas de valor maior corresponderam a encontros com autoridades. Em alguns casos, quando em cumprimento de agenda oficial, acompanhado por dirigentes esportivos, autoridades federais, estaduais e municipais, o ministro tem as despesas com alimentação pagas por aquelas autoridades. Esporadicamente, a juízo do titular desta Pasta, como forma de retribuição, ocorre o inverso. Neste caso se enquadram os poucos casos de gastos com alimentação citados no portal da Transparência. O ministro optou por usar o cartão, pois as despesas eram referentes à alimentação tanto dele quanto de autoridades esportivas e técnicos do ministério que o acompanhavam em reuniões de trabalho. Os assuntos discutidos estavam diretamente vinculados aos objetivos institucionais da pasta, de acordo com jurisprudência do TCU, conforme acórdãos nº 63/2001, 1560/2003 e 1720/2005 – Plenário.
Como foi, afinal, o caso da Tapioca?
A despesa de R$ 8,30, realizada numa tapiocaria em Brasília, única cidade onde não podia ser realizado tal gasto, foi paga pelo ministro com o cartão de pagamentos do Governo Federal, muito parecido com o seu cartão pessoal. Assim que foi constatado o fato, muito antes de qualquer referência na imprensa, foi efetuada a devolução do recurso aos cofres públicos, em outubro de 2007, por iniciativa do próprio ministro.
Veja recibo da devolução na pagina do Ministério do Esporte: www.esporte.gov.br, matéria de 11/02/2008, Ministro ressarciu R$ 8,30 à União em outubro de 2007 [Nota do Vermelho: clique aqui para ir direto ao fac-simile do recibo]).
O Ministro confundiu os cartões apenas quando usou o do governo?
Não. O Ministro Orlando Silva já usou ao menos 6 (seis) vezes o seu próprio cartão de crédito particular para pagar despesas governamentais. Tanto é que fez jus a ressarcimento pela União, todas as vezes que usou.
O ministro devolveu os R$ 8,30 somente depois das denúncias pela imprensa?
Não. O ministro devolveu o recurso em 29 de outubro de 2007, antes de qualquer denúncia. Este fato foi distorcido pela imprensa.
O episódio demonstra falta de seriedade com a gestão pública?
Não. O episódio revela rigor administrativo. Há um controle interno que acompanha todos os processos do ministério, o que permitiu identificar o erro e corrigir. O recurso deveria mesmo ser devolvido, fosse de oito centavos ou R$ 8 milhões.
O ministro usou o cartão para passar o fim de semana com a família no Rio de Janeiro?
Não. Durante o período de 14 a 18 de dezembro de 2007, Orlando Silva cumpriu agenda de trabalho na cidade do Rio de Janeiro.
Segue a agenda no período citado:
14/12/07 - Rio de Janeiro
-Solenidade em que o ministro recebeu o prêmio Personalidade do Ano da Associação Brasileira de Marketing e Negócios, no Rio de Janeiro.
15/12/07 - Rio de Janeiro
- Comemorações do Centenário de Oscar Niemeyer
17/12/07 - Rio de Janeiro
- 9h30 - Visita ao Diário Esportivo Lance
- 18h - solenidade de entrega do Prêmio Brasil Olímpico 2007, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. O prêmio é realizado pelo Comitê Olímpico Brasileiro com a parceria do Diário Lance!, do canal Sportv e o patrocínio da Olympikus.
18/12/07 - Rio de Janeiro
9h - reunião com o Comitê Olímpico Brasileiro (COB)
11h - reunião de trabalho com os presidentes das Confederações e o COB.
Por que a sua esposa, a filha e a babá da criança o acompanharam?
Sua esposa foi convidada a participar das agendas dos dias 14, onde o ministro recebia o prêmio Personalidade do Ano da Associação Brasileira de Marketing e Negócios; do dia 15, onde participou do aniversário de cem anos de Oscar Niemeyer e também do dia 17, na solenidade de entrega do prêmio Brasil Olímpico, realizado pelo Comitê Olímpico Brasileiro com a parceria do Diário Lance!, do canal Sportv e o patrocínio da Olympikus. O ministro cumpriu ainda agenda no dia 16, onde manteve encontro com jornalistas e no dia 18, onde teve reuniões com o Comitê Olímpico Brasileiro e com presidentes de confederações esportivas. O ministro tem uma filha ainda em fase de amamentação, que na época estava com nove meses. Enquanto o ministro e a esposa cumpriam a agenda, o bebê era assistido por uma babá.
As despesas da esposa, da filha e da babá foram pagas com dinheiro público?
Não. As despesas delas não oneraram em nada o custo das diárias no hotel, já que todos se hospedaram no mesmo apartamento, do tipo que o ministro sempre usa no Plaza Copacabana Hotel.
O ministro utilizou o cartão em dias de folga?
Não. O ministro Orlando Silva só realizou gastos com o cartão de pagamentos do governo no cumprimento de sua agenda de trabalho. O ministro por vezes é obrigado, em decorrência de sua agenda, a se deslocar de uma cidade a outra para cumprir compromissos em locais diferentes num mesmo dia. Quando, por exemplo, participa de entrevista em programa de TV ao vivo, a atividade requer fazer diversos despachos internos (reuniões preparatórias) com técnicos do ministério e consultorias, com a finalidade de preparar-se. Isto, muitas vezes provoca o deslocamento de Brasília um ou dois dias antes. Assim, a "agenda" deve ser compreendida, nestes casos, como lapso temporal que engloba desde o deslocamento para o local do evento, as reuniões e atividades preparatórias, o evento em si e o deslocamento de retorno.
Exemplo disso foi o texto de O Globo, informando que o ministro teria realizado despesa sem agenda no dia 23 de junho. O jornal desconsiderou a realização de intensa agenda em São Paulo, dos dias 22 a 25 de junho de 2007. Na ocasião, o ministro participou da reinauguração do Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa da Secretaria de Esportes da cidade de São Paulo, do Troféu Brasil Caixa de Atletismo Brasileiro no Ibirapuera, de visita à direção do jornal O Estado de S. Paulo e do Seminário Diálogos Capitais - Marketing e Gestões de Negócios do Esporte. Foi um conjunto de atividades, que ensejaria não apenas o uso do cartão nas duas vezes, como aconteceu, mas em várias outras, com despesas com refeições, hospedagens, locomoções no período etc. De todos os setores do governo, o esporte talvez seja o que acumula mais agendas durante os finais de semana.
O ministro Orlando Silva está sendo investigado pela Controladoria Geral da União?
Não. A partir das notícias veiculadas na imprensa, o ministro se antecipou e encaminhou voluntariamente informações, dados e esclarecimentos à Controladoria Geral da União.''
Circula, em gabinetes do Senado e da Câmara dos Deputados, um texto sobre a conduta do ministro Orlando Silva, ao que tudo indica escrito por alguém do Ministério do Esporte, que responde ponto por ponto às interpelações que a mídia não se cansa de fazer sobre aquele que ficou conhecido como o ''Caso da Tapioca''. Veja a íntegra do documento, redigido sob a forma de perguntas e respostas.
Oministro do Esporte Orlando Silva foi o terceiro ministro que mais utilizou o cartão de pagamentos do Governo Federal?
Sim. No ano de 2007, o ministro do esporte foi o terceiro que mais utilizou, de um total de seis ministros que usam o cartão. Os outros 31 ministros efetuam formas de pagamentos diferentes.
O ministro é a favor do uso do cartão corporativo?
Sim. E o atual Governo Federal o utiliza, pois o mesmo permite maior transparência e controle do gasto público.
Por que o ministro do esporte devolveu o seu gasto com o cartão?
Assim que surgiu a polêmica sobre o uso do cartão de pagamentos do governo federal houve uma grande divergência de opiniões sobre o que pode ou não ser pago com ele. Muitas notícias faziam ilações sobre a conduta ética e moral do ministro. As explicações da assessoria do ministério eram sistematicamente ocultadas ou distorcidas, numa clara manipulação política. Era preciso uma atitude que explicitasse a indignação perante a isto e indicasse a correção da conduta e do respeito à legalidade adotados pelo ministério. Para que não paire nenhuma dúvida e até que tudo se esclareça, o ministro do esporte devolveu o valor de R$ 34.378,37, correspondente a todas as despesas que realizou com o cartão, desde 2006.
O ministro devolveu o dinheiro por que havia cometido "abusos com os cartões" como declararam alguns jornais?
Não. A própria Folha de S.Paulo, por exemplo, estampou manchete na primeira página que veiculou a idéia de "abuso" como o motivo da devolução. O próprio ombudsman deste jornal, Mario Magalhães, apontou tal idéia como erro da publicação, conforme nota transcrita abaixo:
Segue a nota do ombudsman na íntegra:
'De novo, editorializado
A Folha repete uma informação editorializada sobre a decisão do ministro dos Esportes, Orlando Silva, de devolver R$ 30 mil. Chamada da primeira página diz que ''abusos com os cartões'' o levaram devolver a quantia.
Não é o que o ministro afirmou em coletiva. Ele disse aguardar a devolução do dinheiro após análise das prestações de contas por organismo de controle.
Ou o jornal prova o que afirma ou manterá um relato enviesado.'
(Texto do dia 07/02/2008 à disposição no endereço eletrônico do jornal)
Depois de advertida pela segunda vez, a Folha fez a retratação.
Os gastos no cartão com alimentação do ministro Orlando Silva poderiam ter sido feitos?
Sim. As despesas têm fundamento legal, com base no Decreto 5.355, de 25 de janeiro de 2005, que regulamenta a matéria. Todas as despesas foram feitas em dias em que havia agenda de trabalho.
O ministro fez duas refeições num mesmo dia?
Não. Foi um erro do Portal da Transparência. De acordo com os extratos do cartão e as notas, as refeições foram feitas nos dias 19 e 20/10, conforme divulgado pelo ministério e ignorado pelos órgãos de imprensa, e não no dia 22/10, conforme divulgado erroneamente.
Os gastos relativos a valores mais altos também poderiam ter sido feitos?
Sim. As despesas de valor maior corresponderam a encontros com autoridades. Em alguns casos, quando em cumprimento de agenda oficial, acompanhado por dirigentes esportivos, autoridades federais, estaduais e municipais, o ministro tem as despesas com alimentação pagas por aquelas autoridades. Esporadicamente, a juízo do titular desta Pasta, como forma de retribuição, ocorre o inverso. Neste caso se enquadram os poucos casos de gastos com alimentação citados no portal da Transparência. O ministro optou por usar o cartão, pois as despesas eram referentes à alimentação tanto dele quanto de autoridades esportivas e técnicos do ministério que o acompanhavam em reuniões de trabalho. Os assuntos discutidos estavam diretamente vinculados aos objetivos institucionais da pasta, de acordo com jurisprudência do TCU, conforme acórdãos nº 63/2001, 1560/2003 e 1720/2005 – Plenário.
Como foi, afinal, o caso da Tapioca?
A despesa de R$ 8,30, realizada numa tapiocaria em Brasília, única cidade onde não podia ser realizado tal gasto, foi paga pelo ministro com o cartão de pagamentos do Governo Federal, muito parecido com o seu cartão pessoal. Assim que foi constatado o fato, muito antes de qualquer referência na imprensa, foi efetuada a devolução do recurso aos cofres públicos, em outubro de 2007, por iniciativa do próprio ministro.
Veja recibo da devolução na pagina do Ministério do Esporte: www.esporte.gov.br, matéria de 11/02/2008, Ministro ressarciu R$ 8,30 à União em outubro de 2007 [Nota do Vermelho: clique aqui para ir direto ao fac-simile do recibo]).
O Ministro confundiu os cartões apenas quando usou o do governo?
Não. O Ministro Orlando Silva já usou ao menos 6 (seis) vezes o seu próprio cartão de crédito particular para pagar despesas governamentais. Tanto é que fez jus a ressarcimento pela União, todas as vezes que usou.
O ministro devolveu os R$ 8,30 somente depois das denúncias pela imprensa?
Não. O ministro devolveu o recurso em 29 de outubro de 2007, antes de qualquer denúncia. Este fato foi distorcido pela imprensa.
O episódio demonstra falta de seriedade com a gestão pública?
Não. O episódio revela rigor administrativo. Há um controle interno que acompanha todos os processos do ministério, o que permitiu identificar o erro e corrigir. O recurso deveria mesmo ser devolvido, fosse de oito centavos ou R$ 8 milhões.
O ministro usou o cartão para passar o fim de semana com a família no Rio de Janeiro?
Não. Durante o período de 14 a 18 de dezembro de 2007, Orlando Silva cumpriu agenda de trabalho na cidade do Rio de Janeiro.
Segue a agenda no período citado:
14/12/07 - Rio de Janeiro
-Solenidade em que o ministro recebeu o prêmio Personalidade do Ano da Associação Brasileira de Marketing e Negócios, no Rio de Janeiro.
15/12/07 - Rio de Janeiro
- Comemorações do Centenário de Oscar Niemeyer
17/12/07 - Rio de Janeiro
- 9h30 - Visita ao Diário Esportivo Lance
- 18h - solenidade de entrega do Prêmio Brasil Olímpico 2007, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. O prêmio é realizado pelo Comitê Olímpico Brasileiro com a parceria do Diário Lance!, do canal Sportv e o patrocínio da Olympikus.
18/12/07 - Rio de Janeiro
9h - reunião com o Comitê Olímpico Brasileiro (COB)
11h - reunião de trabalho com os presidentes das Confederações e o COB.
Por que a sua esposa, a filha e a babá da criança o acompanharam?
Sua esposa foi convidada a participar das agendas dos dias 14, onde o ministro recebia o prêmio Personalidade do Ano da Associação Brasileira de Marketing e Negócios; do dia 15, onde participou do aniversário de cem anos de Oscar Niemeyer e também do dia 17, na solenidade de entrega do prêmio Brasil Olímpico, realizado pelo Comitê Olímpico Brasileiro com a parceria do Diário Lance!, do canal Sportv e o patrocínio da Olympikus. O ministro cumpriu ainda agenda no dia 16, onde manteve encontro com jornalistas e no dia 18, onde teve reuniões com o Comitê Olímpico Brasileiro e com presidentes de confederações esportivas. O ministro tem uma filha ainda em fase de amamentação, que na época estava com nove meses. Enquanto o ministro e a esposa cumpriam a agenda, o bebê era assistido por uma babá.
As despesas da esposa, da filha e da babá foram pagas com dinheiro público?
Não. As despesas delas não oneraram em nada o custo das diárias no hotel, já que todos se hospedaram no mesmo apartamento, do tipo que o ministro sempre usa no Plaza Copacabana Hotel.
O ministro utilizou o cartão em dias de folga?
Não. O ministro Orlando Silva só realizou gastos com o cartão de pagamentos do governo no cumprimento de sua agenda de trabalho. O ministro por vezes é obrigado, em decorrência de sua agenda, a se deslocar de uma cidade a outra para cumprir compromissos em locais diferentes num mesmo dia. Quando, por exemplo, participa de entrevista em programa de TV ao vivo, a atividade requer fazer diversos despachos internos (reuniões preparatórias) com técnicos do ministério e consultorias, com a finalidade de preparar-se. Isto, muitas vezes provoca o deslocamento de Brasília um ou dois dias antes. Assim, a "agenda" deve ser compreendida, nestes casos, como lapso temporal que engloba desde o deslocamento para o local do evento, as reuniões e atividades preparatórias, o evento em si e o deslocamento de retorno.
Exemplo disso foi o texto de O Globo, informando que o ministro teria realizado despesa sem agenda no dia 23 de junho. O jornal desconsiderou a realização de intensa agenda em São Paulo, dos dias 22 a 25 de junho de 2007. Na ocasião, o ministro participou da reinauguração do Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa da Secretaria de Esportes da cidade de São Paulo, do Troféu Brasil Caixa de Atletismo Brasileiro no Ibirapuera, de visita à direção do jornal O Estado de S. Paulo e do Seminário Diálogos Capitais - Marketing e Gestões de Negócios do Esporte. Foi um conjunto de atividades, que ensejaria não apenas o uso do cartão nas duas vezes, como aconteceu, mas em várias outras, com despesas com refeições, hospedagens, locomoções no período etc. De todos os setores do governo, o esporte talvez seja o que acumula mais agendas durante os finais de semana.
O ministro Orlando Silva está sendo investigado pela Controladoria Geral da União?
Não. A partir das notícias veiculadas na imprensa, o ministro se antecipou e encaminhou voluntariamente informações, dados e esclarecimentos à Controladoria Geral da União.''
A caravana cresce... Ao fundo, os cães
1 comentário
(Joseph Beuys)
(Confiram a notícia abaixo, copiada de um fórum que participo)
Leia também o comentário de Sergio Telles sobre a coisa (tem que rolar a tela até o final da página). Comentarei essa notícia - em breve.
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(Confiram a notícia abaixo, copiada de um fórum que participo)
Leia também o comentário de Sergio Telles sobre a coisa (tem que rolar a tela até o final da página). Comentarei essa notícia - em breve.
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O Brasil teve em janeiro um crescimento de 50% no número de internautas residenciais ativos em relação ao mesmo período do ano passado, alcançando 21,1 milhões, afirmou nesta sexta-feira (22) a empresa de pesquisa IBOPE/NetRatings. "Desde 2004 não se registrava um crescimento percentual tão grande. Nos últimos meses, desde setembro, estamos vendo aumentos consideráveis, acima dos 45 por cento", afirmou à Reuters o analista de mídia José Calazans, da empresa de pesquisa.
Apesar de evitar fazer projeções para a evolução do mercado durante o ano, Calazans pondera que "não há porque haver uma diminuição no crescimento neste momento. O Brasil ainda tem um espaço muito grande para crescer". Segundo ele, a classe C, formada por pessoas que estão comprando seu primeiro computador, é a que vem apresentando o maior crescimento entre a massa de internautas do país.
O ganho de 7,1 milhões de internautas residenciais ativos, aqueles que navegaram pela Web em casa pelo menos uma vez no mês, representa o maior crescimento entre os dez países medidos com a mesma metodologia. Quem mais se aproximou do crescimento brasileiro foram os Estados Unidos, com ganho de 4 milhões, e a França, que ganhou 3,2 milhões de usuários ativos de Internet domiciliar entre janeiro de 2007 e janeiro de 2008, segundo a empresa de pesquisa.
Com 23 horas e 12 minutos por pessoa no mês, o Brasil também continuou liderando em tempo médio de navegação, à frente da França, que marcou 21 horas e 38 minutos, dos Estados Unidos, que cravou 20 horas e 39 minutos, e da Austrália, que registrou 19 horas e 13 minutos em janeiro.
Em termos gerais e com base em números do terceiro trimestre, o Brasil possui 39 milhões de pessoas com 16 anos ou mais de idade com acesso à Internet em qualquer ambiente como em casa, trabalho, escolas e telecentros. Em 2006, o total era de 32,2 milhões, disse Calazans. Os dados do último trimestre de 2007 serão compilados nos próximos dias, informou.
Na terça-feira (19), a empresa de pesquisa de mercado IDC divulgou que o Brasil avançou em 2007 no ranking mundial de vendas de PCs, passando da sétima para quinta posição. Cerca de 10,7 milhões de computadores foram vendidos no ano passado, 38 por cento acima do registrado em 2006.
Apesar de evitar fazer projeções para a evolução do mercado durante o ano, Calazans pondera que "não há porque haver uma diminuição no crescimento neste momento. O Brasil ainda tem um espaço muito grande para crescer". Segundo ele, a classe C, formada por pessoas que estão comprando seu primeiro computador, é a que vem apresentando o maior crescimento entre a massa de internautas do país.
O ganho de 7,1 milhões de internautas residenciais ativos, aqueles que navegaram pela Web em casa pelo menos uma vez no mês, representa o maior crescimento entre os dez países medidos com a mesma metodologia. Quem mais se aproximou do crescimento brasileiro foram os Estados Unidos, com ganho de 4 milhões, e a França, que ganhou 3,2 milhões de usuários ativos de Internet domiciliar entre janeiro de 2007 e janeiro de 2008, segundo a empresa de pesquisa.
Com 23 horas e 12 minutos por pessoa no mês, o Brasil também continuou liderando em tempo médio de navegação, à frente da França, que marcou 21 horas e 38 minutos, dos Estados Unidos, que cravou 20 horas e 39 minutos, e da Austrália, que registrou 19 horas e 13 minutos em janeiro.
Em termos gerais e com base em números do terceiro trimestre, o Brasil possui 39 milhões de pessoas com 16 anos ou mais de idade com acesso à Internet em qualquer ambiente como em casa, trabalho, escolas e telecentros. Em 2006, o total era de 32,2 milhões, disse Calazans. Os dados do último trimestre de 2007 serão compilados nos próximos dias, informou.
Na terça-feira (19), a empresa de pesquisa de mercado IDC divulgou que o Brasil avançou em 2007 no ranking mundial de vendas de PCs, passando da sétima para quinta posição. Cerca de 10,7 milhões de computadores foram vendidos no ano passado, 38 por cento acima do registrado em 2006.
20 de fevereiro de 2008
Reflexões dispersas
4 comentarios
(Antonio Berni, argentino)
Conheci cineastas cubanos num festival de cinema latino-americano em Toulouse, que me deram informações bastante interessantes sobre o país. Disseram-me que, com o fim da União Soviética, as liberdades civis de Cuba melhoraram muito. Revelaram-me que um dos problemas graves por lá é que não há internet banda larga, pois os EUA não permitiam a construção de um cabo até a ilha. Mas parece que Chávez estaria investindo num cabo vindo do sul, que resolveria esse problema.
Já escrevi muito sobre Cuba. Tenho respeito pela ilha e sua resistência. Quem estuda a história de Fidel Castro sabe que não foi ele quem derrubou a democracia no país. Foi Fulgêncio Batista, patrocinado e apoiado militarmente pelos EUA. Isso tudo está registrado nos arquivos oficiais do próprio governo americano. Fidel podia abrir o país à democracia? Ãh? Não foram os EUA que ajudaram a derrubar a democracia no Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai, México, Nicarágua? Por quê cargas d'água não derrubariam a democracia em Cuba e implantariam outro ditador sanguinário, corrupto, que além de não permitir nenhum tipo de liberdade democrática, manteria os cubanos na miséria, com mortalidade infantil, analfabetismo, e morrendo de doenças tropicais.
Se existe um inimigo da democracia na América Latina, não é Cuba. São os Estados Unidos, que patrocinaram tantos golpes contra a democracia. Mas não tenho nenhuma visão maniqueísta sobre os EUA, que são um país com uma história maravilhosa e uma cultura fantástica, com auto-críticos mais corajosos e francos que qualquer crítico estrangeiro. Seus defeitos, todavia, são tão grandiosos quanto suas qualidades. Pensar que Bukówski, logo ele, foi vigiado e quase perseguido pela CIA, nos faz duvidar da tal liberdade americana. Pensar na morte de John Lenon, dos Kennedy, de Martin Luther King, mortos por uma extrema-direita hidrófoba, também é importante para termos uma perspectiva melhor desta liberdade. Sem contar na estranha morte de Hendrix, Joplin e Morrison, aos 27 anos - prefiro não comentar teorias conspiratórias segundo as quais teriam sido assassinados.
Cuba não é perfeita, mas os EUA também não o são. Cada país tem sua concepção de liberdade. Para o Brasil, liberdade era dar golpe militar e deixar crianças morrendo de fome nas ruas, enquanto Chico Buarque compunha canções em Roma. Para os EUA, liberdade era assassinar o presidente Kennedy e derrubar governos democráticos na América Latina - para empossar ditadores sanguinários que torturavam e matavam pessoas, fechavam congressos e exerciam censura absoluta sobre os meios de comunicação. Cuba também não fugiu a essa dialética macabra. A liberdade que escolheu foi a liberdade possível.
Arnaldo Jabor agora nos repete sobre o sonho socialista dos jovens endinheirados de Ipanema - que acreditavam num mundo perfeito, róseo, sem corrupção, com mulheres lindas abrindo as pernas sem culpas e jornais e editoras distribuindo empregos bem pagos para todos os escritores do país. Todo mundo viraria escritor ou cineasta ou músico. Mas eu não tenho culpa se o sonho bonito e idiota de Jabor (se é que era verdade que ele era tão bobinho assim) se esfarelou na realidade da vida.
Com o fim do socialismo europeu e russo, os hidrófobos anti-comunistas fizeram uma barulheira tão grande que não era possível refletir sobre os acontecimentos. Fim do socialismo! Esse foi o refrão mais repetido por toda parte. Até hoje. Surgem releituras da história que atribuem ao comunismo barbáries, mortes e torturas sem a mínima cientificidade. É o mesmo maniqueísmo e paranóia que também observamos em setores do esquerdismo, que identificam inimigos, espiões da CIA e fascismo em toda parte.
Sempre o mesmo cipoal ideológico, no qual todos se embrenham e permanecem ali, amarrados, paralisados, vociferando contra a TV Globo, de um lado, e contra o esquerdismo das redações, de outro. Um dia desses escrevo uma ficção política na qual Olavo de Carvalho e Heloísa Helena passam três meses trancados numa casa. Viram amantes na primeira semana, é claro, e passam a rir de seus extremismos.
Não se pode confundir ideologia com venalidade. A Veja não se tornou o esgoto que é porque adotou uma linha mais conservadora, e sim pelo declínio da qualidade de suas reportagens e pela absoluta falta de ética jornalística. Os artigos de Nassif sobre a Veja mostram isso. Veja vem se escondendo sob o manto de revista de oposição, como se isso lhe blindasse contra qualquer crítica. Da mesma forma, alguns pseudo-colunistas ou jornalistas se atribuem super-poderes para chantagear, caluniar, mentir e difamar, protegidos pela áurea de serem "anti-petistas". Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Como diria Juvenal Antena: justamente esse é o ponto-fraco desses caras. Acham-se tão fortes, mas esqueceram de combinar com os russos. Repetem tanto que o povo brasileiro é burro, que acabam acreditando nisso. Mas o povo brasileiro não é tão burro assim não. Temos nossos traumas, nossos problemas, nossas mazelas, nossas heranças coloniais. É muito chique dizer que os europeus são melhores que nós, mais éticos, mais trabalhadores, etc. Mas nós nunca invadimos outros países, nunca fizemos guerras mundiais nem exterminamos judeus. Apesar do trauma provocado pela escravidão, que denegriu tão profundamente a dignidade do trabalho, somos um dos países que mais cresceram no mundo nas últimas décadas, construindo cidades, indústrias, estradas, modernos parques agrícolas.
Abro um parênteses para comentar o patético debate no Congresso sobre a transposição do rio São Francisco. Aquele bispo autoritário afirmou que a transposição servirá a projetos de criação de camarão, de produção de uvas e indústrias, e não para matar a sede do nordestino. Então tá. Por acaso, os projetos mencionados serão tocados por robôs? Por acaso, o bispo acha que um ser humano vive só de água. Por acaso o bispo não vê que a superação da pobreza nordestina só será alcançada através da ativação econômica da região?
Quanto ao socialismo, eu acredito que as próprias instituições republicanas e o próprio sistema democrático já são uma conquista extraordinária em prol da justiça e da equanimidade social. A república democrática carrega, em si, o germe do socialismo livre. A democracia, no entanto, necessita de participação e debate para ser autêntica e permitir a construção da liberdade. O clima fla-flu que vivemos hoje no Brasil, tão denunciado por quinta-colunistas, nada mais é que o primeiro momento desses debates. A internet transformou-se numa grande praça de debates e, num primeiro momento, a liberdade manifesta-se de forma selvagem. É assim mesmo. A guerra entre tucanos e petistas é uma guerra democrática, e as eventuais feridas e excessos também fazem parte da liberdade. Se alguns se manifestam de forma agressiva ou grosseira, ótimo, porque demonstra que estão transudando sua brutalidade por um meio que, mal ou bem, é pacífico. Se houvesse internet nos anos 60, talvez Kennedy não tivesse sido assassinado. Nem Martin Luther King, nem John Lennon.
Hoje, alguns donos de jornais, como que surtados por algum flash back lisérgico, procuram, quase que saudosos, comunistas embaixo da cama e dentro dos armários. Globo e Estadão, principalmente. Sua maior raiva, ao que parece, é identificar a falta de inimigos. Outro dia, estava visitando o Prêmio do IBest e, chegando à seção de Cidadania, onde o site do Paulo Henrique Amorim ultrapassou o site que representa a versão tupinambá dos neo-con, Mídia sem Máscara, acabei topando com um artigo do Olavão intitulado "Afinal, lutamos contra quem?", no qual o pobre nazista tupi tenta resolver essa difícil questão. Ele e seus colegas, da mesma forma que muitos esquerdistas, são viúvas da queda do muro de Berlim. Ainda vivem naquele mundinho maniqueísta, em preto e branco, com comunistas malvados & heróis de um lado e capitalistas de outro. Confusos, agora apelam para um eruditismo ansioso e complexado, infantilóide, em que acusam seus adversários de não lerem seus livrinhos e exibem, pimpões, suas bibliografias previsíveis.
Há uma guerra ideológica constante no Brasil, sim, mas é uma luta democrática. Há também uma luta extra-ideológica, uma luta por poder. Se uns jogam sujo, apelando para difamações, intimidação, chantagem e desqualificação pessoal, mostram também fraqueza e perdem aliados. Vocês que acompanham essas guerras, já viram de quanta covardia os quinta-colunistas são capazes.
Entretanto, tem gente que leva a sério demais certas coisas. Outros recaem em clichês bobos, apontando inimigos onde não existem, ou demonizando-os, o que acarreta num tremendo disperdício de energia criativa, desvia o foco dos verdadeiros problemas e desmoraliza algumas nobres causas. Acontece muito isso com a Globo, com a mídia em geral. Põe-se muita culpa na Globo. Claro que a Globo não é santinha e tem um rabo maior do que uma jibóia. Ajudou a sustentar a ditadura. Mas a Globo podia fazer diferente? Um amigo acha que sou muito condescendente. Não se trata disso. A meu ver, não vale a pena perdemos tempo querendo mudar a Globo ou fazermos passeatas contra a Globo. Quer dizer, até se pode fazer isso, mas em momentos de grande comoção nacional. Acredito, sobretudo, na tomada de consciência, na libertação homem a homem, de libertar cada indivíduo do tubo que prende seu cérebro ao computador central de alienação. Essa libertação, podemos fazer tranquilamente através da internet. Através do cinema, da música, da literatura. Acredito sim na função política da arte, mas no sentido de libertar a subjetividade e elevar a inteligência e a consciência social e de si mesmo nas pessoas.
Big Brother Brasil? O mesmo amigo também diaboliza o programa. Por mim, acho que é dar bola demais. Existe Big Brother no mundo inteiro. Na verdade, com a globalização, há uma padronização televisiva em todo planeta. Não vejo mal no Big Brother Brasil. Não mais do que vejo no Caldeirão do Hulk, no Silvio Santos ou na venda de tapetes do canal 6. Estou sabendo que televisão vem perdendo muito público para a internet e isso é bom. A TV digital também será um indutor de importantes mudanças na tv brasileira, ao igualar a qualidade da imagem de todos os canais, reduzindo o poder da Globo, que possui mais redes de retransmissão e logo garante uma nitidez melhor para seus telespectadores.
Defendo o Lula porque acreditei e acredito que ele pode fazer um bom governo. O Brasil, finalmente, parece estar no caminho de superar mazelas históricas. As indústrias estão ampliando a sua capacidade de produção, preparando-se para uma nova era em que teremos não apenas um terço da população com poder de compra, mas a totalidade da população brasileira. A indústria de bens de capital cresceu quase 30% em 2007. Sabe o que é indústria de bens de capital? É o setor que produz máquinas para outras indústrias e o seu crescimento indica que as fábricas estão investindo em suas plantas e maquinários. Há décadas que isso não ocorria.
Os anos fernandistas foram bons em seu começo, mas não houve preocupação em distribuir a renda e resolver o problema da miséria e da fome. Não houve política industrial. Não houve ampliação das linhas de crédito, inclusive para a agricultura familiar. Essa classe média é muito ingrata com o Lula, porque é seu governo que está reabrindo o crédito para a casa própria. Com o crescimento da economia, estão surgindo excelentes empregos nas esferas superiores das grandes empresas. A grande dor de nossa direita é ter que admitir que a era Lula tem sido muito melhor para o capitalismo que os anos fernandistas. Isso porque a nossa direita, na sua cegueira anti-povo, não vê que um país com 190 milhões de habitantes, só poderá se desenvolver se tiver um vigoroso mercado doméstico, e isso supõe uma série de medidas populares importantes: adoção de vastos programas sociais, aumento do crédito para a arraia miúda, elevação do salário mínimo, enfim, políticas prioritárias para o bem estar das camadas mais humildes.
No entanto, como diz o Niemayer e o Fidel, é preciso ser consequente até o fim. Se é para evitar maniqueísmos, concedamos que FHC fez coisas boas: lutou contra a inflação, ampliou a rede básica escolar e implementou a lei de responsabilidade fiscal. Seu primeiro governo foi razoável. O segundo foi um desastre. Endividou o Brasil, aumentou os impostos, vendeu estatais de maneira suspeitíssima, a preços aviltantes, elevou os juros a patamares estratosféricos, produzindo uma recessão terrível no país. O segundo mandato de FHC anulou muito das boas coisas que ele realizou no primeiro.
Já escrevi muito sobre Cuba. Tenho respeito pela ilha e sua resistência. Quem estuda a história de Fidel Castro sabe que não foi ele quem derrubou a democracia no país. Foi Fulgêncio Batista, patrocinado e apoiado militarmente pelos EUA. Isso tudo está registrado nos arquivos oficiais do próprio governo americano. Fidel podia abrir o país à democracia? Ãh? Não foram os EUA que ajudaram a derrubar a democracia no Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai, México, Nicarágua? Por quê cargas d'água não derrubariam a democracia em Cuba e implantariam outro ditador sanguinário, corrupto, que além de não permitir nenhum tipo de liberdade democrática, manteria os cubanos na miséria, com mortalidade infantil, analfabetismo, e morrendo de doenças tropicais.
Se existe um inimigo da democracia na América Latina, não é Cuba. São os Estados Unidos, que patrocinaram tantos golpes contra a democracia. Mas não tenho nenhuma visão maniqueísta sobre os EUA, que são um país com uma história maravilhosa e uma cultura fantástica, com auto-críticos mais corajosos e francos que qualquer crítico estrangeiro. Seus defeitos, todavia, são tão grandiosos quanto suas qualidades. Pensar que Bukówski, logo ele, foi vigiado e quase perseguido pela CIA, nos faz duvidar da tal liberdade americana. Pensar na morte de John Lenon, dos Kennedy, de Martin Luther King, mortos por uma extrema-direita hidrófoba, também é importante para termos uma perspectiva melhor desta liberdade. Sem contar na estranha morte de Hendrix, Joplin e Morrison, aos 27 anos - prefiro não comentar teorias conspiratórias segundo as quais teriam sido assassinados.
Cuba não é perfeita, mas os EUA também não o são. Cada país tem sua concepção de liberdade. Para o Brasil, liberdade era dar golpe militar e deixar crianças morrendo de fome nas ruas, enquanto Chico Buarque compunha canções em Roma. Para os EUA, liberdade era assassinar o presidente Kennedy e derrubar governos democráticos na América Latina - para empossar ditadores sanguinários que torturavam e matavam pessoas, fechavam congressos e exerciam censura absoluta sobre os meios de comunicação. Cuba também não fugiu a essa dialética macabra. A liberdade que escolheu foi a liberdade possível.
Arnaldo Jabor agora nos repete sobre o sonho socialista dos jovens endinheirados de Ipanema - que acreditavam num mundo perfeito, róseo, sem corrupção, com mulheres lindas abrindo as pernas sem culpas e jornais e editoras distribuindo empregos bem pagos para todos os escritores do país. Todo mundo viraria escritor ou cineasta ou músico. Mas eu não tenho culpa se o sonho bonito e idiota de Jabor (se é que era verdade que ele era tão bobinho assim) se esfarelou na realidade da vida.
Com o fim do socialismo europeu e russo, os hidrófobos anti-comunistas fizeram uma barulheira tão grande que não era possível refletir sobre os acontecimentos. Fim do socialismo! Esse foi o refrão mais repetido por toda parte. Até hoje. Surgem releituras da história que atribuem ao comunismo barbáries, mortes e torturas sem a mínima cientificidade. É o mesmo maniqueísmo e paranóia que também observamos em setores do esquerdismo, que identificam inimigos, espiões da CIA e fascismo em toda parte.
Sempre o mesmo cipoal ideológico, no qual todos se embrenham e permanecem ali, amarrados, paralisados, vociferando contra a TV Globo, de um lado, e contra o esquerdismo das redações, de outro. Um dia desses escrevo uma ficção política na qual Olavo de Carvalho e Heloísa Helena passam três meses trancados numa casa. Viram amantes na primeira semana, é claro, e passam a rir de seus extremismos.
Não se pode confundir ideologia com venalidade. A Veja não se tornou o esgoto que é porque adotou uma linha mais conservadora, e sim pelo declínio da qualidade de suas reportagens e pela absoluta falta de ética jornalística. Os artigos de Nassif sobre a Veja mostram isso. Veja vem se escondendo sob o manto de revista de oposição, como se isso lhe blindasse contra qualquer crítica. Da mesma forma, alguns pseudo-colunistas ou jornalistas se atribuem super-poderes para chantagear, caluniar, mentir e difamar, protegidos pela áurea de serem "anti-petistas". Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Como diria Juvenal Antena: justamente esse é o ponto-fraco desses caras. Acham-se tão fortes, mas esqueceram de combinar com os russos. Repetem tanto que o povo brasileiro é burro, que acabam acreditando nisso. Mas o povo brasileiro não é tão burro assim não. Temos nossos traumas, nossos problemas, nossas mazelas, nossas heranças coloniais. É muito chique dizer que os europeus são melhores que nós, mais éticos, mais trabalhadores, etc. Mas nós nunca invadimos outros países, nunca fizemos guerras mundiais nem exterminamos judeus. Apesar do trauma provocado pela escravidão, que denegriu tão profundamente a dignidade do trabalho, somos um dos países que mais cresceram no mundo nas últimas décadas, construindo cidades, indústrias, estradas, modernos parques agrícolas.
Abro um parênteses para comentar o patético debate no Congresso sobre a transposição do rio São Francisco. Aquele bispo autoritário afirmou que a transposição servirá a projetos de criação de camarão, de produção de uvas e indústrias, e não para matar a sede do nordestino. Então tá. Por acaso, os projetos mencionados serão tocados por robôs? Por acaso, o bispo acha que um ser humano vive só de água. Por acaso o bispo não vê que a superação da pobreza nordestina só será alcançada através da ativação econômica da região?
Quanto ao socialismo, eu acredito que as próprias instituições republicanas e o próprio sistema democrático já são uma conquista extraordinária em prol da justiça e da equanimidade social. A república democrática carrega, em si, o germe do socialismo livre. A democracia, no entanto, necessita de participação e debate para ser autêntica e permitir a construção da liberdade. O clima fla-flu que vivemos hoje no Brasil, tão denunciado por quinta-colunistas, nada mais é que o primeiro momento desses debates. A internet transformou-se numa grande praça de debates e, num primeiro momento, a liberdade manifesta-se de forma selvagem. É assim mesmo. A guerra entre tucanos e petistas é uma guerra democrática, e as eventuais feridas e excessos também fazem parte da liberdade. Se alguns se manifestam de forma agressiva ou grosseira, ótimo, porque demonstra que estão transudando sua brutalidade por um meio que, mal ou bem, é pacífico. Se houvesse internet nos anos 60, talvez Kennedy não tivesse sido assassinado. Nem Martin Luther King, nem John Lennon.
Hoje, alguns donos de jornais, como que surtados por algum flash back lisérgico, procuram, quase que saudosos, comunistas embaixo da cama e dentro dos armários. Globo e Estadão, principalmente. Sua maior raiva, ao que parece, é identificar a falta de inimigos. Outro dia, estava visitando o Prêmio do IBest e, chegando à seção de Cidadania, onde o site do Paulo Henrique Amorim ultrapassou o site que representa a versão tupinambá dos neo-con, Mídia sem Máscara, acabei topando com um artigo do Olavão intitulado "Afinal, lutamos contra quem?", no qual o pobre nazista tupi tenta resolver essa difícil questão. Ele e seus colegas, da mesma forma que muitos esquerdistas, são viúvas da queda do muro de Berlim. Ainda vivem naquele mundinho maniqueísta, em preto e branco, com comunistas malvados & heróis de um lado e capitalistas de outro. Confusos, agora apelam para um eruditismo ansioso e complexado, infantilóide, em que acusam seus adversários de não lerem seus livrinhos e exibem, pimpões, suas bibliografias previsíveis.
Há uma guerra ideológica constante no Brasil, sim, mas é uma luta democrática. Há também uma luta extra-ideológica, uma luta por poder. Se uns jogam sujo, apelando para difamações, intimidação, chantagem e desqualificação pessoal, mostram também fraqueza e perdem aliados. Vocês que acompanham essas guerras, já viram de quanta covardia os quinta-colunistas são capazes.
Entretanto, tem gente que leva a sério demais certas coisas. Outros recaem em clichês bobos, apontando inimigos onde não existem, ou demonizando-os, o que acarreta num tremendo disperdício de energia criativa, desvia o foco dos verdadeiros problemas e desmoraliza algumas nobres causas. Acontece muito isso com a Globo, com a mídia em geral. Põe-se muita culpa na Globo. Claro que a Globo não é santinha e tem um rabo maior do que uma jibóia. Ajudou a sustentar a ditadura. Mas a Globo podia fazer diferente? Um amigo acha que sou muito condescendente. Não se trata disso. A meu ver, não vale a pena perdemos tempo querendo mudar a Globo ou fazermos passeatas contra a Globo. Quer dizer, até se pode fazer isso, mas em momentos de grande comoção nacional. Acredito, sobretudo, na tomada de consciência, na libertação homem a homem, de libertar cada indivíduo do tubo que prende seu cérebro ao computador central de alienação. Essa libertação, podemos fazer tranquilamente através da internet. Através do cinema, da música, da literatura. Acredito sim na função política da arte, mas no sentido de libertar a subjetividade e elevar a inteligência e a consciência social e de si mesmo nas pessoas.
Big Brother Brasil? O mesmo amigo também diaboliza o programa. Por mim, acho que é dar bola demais. Existe Big Brother no mundo inteiro. Na verdade, com a globalização, há uma padronização televisiva em todo planeta. Não vejo mal no Big Brother Brasil. Não mais do que vejo no Caldeirão do Hulk, no Silvio Santos ou na venda de tapetes do canal 6. Estou sabendo que televisão vem perdendo muito público para a internet e isso é bom. A TV digital também será um indutor de importantes mudanças na tv brasileira, ao igualar a qualidade da imagem de todos os canais, reduzindo o poder da Globo, que possui mais redes de retransmissão e logo garante uma nitidez melhor para seus telespectadores.
Defendo o Lula porque acreditei e acredito que ele pode fazer um bom governo. O Brasil, finalmente, parece estar no caminho de superar mazelas históricas. As indústrias estão ampliando a sua capacidade de produção, preparando-se para uma nova era em que teremos não apenas um terço da população com poder de compra, mas a totalidade da população brasileira. A indústria de bens de capital cresceu quase 30% em 2007. Sabe o que é indústria de bens de capital? É o setor que produz máquinas para outras indústrias e o seu crescimento indica que as fábricas estão investindo em suas plantas e maquinários. Há décadas que isso não ocorria.
Os anos fernandistas foram bons em seu começo, mas não houve preocupação em distribuir a renda e resolver o problema da miséria e da fome. Não houve política industrial. Não houve ampliação das linhas de crédito, inclusive para a agricultura familiar. Essa classe média é muito ingrata com o Lula, porque é seu governo que está reabrindo o crédito para a casa própria. Com o crescimento da economia, estão surgindo excelentes empregos nas esferas superiores das grandes empresas. A grande dor de nossa direita é ter que admitir que a era Lula tem sido muito melhor para o capitalismo que os anos fernandistas. Isso porque a nossa direita, na sua cegueira anti-povo, não vê que um país com 190 milhões de habitantes, só poderá se desenvolver se tiver um vigoroso mercado doméstico, e isso supõe uma série de medidas populares importantes: adoção de vastos programas sociais, aumento do crédito para a arraia miúda, elevação do salário mínimo, enfim, políticas prioritárias para o bem estar das camadas mais humildes.
No entanto, como diz o Niemayer e o Fidel, é preciso ser consequente até o fim. Se é para evitar maniqueísmos, concedamos que FHC fez coisas boas: lutou contra a inflação, ampliou a rede básica escolar e implementou a lei de responsabilidade fiscal. Seu primeiro governo foi razoável. O segundo foi um desastre. Endividou o Brasil, aumentou os impostos, vendeu estatais de maneira suspeitíssima, a preços aviltantes, elevou os juros a patamares estratosféricos, produzindo uma recessão terrível no país. O segundo mandato de FHC anulou muito das boas coisas que ele realizou no primeiro.
19 de fevereiro de 2008
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Os textos abaixo, assim como as duas primeiras tabelas, foram copiados do site do DataFolha. A segunda tabela foi editada para caber na tela, mas os dados, obviamente, não foram alterados. Os originais estão disponíveis gratuitamente no Datafolha. A terceira tabela é a última pesquisa do CNT/Sensus, divulgada dia 18 de fevereiro de 2008. Retorno após o segundo asterisco.
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Em dezembro de 2002...
"Prestes a encerrar um período de oito anos ocupando a Presidência da República, Fernando Henrique Cardoso tem maior taxa de reprovação do que aprovação: para 36% dos brasileiros, o desempenho do presidente vem sendo ruim ou péssimo (mesmo percentual dos que consideram-no regular), contra 26% que acham que ele vem sendo ótimo ou bom.
Além disso, para 35% o país, hoje, de um modo geral, em relação ao que era antes do início do governo Fernando Henrique Cardoso, está melhor; percentual similar (34%) acha que o país está pior. Acham que o país não mudou nesse período, nem para melhor, nem para pior, 28%.
Esses são alguns dos principais resultados de pesquisa realizada pelo Datafolha entre os dias 9 e 11 de dezembro. Foram entrevistados 14559 brasileiros em 365 cidades de todas as unidades da Federação. A margem de erro máxima para esta pesquisa é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos. "
*
Em dezembro de 2007...
"Passados quatro anos e 11 meses de governo, o desempenho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é considerado ótimo ou bom por 50% dos brasileiros; para 35% ele vem sendo regular e para 14% o presidente tem um desempenho ruim ou péssimo. É o que mostra pesquisa realizada pelo Datafolha entre os dias 26 e 29 de novembro, em 390 municípios do país. Forma ouvidos 11741 brasileiros a partir dos 16 anos de idade, e a margem de erro máxima, para os resultados que se referem ao total de entrevistados, é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.
A aprovação ao desempenho de Lula aumentou sete pontos percentuais entre os brasileiros que fazem parte de famílias com renda acima de dez salários mínimos: nesse segmento, a taxa dos que classificam o governo do petista como ótimo ou bom passou de 32% em agosto para 39% hoje, marca idêntica à registrada em março.
Entre os que têm escolaridade superior a reprovação a Lula caiu nove pontos percentuais, passando de 29% para 20%, refletindo variações positivas nas taxas dos que consideram o governo do presidente regular (de 34% para 40%) ou ótimo ou bom (de 36% para 40%). "
*
Viram? FHC, ao final de seu segundo mandato, em dezembro de 2002, tinha aprovação ótimo/bom de 26%, na pesquisa Datafolha. Lula, ao final de seu primeiro mandato, tinha aprovação de 50%. O dobro. FHC termina seu primeiro mandato com aprovação de ótimo e bom de 35% e o segundo - repetindo - em 26%. Lula, somente nas faixas com escolaridade superior, encerrou seu mandato com aprovação de 40%. E nas faixas com renda acima de 10 salários mínimos por mês (aproximadamente 4000 reais /mês), a aprovação ótimo/bom de Lula fechou 2007 em 39%. Onde está a divisão de classes? Como fica a teoria de que somente os pobres do bolsa família, ignorantes que não lêem Globo, Estadão ou Veja, apóiam o presidente operário?
*
Na pesquisa do CNT/Census divulgada nesta segunda-feira, a aprovação de Lula subiu, em fevereiro de 2008, para 66,8%. Em outubro de 2007, pouco antes das eleições, a aprovação era de 61%.
*
Ah, para Jabor, as boas notícias da economia são a "macro-economia herdada", ou "herança bendita". Engraçado é que, segundo as pesquisas do Datafolha, a população não demonstrava tanto apreço, ao final da gestão tucana, pela tal "macro-economia". Deve ser ingratidão.
*
Cora Rónai, que não soltara uma vogal de alegria pela descoberta dos novos mega-campos de petróleo da Petrobrás, resolveu comentar o roubo do computadores da empresa. Virou especialistas em segurança. Disse que laptop dela vai sempre juntinho com ela, que bonitinho. A Petrobrás podia contratar a Cora, portanto, para tomar conta de seus 8.200 laptops. "Eles", os neo-udenistas, ficaram felizes com o pretexto para meter o malho na estatal. Cora afirma en passant que, segundo amigos, a Petrobrás sabia há 15 anos da existência dos megacampos. Que maneira elegante de esnobar descobertas que podem triplicar as reservas nacionais... E que fontes bem informadas! Esses caras, se sabiam disso, devem estar bilionários agora, porque puderam investir em ações da Petrobrás antes dos anúncios oficiais sobre a existência dos campos gigantes. Será que foi o Daniel Dantas que contou a ela? Aarg, Miguel, pára de paranóia. Assim tu fica maluco. Dantas é do ramo da telefonia, não do petróleo.
De qualquer forma, pelas insinuações da Cora, acho que ela descobriu quem roubou os computadores... Adivinha quem foi? O prêmio é uma tapioca. "Eles", é claro. Os petralhas.
*
Humm, tô achando que a Cora tá querendo aumento de salário. Ou então, aproveitando o momento de fraqueza da Miriam Leitão, que desandou a vaticinar algumas boas novas para a economia brasileira (deve ter surtado), quer tomar seu lugar. Só isso explica seus ataques felinos, amanteigados e venenosos, ao Luis Nassif.
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Em dezembro de 2002...
"Prestes a encerrar um período de oito anos ocupando a Presidência da República, Fernando Henrique Cardoso tem maior taxa de reprovação do que aprovação: para 36% dos brasileiros, o desempenho do presidente vem sendo ruim ou péssimo (mesmo percentual dos que consideram-no regular), contra 26% que acham que ele vem sendo ótimo ou bom.
Além disso, para 35% o país, hoje, de um modo geral, em relação ao que era antes do início do governo Fernando Henrique Cardoso, está melhor; percentual similar (34%) acha que o país está pior. Acham que o país não mudou nesse período, nem para melhor, nem para pior, 28%.
Esses são alguns dos principais resultados de pesquisa realizada pelo Datafolha entre os dias 9 e 11 de dezembro. Foram entrevistados 14559 brasileiros em 365 cidades de todas as unidades da Federação. A margem de erro máxima para esta pesquisa é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos. "
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Em dezembro de 2007...
"Passados quatro anos e 11 meses de governo, o desempenho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é considerado ótimo ou bom por 50% dos brasileiros; para 35% ele vem sendo regular e para 14% o presidente tem um desempenho ruim ou péssimo. É o que mostra pesquisa realizada pelo Datafolha entre os dias 26 e 29 de novembro, em 390 municípios do país. Forma ouvidos 11741 brasileiros a partir dos 16 anos de idade, e a margem de erro máxima, para os resultados que se referem ao total de entrevistados, é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.
A aprovação ao desempenho de Lula aumentou sete pontos percentuais entre os brasileiros que fazem parte de famílias com renda acima de dez salários mínimos: nesse segmento, a taxa dos que classificam o governo do petista como ótimo ou bom passou de 32% em agosto para 39% hoje, marca idêntica à registrada em março.
Entre os que têm escolaridade superior a reprovação a Lula caiu nove pontos percentuais, passando de 29% para 20%, refletindo variações positivas nas taxas dos que consideram o governo do presidente regular (de 34% para 40%) ou ótimo ou bom (de 36% para 40%). "
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Viram? FHC, ao final de seu segundo mandato, em dezembro de 2002, tinha aprovação ótimo/bom de 26%, na pesquisa Datafolha. Lula, ao final de seu primeiro mandato, tinha aprovação de 50%. O dobro. FHC termina seu primeiro mandato com aprovação de ótimo e bom de 35% e o segundo - repetindo - em 26%. Lula, somente nas faixas com escolaridade superior, encerrou seu mandato com aprovação de 40%. E nas faixas com renda acima de 10 salários mínimos por mês (aproximadamente 4000 reais /mês), a aprovação ótimo/bom de Lula fechou 2007 em 39%. Onde está a divisão de classes? Como fica a teoria de que somente os pobres do bolsa família, ignorantes que não lêem Globo, Estadão ou Veja, apóiam o presidente operário?
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Na pesquisa do CNT/Census divulgada nesta segunda-feira, a aprovação de Lula subiu, em fevereiro de 2008, para 66,8%. Em outubro de 2007, pouco antes das eleições, a aprovação era de 61%.
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Ah, para Jabor, as boas notícias da economia são a "macro-economia herdada", ou "herança bendita". Engraçado é que, segundo as pesquisas do Datafolha, a população não demonstrava tanto apreço, ao final da gestão tucana, pela tal "macro-economia". Deve ser ingratidão.
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Cora Rónai, que não soltara uma vogal de alegria pela descoberta dos novos mega-campos de petróleo da Petrobrás, resolveu comentar o roubo do computadores da empresa. Virou especialistas em segurança. Disse que laptop dela vai sempre juntinho com ela, que bonitinho. A Petrobrás podia contratar a Cora, portanto, para tomar conta de seus 8.200 laptops. "Eles", os neo-udenistas, ficaram felizes com o pretexto para meter o malho na estatal. Cora afirma en passant que, segundo amigos, a Petrobrás sabia há 15 anos da existência dos megacampos. Que maneira elegante de esnobar descobertas que podem triplicar as reservas nacionais... E que fontes bem informadas! Esses caras, se sabiam disso, devem estar bilionários agora, porque puderam investir em ações da Petrobrás antes dos anúncios oficiais sobre a existência dos campos gigantes. Será que foi o Daniel Dantas que contou a ela? Aarg, Miguel, pára de paranóia. Assim tu fica maluco. Dantas é do ramo da telefonia, não do petróleo.
De qualquer forma, pelas insinuações da Cora, acho que ela descobriu quem roubou os computadores... Adivinha quem foi? O prêmio é uma tapioca. "Eles", é claro. Os petralhas.
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Humm, tô achando que a Cora tá querendo aumento de salário. Ou então, aproveitando o momento de fraqueza da Miriam Leitão, que desandou a vaticinar algumas boas novas para a economia brasileira (deve ter surtado), quer tomar seu lugar. Só isso explica seus ataques felinos, amanteigados e venenosos, ao Luis Nassif.
18 de fevereiro de 2008
Por que gosto Tropa de Elite
13 comentarios
Quais são as qualidades que contam num filme? O que faz de um filme um bom filme? Roteiro, fotografia, interpretação dos atores, harmonia? Naturalmente, é tudo isso. No entanto, há outro fator fundamental e mais misterioso: o gosto do público, aí incluindo o público especializado. No caso brasileiro, com a nossa profunda divisão social, é naturalmente mais difícil para um cineasta agradar gregos e troianos. Uns escolhem fazer filmes notoriamente de elite, e o fazem muito bem. Não falo de elite no sentido ideológico e econômico, negativo, mas no sentido positivo, de público especializado. Fazer filme para elite é muito mais barato, embora não necessariamente mais fácil. Produzir um bom filme sempre é difícil, seja um filme cult feito para agradar a crítica internacional e os resenhistas da Contracampo, seja feito para agradar o povão e bater recorde de público.
Muitos tentam alcançar os dois objetivos ao mesmo tempo, o que é mais arriscado ainda. Claro que é infinitamente mais fácil fazer uma xaropada romântica cheia de atores globais, como Sexo com Amor, do que um filme polêmico e ousado como Tropa de Elite.
Mas José Padilha, ao que consta, conseguiu. Fez um filme com forte apelo comercial e, ao mesmo tempo, um filme muito elogiado pela crítica - apesar das vozes discordantes.
O que realmente chamou a atenção, no caso do Tropa de Elite, foi o epíteto de "filme fascista". O mais estranho ainda é que se tenha associado essa crítica a uma suposta "esquerda". E pegou: começou-se a dizer que a esquerda não tinha gostado do filme, como se a esquerda fosse uma entidade monolítica. O sociopata nazista do Reinaldo de Azevedo começou a vociferar essa versão e muitos acreditaram. Aì a Veja adotou o filme: é nosso.
Claro que, a partir do momento em que se chama o filme de "fascista", automaticamente, associa-se a origem disso na esquerda, já que é a esquerda que gosta de chamar os outros de fascistas e reacionários. Também andaram chamando o filme de reacionário.
No entanto, para mim não importa se o próprio Hitler tivesse adorado o filme. Hitler gostava de Wagner. Os nazistas gostavam de Heidegger. E isso não interfere em nada no valor em si dos autores citados. Os nazistas da Veja podem gostar de quem eles quiserem. Se eles gostaram do Tropa de Elite, ótimo. Melhor para Tropa de Elite, melhor para o cinema brasileiro.
Mas, sobre o fato do filme ser fascista, eu realmente ainda não consegui entender a origem desta crítica. Já andaram tentando me explicar. O filme gera empatia entre o público e o Capitão Nascimento. A narrativa teria sido construído de forma a produzir essa afinidade entre o "fascista" Capitão Nascimento e o público. Por aí vai. Acontece que não consigo ver "fascismo" na figura do Capitão. O que eu vejo é um indivíduo torturado por um ofício desumano, por uma corporação policial corrupta - e isso, a corrupção, é mostrado no filme.
O que realmente incomodou a setores sociais é que o filme mostrou uma imagem estereotipada de uma ong. Incomodou muito também a setores médios com grande intimidade com as drogas, seja por uso próprio seja pelo meio em que vivem. Mas aí reside uma grande confusão. José Padilha tem repetido por toda a parte que é a favor da liberação das drogas, como única maneira de resolver a questão. Eu também sou. Um dia terão que fazer isso. Até porque, em função da própria proibição, a humanidade está inventando diariamente novos tipos de droga. E a nossa civilização tem como destino a liberdade. Enquanto a droga for proibida, é lógico que o consumo financia o tráfico. Os setores médios não querem conviver com essa culpa, mas isso é ingênuo. Há também hipocrisia. Consumidores que preferem a proibição, porque ela parece negar a realidade. Se é proibido e eu faço escondido, então é como eu não usasse.
Mas a proibição também gera um problema grave de saúde pública, porque expõe a juventude ao uso de drogas com resíduos tóxicos. E trata-se de cegueira e estupidez manter uma atitude olímpica e vingadora diante desse fato, do tipo: bem feito para eles, viciados. Não se deve julgar moralmente o uso das drogas. As melhores cabeças da humanidade, da música, da literatura e do cinema já usaram drogas. Não são as pessoas más que usam drogas, mas as pessoas fracas, ou ansiosas, ou frenéticas, ou simplesmente curiosas. As drogas, aliás, não são uma invenção moderna, existem há milhares de anos. A busca pela transcendência espiritual é um anseio milenar dos homens. Um dos livros mais belos da filosofia grega, O Banquete, de Sócrates, inicia com a descrição de um grupo de homens curando-se de um ressaca homérica, que combinam deixar de beber por algumas horas e, para conseguirem tal feito, decidem se distrair filosofando sobre o amor.
Voltando ao Tropa de Elite, trata-se de um filme que retrata uma realidade brutal. Não adianta esconder. A identificação do público com capitão Nascimento é justamente um dos aspectos originais do filme. Se José Padilha fizesse um filme em que o protagonista fosse um bandido, estaria repetindo a fórmula de Cidade de Deus, outro grande filme que foi muito mal compreendido por setores da intelectualidade. As elocubrações sobre uma deliberada intenção de incentivar o extermínio também não se sustentam. A dramaturgia tem leis próprias. Se o diretor começar a se preocupar com possíveis leituras morais de seu filme, a criatividade morre. Ademais, desde quando o bom cinema se preocupou com moralismo. Taxi Driver também cria identificação com o motorista direitão interpretado por Robert De Niro, e não me lembro de o terem acusado de fascista. Se alguém o fez, arrependeu-se.
Os filmes devem ser analisados por suas qualidades intrínsecas. Kant afirmava que a arte deve ser admirada sem "interesse", ou seja, sem que elementos externos (ideologias, opinião da Veja ou da Vanity Fair, por exemplo) interfiram em sua análise pessoal. Claro que todas as opiniões são bem vindas. Para filmes, vale a máxima que vale para políticos: falem mal mas falem de mim. Nada melhor para o marketing de um filme do que uma boa polêmica. Desde que o filme tenha consistência e qualidade para sustentar um longo e proveitoso debate.
Aliás, essa qualidade e consistência não podem ser negadas ao Tropa de Elite. E o diretor, José Padilha, enfrentou dezenas de debates com muita galhardia e inteligência, defendendo seu filme com garra, paixão e lucidez.
O filme pode não ser perfeito. Mas até o Dom Quixote, de Cervantes, tem seus defeitos. Nenhuma arte, nem as mais altas obras humanas, escapam da irregularidade natural do ser humano. O que acho temerário, realmente, é essa pecha de "fascista", que não constitui uma crítica lúcida, mas um ataque moralista, ideologizado, esquerdóide, e não ao filme, mas à própria dignidade do filme e, logo, à dignidade do diretor e sua equipe, um diretor jovem , combativo e bem intencionado, que produziu e dirigiu 174, um filme de cunho fortemente social e político, no sentido mais absolutamente contrário ao que se conhece como fascismo, um filme que tenta humanizar um bandido, mostrar as origens de sua violência e revolta.
Não tenho cancha de crítico de cinema. Não sei fazer resenhas falando de grandes angulares e contracampos e analisando a profundidade da luz. Sou apenas um cinéfilo, como quase todo mundo. Discordo, todavia, dessa promiscuidade entre julgamento estético e ideologia. A arte é terreno da liberdade total, inclusive diabólica inclusive fascista. Não é o caso de Tropa de Elite, mas se o fosse, ainda sim teria todo o direito a sê-lo. Teria, em última instância, a finalidade de catarse. A arte não tem que pregar bom comportamento. Até porque não existe, em si, um bom comportamento.
Vocês viram Cafundó, do Paulo Betti? Pois é. Está aí um filme cheio de boas intenções e resultado catastrófico. Prefiro ver um documentário nazista a assistir Cafundó. Enfim, deixo registrado aqui o meu protesto. Não misturem juízo estético com impressões políticas superficiais. Só ajuda a desmoralizar as idéias que você defende e abre precedente para seus adversários atacarem o filme que você gosta e, logo, você mesmo, com argumentos similares.
Sem contar que, diante da crise profunda do cinema brasileiro, o sucesso estrondoso de Tropa de Elite e de Meu nome não é Jonnhy (outro filme que tem sido fortemente criticado por moralistas, neste caso da direita conservadora, por mostrar o lado humano de um traficante de classe média) junto ao público, significa uma conquista de mercado do cinema brasileiro sobre o cinemão hooliwoodiano, e logo um sinal de vigor da cultura brasileira, que deve receber o apoio firme de nossos intelectuais, porque é um gesto de independência política e virilidade econômica-cultural. É sempre mais gostoso quando um filme brasileiro não apenas é bom de crítica, mas também de público.
Muitos tentam alcançar os dois objetivos ao mesmo tempo, o que é mais arriscado ainda. Claro que é infinitamente mais fácil fazer uma xaropada romântica cheia de atores globais, como Sexo com Amor, do que um filme polêmico e ousado como Tropa de Elite.
Mas José Padilha, ao que consta, conseguiu. Fez um filme com forte apelo comercial e, ao mesmo tempo, um filme muito elogiado pela crítica - apesar das vozes discordantes.
O que realmente chamou a atenção, no caso do Tropa de Elite, foi o epíteto de "filme fascista". O mais estranho ainda é que se tenha associado essa crítica a uma suposta "esquerda". E pegou: começou-se a dizer que a esquerda não tinha gostado do filme, como se a esquerda fosse uma entidade monolítica. O sociopata nazista do Reinaldo de Azevedo começou a vociferar essa versão e muitos acreditaram. Aì a Veja adotou o filme: é nosso.
Claro que, a partir do momento em que se chama o filme de "fascista", automaticamente, associa-se a origem disso na esquerda, já que é a esquerda que gosta de chamar os outros de fascistas e reacionários. Também andaram chamando o filme de reacionário.
No entanto, para mim não importa se o próprio Hitler tivesse adorado o filme. Hitler gostava de Wagner. Os nazistas gostavam de Heidegger. E isso não interfere em nada no valor em si dos autores citados. Os nazistas da Veja podem gostar de quem eles quiserem. Se eles gostaram do Tropa de Elite, ótimo. Melhor para Tropa de Elite, melhor para o cinema brasileiro.
Mas, sobre o fato do filme ser fascista, eu realmente ainda não consegui entender a origem desta crítica. Já andaram tentando me explicar. O filme gera empatia entre o público e o Capitão Nascimento. A narrativa teria sido construído de forma a produzir essa afinidade entre o "fascista" Capitão Nascimento e o público. Por aí vai. Acontece que não consigo ver "fascismo" na figura do Capitão. O que eu vejo é um indivíduo torturado por um ofício desumano, por uma corporação policial corrupta - e isso, a corrupção, é mostrado no filme.
O que realmente incomodou a setores sociais é que o filme mostrou uma imagem estereotipada de uma ong. Incomodou muito também a setores médios com grande intimidade com as drogas, seja por uso próprio seja pelo meio em que vivem. Mas aí reside uma grande confusão. José Padilha tem repetido por toda a parte que é a favor da liberação das drogas, como única maneira de resolver a questão. Eu também sou. Um dia terão que fazer isso. Até porque, em função da própria proibição, a humanidade está inventando diariamente novos tipos de droga. E a nossa civilização tem como destino a liberdade. Enquanto a droga for proibida, é lógico que o consumo financia o tráfico. Os setores médios não querem conviver com essa culpa, mas isso é ingênuo. Há também hipocrisia. Consumidores que preferem a proibição, porque ela parece negar a realidade. Se é proibido e eu faço escondido, então é como eu não usasse.
Mas a proibição também gera um problema grave de saúde pública, porque expõe a juventude ao uso de drogas com resíduos tóxicos. E trata-se de cegueira e estupidez manter uma atitude olímpica e vingadora diante desse fato, do tipo: bem feito para eles, viciados. Não se deve julgar moralmente o uso das drogas. As melhores cabeças da humanidade, da música, da literatura e do cinema já usaram drogas. Não são as pessoas más que usam drogas, mas as pessoas fracas, ou ansiosas, ou frenéticas, ou simplesmente curiosas. As drogas, aliás, não são uma invenção moderna, existem há milhares de anos. A busca pela transcendência espiritual é um anseio milenar dos homens. Um dos livros mais belos da filosofia grega, O Banquete, de Sócrates, inicia com a descrição de um grupo de homens curando-se de um ressaca homérica, que combinam deixar de beber por algumas horas e, para conseguirem tal feito, decidem se distrair filosofando sobre o amor.
Voltando ao Tropa de Elite, trata-se de um filme que retrata uma realidade brutal. Não adianta esconder. A identificação do público com capitão Nascimento é justamente um dos aspectos originais do filme. Se José Padilha fizesse um filme em que o protagonista fosse um bandido, estaria repetindo a fórmula de Cidade de Deus, outro grande filme que foi muito mal compreendido por setores da intelectualidade. As elocubrações sobre uma deliberada intenção de incentivar o extermínio também não se sustentam. A dramaturgia tem leis próprias. Se o diretor começar a se preocupar com possíveis leituras morais de seu filme, a criatividade morre. Ademais, desde quando o bom cinema se preocupou com moralismo. Taxi Driver também cria identificação com o motorista direitão interpretado por Robert De Niro, e não me lembro de o terem acusado de fascista. Se alguém o fez, arrependeu-se.
Os filmes devem ser analisados por suas qualidades intrínsecas. Kant afirmava que a arte deve ser admirada sem "interesse", ou seja, sem que elementos externos (ideologias, opinião da Veja ou da Vanity Fair, por exemplo) interfiram em sua análise pessoal. Claro que todas as opiniões são bem vindas. Para filmes, vale a máxima que vale para políticos: falem mal mas falem de mim. Nada melhor para o marketing de um filme do que uma boa polêmica. Desde que o filme tenha consistência e qualidade para sustentar um longo e proveitoso debate.
Aliás, essa qualidade e consistência não podem ser negadas ao Tropa de Elite. E o diretor, José Padilha, enfrentou dezenas de debates com muita galhardia e inteligência, defendendo seu filme com garra, paixão e lucidez.
O filme pode não ser perfeito. Mas até o Dom Quixote, de Cervantes, tem seus defeitos. Nenhuma arte, nem as mais altas obras humanas, escapam da irregularidade natural do ser humano. O que acho temerário, realmente, é essa pecha de "fascista", que não constitui uma crítica lúcida, mas um ataque moralista, ideologizado, esquerdóide, e não ao filme, mas à própria dignidade do filme e, logo, à dignidade do diretor e sua equipe, um diretor jovem , combativo e bem intencionado, que produziu e dirigiu 174, um filme de cunho fortemente social e político, no sentido mais absolutamente contrário ao que se conhece como fascismo, um filme que tenta humanizar um bandido, mostrar as origens de sua violência e revolta.
Não tenho cancha de crítico de cinema. Não sei fazer resenhas falando de grandes angulares e contracampos e analisando a profundidade da luz. Sou apenas um cinéfilo, como quase todo mundo. Discordo, todavia, dessa promiscuidade entre julgamento estético e ideologia. A arte é terreno da liberdade total, inclusive diabólica inclusive fascista. Não é o caso de Tropa de Elite, mas se o fosse, ainda sim teria todo o direito a sê-lo. Teria, em última instância, a finalidade de catarse. A arte não tem que pregar bom comportamento. Até porque não existe, em si, um bom comportamento.
Vocês viram Cafundó, do Paulo Betti? Pois é. Está aí um filme cheio de boas intenções e resultado catastrófico. Prefiro ver um documentário nazista a assistir Cafundó. Enfim, deixo registrado aqui o meu protesto. Não misturem juízo estético com impressões políticas superficiais. Só ajuda a desmoralizar as idéias que você defende e abre precedente para seus adversários atacarem o filme que você gosta e, logo, você mesmo, com argumentos similares.
Sem contar que, diante da crise profunda do cinema brasileiro, o sucesso estrondoso de Tropa de Elite e de Meu nome não é Jonnhy (outro filme que tem sido fortemente criticado por moralistas, neste caso da direita conservadora, por mostrar o lado humano de um traficante de classe média) junto ao público, significa uma conquista de mercado do cinema brasileiro sobre o cinemão hooliwoodiano, e logo um sinal de vigor da cultura brasileira, que deve receber o apoio firme de nossos intelectuais, porque é um gesto de independência política e virilidade econômica-cultural. É sempre mais gostoso quando um filme brasileiro não apenas é bom de crítica, mas também de público.
Desmascarando a mídia golpista ou porque a popularidade de Lula continua subindo
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Por que chamamos a mídia de golpista? Muitos não compreendem o epíteto que tão facilmente foi colado no rabo de nossa grande imprensa. Sempre vale a pena, portanto, explicar as coisas didaticamente. A mídia brasileira é chamada de golpista por razões históricas. Tentou derrubar Vargas. Tentou derrubar Juscelino. Finalmente, derrubou Jango. As manchetes garrafais da mídia às vésperas do golpe militar eram: "CHEGA!", "BASTA!", e por aí vai. Já naquela época, agiam em grupo, repercutindo sempre as mesmas ladainhas. Não tenho certeza, porém, que toda a imprensa apoiava o golpe. Alguns órgãos eram simplesmente refratários à política de Jango. Outros eram positivamente conspiradores. E houve aqueles que se consolidaram durante os anos de chumbo, como é o caso do Globo. Muitos dos que faziam oposição à João Goulart, no entanto, não apoiaram o golpe militar nem seus desdobramentos cada vez mais totalitários. Foram sufocados e alguns morreram, constituindo grande perda à pluralidade da imprensa escrita nacional, como foi o caso do Correio da Manhã, da Ùltima Hora e do Jornal do Brasil.
É por isso que chamamos a mídia de golpista. Não é por ela ser contra o Lula. É por seu histórico. Mas também por usar métodos inescrupulosos, que a sociedade vêm identificando cada vez mais. Inescrupulosos e, felizmente, não tão eficazes como "eles", os donos e jagunços da mídia, pensam. Ou pensavam. No artigo anterior, eu destrinchei as incoerências gritantes da coluna da Cora Rónai. Ela não se dignou, naturalmente, a fazer nenhum comentário. No blog dela, apenas escreveu, na caixa de comentários, sobre não dar ibope a um "blog desconhecido". Claro, a salvação dela é impedir que seus leitores tenham acesso ao contraditório. O texto de Cora e as pessoas que o aprovaram, mostram bem que ela, decididamente, alinhou-se ao lado podre da direita nacional.
Eis que hoje temos uma surpresa agradável. O instituto CNT/Sensus divulga que a popularidade de Lula cresceu fortemente nas últimas semanas, atingindo seu maior nível desde janeiro de 2003, quando havia uma verdadeira febre lulista, ainda não contaminada dos inevitáveis tropeços de governo. Descontando o setor infantil do esquerdismo que se desencantou com Lula de forma inexorável, dramaticamente, não importando os fatos sociais, como redução de desemprego e demais bagatelas, pode-se dizer que o lulismo conquistou uma grande parcela que não votou nele.
Observem que a pesquisa mostrou que a maioria dos brasileiros ficou sabendo do caso do cartão e que desaprova o seu uso. A mídia concentrou-se nesse aspecto da pesquisa como tábua de salvação, tentando abafar seu maior significado: um retumbante fracasso da busca frenética da mídia em danificar a imagem do presidente. Só que, em verdade, o uso do cartão representa um avanço na fiscalização pública - há consenso total sobre esse ponto entre especialistas, inclusive os entrevistados pela mídia. Se o povo desaprova os cartões, e considera que eles afetaram a imagem de Lula, a dedução é fácil: a mídia desinformou a sociedade. Na sua desesperada luta para abalar a imagem de Lula, a verdade saiu ferida e o resultado político foi o contrário do esperado: a popularidade do presidente atingiu seu ápice.
A constante popularidade de Lula, depois de seis anos de governo, em que a população pode conhecer bem as qualidades e defeitos do presidente, coloca seus críticos numa situação difícil. E não adianta virem com o clichê, falso, de que somente pobres e desinformados prosseguem dando apoio a Lula. As pesquisas do Datafolha têm revelado, seguidamente, que Lula tem maioria em todas as camadas sociais, inclusive as mais altas - embora aí haja maior equilíbrio - e em todos os níveis de instrução. Por isso, só resta à oposição o discurso moral.
Os dois grandes erros da nossa direita cult, neo-lacerdista, são: reinventar uma guerra fria extemporânea e subestimar seus adversários. O comando dos grandes jornais e seus jagunços tentam colar há tempos a pecha de comunista autoritário no governo e em Lula. Mas não cola. Não cola porque nem o PT e muito menos Lula são comunistas. O PT é, há tempos, uma centro esquerda light, que aceita a propriedade privada, a democracia, e as instituições brasileiras como elas são. Lula, então, sempre negou, repetida e transparentemente o seu desconforto quanto ao rótulo de esquerdista. Sempre reiterou que sua bandeira era melhorar a vida dos trabalhadores brasileiros e combater a fome e a miséria, dois problemas que marcaram, traumaticamente, a sua infância e adolescência. Ele sempre afirmou, isso sim, as suas tendências humanistas e socialistas, mas nunca que defendia rupturas institucionais.
Desta forma, quando a direita inicia seu discurso machartista, tentando atiçar alguma obscura histeria patrimonialista entre setores médios da sociedade, as pessoas se perguntam: mas onde está o comunismo no governo Lula? Os bancos estão lucrando mais agora do que antes, as empresas idem, está-se criando um vigoroso mercado consumidor, o PIB brasileiro cresceu fortemente nesses seis anos de Lula, a dívida externa foi paga, achamos grandes reservas de petróleo, a democracia está mais firme que nunca. Onde está o comunismo? Então, a direita se apega, desesperadamente, em movimentos sociais marcadamente socialistas, como o MST. Mas o MST, apesar de não ser criminalizado como era por governos anteriores, não tem presença no governo federal. Ao contrário, o MST tem procurado se afastar do governo. O engraçado é que a mídia, no afã de reproduzir qualquer crítica ao governo federal, já publicou depoimentos negativos de inúmeras lideranças do MST sobre o governo. As pessoas, portanto, ficam confusas.
O segundo erro é subestimar o adversário. Houve caricaturização do Partido dos Trabalhadores. "Petista", ou "petralha", para essa direita, virou sinônimo de corrupto, ignorante, burro. Ora, esses defeitos não são privilégio do PT. O que acontece é que o PT é o primeiro grande partido popular da redemocratização. O PSDB, por exemplo, caracteriza-se como um partido de elite. Não tem processos democráticos de escolha de seus comandos executivos. Somente agora é que, pressionado por sua base e pelo sucesso do PT nessa área, vem planejando criar um sistema interno de "prévias" eleitorais. O resultado é que os quadros políticos do PSDB tem origem em altos escalões acadêmicos e no alto empresariado. Não há acesso das classes baixas ou mesmo das camadas médias aos principais postos do PSDB. Por isso, não há negros nem mulatos no PSDB. Não há "povo" no PSDB. Grande parte do preconceito contra o PT advém daí, do preconceito contra "mulatos", "negros" e "operários" que ousam subverter as mais antigas tradições e assumirem o poder. A ascensão do PT ao poder, e de Lula, em particular, reveste-se por isso de um caráter muito mais progressista que a chegada ao poder de Getúlio Vargas, JK ou Jango. Todos eles possuíam o rosto das elites. A diferença é que estavam impregnados de sensibilidade social e nacionalismo.
A nossa direita é extremamente ciosa do domínio da linguagem e da alta cultura. Parte de nossas classes médias também é muito sensível a demonstrações de erudição e virtuoses linguísticas. Tem uma admiração reverencial por essas qualidades, revelando comportamentos subalternos que beiram o ridículo, como é a alcunha de Tio Rei pela qual um colunista tem orgulho de ser chamado por seu séquito. Ora, o culto excessivo à erudição culminou no nazismo alemão e um país com uma relação mais saudável e arejada com a cultura, como os Estados Unidos, assumiu a liderança cultural do planeta. Os grandes compositores de jazz americanos não eram eruditos, mas são respeitados e reverenciados como pertencentes à nata superior da cultura.
A cultura é uma força viva, que se alimenta de toda experiência humana, erudita ou não. Há pessoas que leram muito e continuam estúpidas. Há pessoas com idéias fixas que ajustam tudo o que lêem a estas idéias. Assim funciona a mente de certos sociopatas paranóicos. Demonstram grande cultura, mas é uma cultura fria, estereotipada, adquirida como quem compra armas, com o objetivo pré-concebido de defender os interesses de sua classe. Uma erudição nazista. Os neo-conservadores americanos e seus súditos no Brasil são assim.
Há, todavia, um outro terrível defeito em nossa direita. Um defeito fundamental. Enquanto a direita do primeiro mundo tem orgulho pátrio, a nossa é envergonhada de suas origens. Esta característica explica muito da patologia histérica, inescrupulosa, de nossos pobres neo-con tupi. Aliás, é engraçado demais (e humilhante para eles) dizer isso: direita tupinambá.
É por isso que chamamos a mídia de golpista. Não é por ela ser contra o Lula. É por seu histórico. Mas também por usar métodos inescrupulosos, que a sociedade vêm identificando cada vez mais. Inescrupulosos e, felizmente, não tão eficazes como "eles", os donos e jagunços da mídia, pensam. Ou pensavam. No artigo anterior, eu destrinchei as incoerências gritantes da coluna da Cora Rónai. Ela não se dignou, naturalmente, a fazer nenhum comentário. No blog dela, apenas escreveu, na caixa de comentários, sobre não dar ibope a um "blog desconhecido". Claro, a salvação dela é impedir que seus leitores tenham acesso ao contraditório. O texto de Cora e as pessoas que o aprovaram, mostram bem que ela, decididamente, alinhou-se ao lado podre da direita nacional.
Eis que hoje temos uma surpresa agradável. O instituto CNT/Sensus divulga que a popularidade de Lula cresceu fortemente nas últimas semanas, atingindo seu maior nível desde janeiro de 2003, quando havia uma verdadeira febre lulista, ainda não contaminada dos inevitáveis tropeços de governo. Descontando o setor infantil do esquerdismo que se desencantou com Lula de forma inexorável, dramaticamente, não importando os fatos sociais, como redução de desemprego e demais bagatelas, pode-se dizer que o lulismo conquistou uma grande parcela que não votou nele.
Observem que a pesquisa mostrou que a maioria dos brasileiros ficou sabendo do caso do cartão e que desaprova o seu uso. A mídia concentrou-se nesse aspecto da pesquisa como tábua de salvação, tentando abafar seu maior significado: um retumbante fracasso da busca frenética da mídia em danificar a imagem do presidente. Só que, em verdade, o uso do cartão representa um avanço na fiscalização pública - há consenso total sobre esse ponto entre especialistas, inclusive os entrevistados pela mídia. Se o povo desaprova os cartões, e considera que eles afetaram a imagem de Lula, a dedução é fácil: a mídia desinformou a sociedade. Na sua desesperada luta para abalar a imagem de Lula, a verdade saiu ferida e o resultado político foi o contrário do esperado: a popularidade do presidente atingiu seu ápice.
A constante popularidade de Lula, depois de seis anos de governo, em que a população pode conhecer bem as qualidades e defeitos do presidente, coloca seus críticos numa situação difícil. E não adianta virem com o clichê, falso, de que somente pobres e desinformados prosseguem dando apoio a Lula. As pesquisas do Datafolha têm revelado, seguidamente, que Lula tem maioria em todas as camadas sociais, inclusive as mais altas - embora aí haja maior equilíbrio - e em todos os níveis de instrução. Por isso, só resta à oposição o discurso moral.
Os dois grandes erros da nossa direita cult, neo-lacerdista, são: reinventar uma guerra fria extemporânea e subestimar seus adversários. O comando dos grandes jornais e seus jagunços tentam colar há tempos a pecha de comunista autoritário no governo e em Lula. Mas não cola. Não cola porque nem o PT e muito menos Lula são comunistas. O PT é, há tempos, uma centro esquerda light, que aceita a propriedade privada, a democracia, e as instituições brasileiras como elas são. Lula, então, sempre negou, repetida e transparentemente o seu desconforto quanto ao rótulo de esquerdista. Sempre reiterou que sua bandeira era melhorar a vida dos trabalhadores brasileiros e combater a fome e a miséria, dois problemas que marcaram, traumaticamente, a sua infância e adolescência. Ele sempre afirmou, isso sim, as suas tendências humanistas e socialistas, mas nunca que defendia rupturas institucionais.
Desta forma, quando a direita inicia seu discurso machartista, tentando atiçar alguma obscura histeria patrimonialista entre setores médios da sociedade, as pessoas se perguntam: mas onde está o comunismo no governo Lula? Os bancos estão lucrando mais agora do que antes, as empresas idem, está-se criando um vigoroso mercado consumidor, o PIB brasileiro cresceu fortemente nesses seis anos de Lula, a dívida externa foi paga, achamos grandes reservas de petróleo, a democracia está mais firme que nunca. Onde está o comunismo? Então, a direita se apega, desesperadamente, em movimentos sociais marcadamente socialistas, como o MST. Mas o MST, apesar de não ser criminalizado como era por governos anteriores, não tem presença no governo federal. Ao contrário, o MST tem procurado se afastar do governo. O engraçado é que a mídia, no afã de reproduzir qualquer crítica ao governo federal, já publicou depoimentos negativos de inúmeras lideranças do MST sobre o governo. As pessoas, portanto, ficam confusas.
O segundo erro é subestimar o adversário. Houve caricaturização do Partido dos Trabalhadores. "Petista", ou "petralha", para essa direita, virou sinônimo de corrupto, ignorante, burro. Ora, esses defeitos não são privilégio do PT. O que acontece é que o PT é o primeiro grande partido popular da redemocratização. O PSDB, por exemplo, caracteriza-se como um partido de elite. Não tem processos democráticos de escolha de seus comandos executivos. Somente agora é que, pressionado por sua base e pelo sucesso do PT nessa área, vem planejando criar um sistema interno de "prévias" eleitorais. O resultado é que os quadros políticos do PSDB tem origem em altos escalões acadêmicos e no alto empresariado. Não há acesso das classes baixas ou mesmo das camadas médias aos principais postos do PSDB. Por isso, não há negros nem mulatos no PSDB. Não há "povo" no PSDB. Grande parte do preconceito contra o PT advém daí, do preconceito contra "mulatos", "negros" e "operários" que ousam subverter as mais antigas tradições e assumirem o poder. A ascensão do PT ao poder, e de Lula, em particular, reveste-se por isso de um caráter muito mais progressista que a chegada ao poder de Getúlio Vargas, JK ou Jango. Todos eles possuíam o rosto das elites. A diferença é que estavam impregnados de sensibilidade social e nacionalismo.
A nossa direita é extremamente ciosa do domínio da linguagem e da alta cultura. Parte de nossas classes médias também é muito sensível a demonstrações de erudição e virtuoses linguísticas. Tem uma admiração reverencial por essas qualidades, revelando comportamentos subalternos que beiram o ridículo, como é a alcunha de Tio Rei pela qual um colunista tem orgulho de ser chamado por seu séquito. Ora, o culto excessivo à erudição culminou no nazismo alemão e um país com uma relação mais saudável e arejada com a cultura, como os Estados Unidos, assumiu a liderança cultural do planeta. Os grandes compositores de jazz americanos não eram eruditos, mas são respeitados e reverenciados como pertencentes à nata superior da cultura.
A cultura é uma força viva, que se alimenta de toda experiência humana, erudita ou não. Há pessoas que leram muito e continuam estúpidas. Há pessoas com idéias fixas que ajustam tudo o que lêem a estas idéias. Assim funciona a mente de certos sociopatas paranóicos. Demonstram grande cultura, mas é uma cultura fria, estereotipada, adquirida como quem compra armas, com o objetivo pré-concebido de defender os interesses de sua classe. Uma erudição nazista. Os neo-conservadores americanos e seus súditos no Brasil são assim.
Há, todavia, um outro terrível defeito em nossa direita. Um defeito fundamental. Enquanto a direita do primeiro mundo tem orgulho pátrio, a nossa é envergonhada de suas origens. Esta característica explica muito da patologia histérica, inescrupulosa, de nossos pobres neo-con tupi. Aliás, é engraçado demais (e humilhante para eles) dizer isso: direita tupinambá.
14 de fevereiro de 2008
Desconstruindo Cora Rónai
26 comentarios
O link com a íntegra da coluna de Cora Rónai publicada hoje (14/02/2008) no jornal O Globo está aqui. Mas também reproduzo abaixo, por questão de segurança nacional (não é ironia), pois trata-se de uma pérola do jornalismo de opinião cínico, inconsistente e infectado de lugares-comuns. Vamos atacar ponto por ponto. O texto dela fica em negrito, o meu em fonte normal.
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Não há ideologia que justifique
Por mais que rosnem os jornalistas amestrados, roubo é roubo
Cora Rónai
Eu ainda acredito, como diz o Millôr, que imprensa é oposição, o resto, armazém de secos e molhados (para quem chegou ontem: pequena loja de bairro, precursora dos supermercados). Acho o jornalismo uma das mais nobres profissões, sobretudo em sua filosofia básica; o mesmo eu poderia dizer da filosofia da profissão médica, por exemplo, embora, numa e noutra profissão, muitos nem percebam a glória do que fazem, tornando-se indignos da "missão" que exercem.
Pode ser efeito colateral do joelho quebrado, pode ser ataque de saudosismo, mas o fato é que já vivi um tempo em que o, digamos, “ecossistema”, me dava mais alegrias. É claro que havia, como sempre houve, jornalistas a favor – há quem diga a soldo -- do governo. Bajular os poderosos dá lucro, quando não prestígio, que tantos perseguem.
Lugares comuns e descontextualização. Não sei quando Millor inventou esse mote "imprensa é oposição", se foi durante a ditadura ou não, mas é óbvio que o sucesso dessa frase é consequência dos anos de chumbo, quando não havia democracia e, portanto, o jornalismo não influenciava eleições - não havia eleição. É um chamado, além disso, para que o jornalista lutasse contra o próprio regime. Acontece que, com o fim da ditadura, muitos jornais passaram a incentivar seus jornalistas que continuassem sendo "oposição". Transformar isso numa regra ou, pior, numa obrigação, todavia, é uma forma de violência à liberdade tão grande quanto obrigar o sujeito a ser favorável ao governo. Imprensa é oposição coisísinha nenhuma. Numa democracia, a imprensa tem liberdade de ser a favor ou contra o governo. Que espécie de liberdade de imprensa é essa que obriga o cara a ser contra o governo e, logo, a colaborar com os objetivos da oposição? O que não pode é manipular a informação. Atacar reputações sem base jurídica. Desestabilizar o país para beneficiar um grupo político. Como a nossa imprensa faz, sem preocupação com as consequências sociais e econômicas de suas campanhas. Imagina se, na Índia, toda a imprensa fosse contra Ghandi? Seguramente, faltaram amigos na imprensa para Salvador Allende, e ele foi morto com uma bomba lançada por um caça-americano - e a imprensa quietinha.
Imagina se Nelson Mandela não tivesse apoio de uma parte da imprensa da África do Sul? O presidente F.D.Roosevelt, tão atacado pela imprensa, tinha jornalistas amigos, sobretudo os intelectuais judeus e o apoio explícito e corajoso de inúmeros escritores, artistas, músicos, etc. E todos foram presidentes cuja importância foi crucial não apenas para a história de seus países como para todo mundo. Se Roosevelt não tivesse ganhado as eleições, talvez os EUA não tivessem entrado de forma tão firme na II Guerra Mundial, e Hitler teria causado mais estragos que causou. Da mesma forma, as forças políticas que levaram Lula ao poder têm colaborado com a evolução política e econômica de toda a América do Sul, com resultados extraordinariamente positivos para as camadas mais humildes do continente.
Ademais, vai enganar outro, Cora. Não foi o Globo que fez campanha contra o governo legítimo em prol do golpe militar? Que festejou a ditadura? Que se tornou o império que é durante a ditadura? Que foi o sustentáculo midiático da ditadura? Por acaso, Millôr apoiava a campanha suja que o Globo fez contra o governo João Goulart, e que culminou com um sequestro de vinte anos da democracia brasileira, deixando um rastro de devastação política, social e econômica? A imprensa brasileira foi oposição ao governo militar? Tentou ser? Quis ser? Não, ao contrário. Estadão, Folha e Globo apoiaram o governo militar. Então não me venha falar em "imprensa é oposição". Desde a época do Império, há imprensa oposicionista e imprensa governista, e os vendidos nem sempre são os governistas. Pensar isso é um reducionismo imbecil, pois que há, obviamente, interesses escusos ou legítimos, inclusive partidários, dos dois lados.
O fato é que, quando o regime militar termina, a política brasileira estava semi-morta. Milhares de lideranças camponesas haviam sido assassinadas, portanto os campos estavam quietos. À exceção dos centros de vanguarda industrial, cuja visibilidade internacional lhes conferiam certa segurança, como era o caso do ABC paulista, as lideranças sindicais de outras regiões também foram silenciadas, pelo homícidio, pela prisão ou pela mais bárbara tortura. É evidente que o tal "ecossistema", como você diz, estava mais calmo.
O jornalista é um cidadão que vota. Ao fazer isso, ele necessariamente terá um lado. O jornalista vem de uma classe social, tem amigos que por sua vez votam e têm opiniões e mesmo paixões políticas. O jornalista tem uma história de vida e uma trajetória intelectual particular. É inevitável que tenha afinidades com algum campo político. Não se deve proibir que, em alguns momentos da alternância democrática, seja com os que estão no poder. O que acontece hoje é que as empresas de comunicação violentam ideologicamente o profissional, obrigando ele a "pensar" em linha com seus donos. Sempre foi um pouco assim, vá lá, mas segundo o relato de vários jornalistas que passaram, recentemente, pelas redações dos grandes jornais, a situação vem piorando muito. Há pressão para os jornalistas serem tendenciosos contra o governo Lula, escrevendo matérias ou editoriais de uma forma que reforce uma visão negativa pré-concebida. O exemplo da CPI dos Cartões é excelente. Antes o governo brigava para abafar a CPI. Em pouquíssimo tempo, houve uma avalanche de notícias sobre os cartões, listando inclusive os gastos mais insignificantes. Só havia um sentido para o leitor, já que não haveria lógica jornalística que se publicasse gastos tão mixurucas. Trata-se de desvio de dinheiro público. O governo decide também apoiar a CPI. O discurso muda automaticamente: é acordão, manobra esperta para controlar a CPI. Isso não é política. É criminalizar a política, já que não permite a uma das partes, no caso o governo, a fazer qualquer movimento: se é contra, quer é abafar e logo é ladrão; se é a favor, quer controlar e logo é ladrão.
Quanto à bajular "os poderosos", há uma esperteza. Quem são os poderosos? Seguramente, há vários poderosos. Cora Ronái é maliciosa: "sempre houve jornalistas a favor - há quem diga a soldo - do governo. Bajular os poderosos dá lucro, quando não prestígio, que tanto perseguem". O que dá lucro atualmente? Com o macarthismo de jornais e revistas, certamente não é "bajular" o governo Lula, e sim os interesses dos grandes meios de comunicação, que se confundem com o da oposição partidária ao governo federal. Os "poderosos" não incluiriam as famílias Frias, Marinho, Civita e Mesquita, que têm um poder midiático concentrado em suas mãos que existe em poucos países do mundo? Bajular esses poderosos não dá lucro? Na verdade, o que dá mais lucro: bajular o governo Lula ou os donos da mídia? Ganha uma tapioca quem responder mais rápido. O próprio uso do termo "bajular" é uma maneira maquiavélica de denegrir a opinião daqueles que não participam da cruzada santa contra o Lula.
Esse é mais um caso de manipulação descarada da verdade. Uma tentativa de impor a ditadura de opinião. Para Cora Ronái, os jornalistas não teriam a liberdade de serem a favor ou contra. Tem que ser contra. Contra quem? Contra os mesmos adversários de seus patrões? Contra o Lula? Claro. Jornalista tem que ser contra o Lula. É o tipo de pensamento de quem ainda não compreendeu como funciona uma democracia. Uma democracia é uma competição política. Os candidatos a representantes do povo disputam os cargos políticos, e ganham os que convencem o povo, através de palavras e promessas, quando ainda não exerceram o poder, ou através da publicidade do que realizaram, quando já o exerceram, de que são a melhor opção para o país, estado ou município.
A imprensa entra como um quarto poder, na medida em que ela tem condição de denegrir ou valorizar a imagem de um político. Portanto, a imprensa, queira ou não, participa do jogo eleitoral. O dilema, que existe em todo mundo, é fazer isso da forma mais transparente, ética e honesta possível. Uns preferem não declarar suas preferências: têm o direito. Assim como têm o direito contrário, de afirmarem sua preferência neste ou naquele candidato. Cora Ronái quer circunscrever a liberdade de opinião. Liberdade não é ser contra o governo. É ser livre para ser o que quiser: contra ou a favor. Porque, no jogo democrático, quando a imprensa é contra uma força política, automaticamente alinha-se ao adversário. Portanto, a questão de ser contra ou a favor também é relativa e confusa. O que não pode é cercear a liberdade, conforme Cora Ronái pretende. Mas Cora vai ainda mais longe...
Mas as águas de então estavam bem divididas: eles eram “eles”, nós éramos “nós”. Havia um inimigo comum. Além do que, e não é pouco!, tínhamos menos de 30 anos, às vezes pouco mais de 20. “Eles” tinham colunas e empregos públicos, candidatavam-se, enveredavam pela política sem constrangimento. “Nós” acreditávamos, sem duvidar, que o papel da imprensa era combater a ditadura, e que, derrotada esta, estariam derrotadas também a corrupção e a impunidade. Ganhávamos pouco, às vezes ridiculamente pouco. Não chegávamos, como a Amélia, a achar bonito não ter o que comer -- mas não faltava muito para isso.
Até que, um dia, apareceu um agrupamento político chamado PT, e o meio de campo começou a embolar. Isso não ficou claro à primeira vista, pelo menos não para aqueles de nós que ou éramos mais ingênuos, ou já não andávamos diretamente envolvidos em política. Eu me enquadrava nas duas categorias, e ia em frente. Mas minha ficha caiu quando, um dia, voltando de uma feira de tecnologia, com a jaqueta enfeitada com lindos pins e buttons de sistemas operacionais e de chips, levei um dedo no nariz de uma estagiária do JB que, até então, me parecera boa pessoa:
-- Por que não está usando o button do PT?!
Levei um susto. Aquele gesto e aquela voz autoritária podiam ter saído de qualquer zona histórica "alienígena", sinistra.
-- Exatamente por causa disso, -- respondi, mas acho que ela não entendeu. Eu, porém, entendi. Não havia mais "nós" e "eles". Havia patrulha e rancor, também entre "nós". Não havia mais o bom combate ou o livre pensar; havia apenas uma ideologia, como todas muito cômoda, construída com bloquinhos de lugares comuns que não exigiam grande raciocínio de ninguém. Ai de quem não compactuasse.
Que isenção maravilhosa! A culpa, claro, é do PT. Aliá, Cora podia apagar o texto todo e deixar só esta frase, que resumiria todo seu complexo pensamento: "a culpa de tudo é do PT!" Tudo ia muito bem, no Brasil e nas redações, até que surge "um agrupamento político" chamado PT. Vejam bem. Não foi um partido político, surgido em 1981, antes do fim da ditadura militar, reunindo as melhores cabeças do país, como Sérgio Buarque Holanda, Darcy Ribeiro, Antônio Candido, além dos novos sindicalistas. Foi um agrupamento político. Não tinha como reduzir mais? Aí ela pega um caso isolado, uma estagiária do "JB" (claro, do jornal concorrente...) que lhe aponta o dedo no nariz e lhe pergunta sobre o tal button do PT? A tal estagiária é uma "voz autoritária". Tínhamos acabado de sair de uma ditadura militar, onde milhares foram mortos e torturados, onde os partidos políticos foram extintos ou perseguidos e autoritarismo para Cora é o dedinho da estagiária. Que crime terrível! Perguntar sobre um button! Cuidado, gente, isso aí é o prelúdio de um novo stalinismo! Aliás, dizem que os pogroms stalinistas começavam assim: com perguntas sobre buttons. O cara chegava para outro e perguntava: "onde está seu button do partido?". Se o sujeito não respondesse rapidamente: "esqueci em casa", ou "caiu há pouco e nem reparei", era rapidamente encaminhado para um campo de concentração, onde era obrigado a andar para lá e para cá com 5.250 buttons pregados por todo corpo, no sapato, nas meias, calças, cuecas, chapeu, colarinho, etc. Cora, pergunta para a Dilma Roussef, que foi torturada desumanamente pelos órgãos de repressão, qual é o autoritarismo pior: dedinho de estagiária ou pau de arara...
A crítica de Córa, essa sim, é fascista. Por isso me irrito quando chamam o Tropa de Elite de fascista. Ora, é só um filme. Um filme muito bom e ainda vou escrever muito sobre isso. Fascista é fazer como a Cora Rónai, que pretende condenar os fundamentos de um partido político que tão importante foi para o processo de redemocratização do país. Ninguém nos EUA ataca a própria existência do Partido Democrata. Discute-se política. E o reducionismo de Cora, de julgar um partido político que hoje tem mais de 1 milhão de filiados, que evoluiu, que amadureceu, que conquistou o poder, através da observação do comportamento de uma estagiária nos anos 80, é má fé, ignorância, preconceito ou magnífica estupidez. Calma que tem mais.
* * *
Quando Lula ganhou as eleições, achei que o mundo das redações voltaria à normalidade. Poder é poder. Imaginar que existe poder "de esquerda" é de uma ingenuidade que não combina com o cinismo e a desconfiança que, em tese, andam de mãos dadas com o jornalismo. Mas, obviamente, maior ingenuidade ainda é supor que quem se ajeita a uma bitola ideológica, por interesse ou por idealismo, guarda alguma capacidade de pensar por conta própria. Sobretudo quando a tal bitola começa a se mostrar lucrativa.
* * *
Neste parágrafo, Cora extrapola seus conhecimentos e arrisca altos vôos teóricos no campo das Ciências Políticas. Cuidado, Wanderley Guilherme dos Santos, vem aí Cora Ronái! Ela diz que "imaginar que existe poder de esquerda é de uma ingenuidade que não combina com o cinismo e a desconfiança que, em tese, andam de mãos dadas com o jornalismo". Bem, é difícil entender, mas eu sou bom nisso, eu consigo entrar no cérebro de alguns, mesmo sendo tão diminuto. Cora tem uma visão absolutamente estereotipada de "esquerda". Algo como "esquerda" disneylândia. Ao mesmo tempo, Cora reforça o lugar-comum de que o poder é "do mal". Ou seja, a política é um assunto para gente do mal. Ela só condescende a falar de política porque não consegue controlar a raiva que sente do PT - em virtude do terrível trauma que sofreu há anos, com o dedo daquela estagiária em seu nariz. Sempre quis saber a quem os missivistas do Globo se referiam quando repetem o bordão: "cidadãos de bem desse país". Agora eu sei. São pessoas como Cora Rónai, que se considera "do bem", ela que durante meses escreveu sobre sua perna quebrada, seu gatinho e seu ursinho de pelúcia. Ou seja, Cora sempre seguiu à risca a máxima de Millôr Fernandes, sobre ser imprensa de oposição. Por fim, Cora lança seu julgamento final, o mais terrível de todos: "Mas, obviamente, maior ingenuidade ainda é supor que quem se ajeita a uma bitola ideológica, por interesse ou por idealismo, guarda alguma capacidade de pensar por conta própria. Sobretudo quando a tal bitola começa a se mostrar lucrativa." Hum, vamos ver. Não falarei do estilo sofrível da colunista, porque deixo esses preciosismos linguísticos para nossa direita cult. Também nem me referi ao tal "cinismo" que, "em tese", seria uma "qualidade" a ser cultivada pelos jornalistas. Grande moralista, essa Cora, pregando o jornalismo cínico... Cora, naturalmente, como manda o manual de redação do Globo, condena a ideologia ao fogo eterno. Não se trata nem de atualizar ou modernizar ou temperar as ideologias. Ideologia é uma coisa "do mal". Ao Aurélio:
ideologia(ìd) [De ideo- + -logia.] Substantivo feminino. 1.Ciência da formação das idéias; tratado das idéias em abstrato; sistema de idéias. 2.Filos. Conjunto articulado de idéias, valores, opiniões, crenças, etc., que expressam e reforçam as relações que conferem unidade a determinado grupo social (classe, partido político, seita religiosa, etc.) seja qual for o grau de consciência que disso tenham seus portadores. 3.Polít. Sistema de idéias dogmaticamente organizado como um instrumento de luta política. 4.Conjunto de idéias próprias de um grupo, de uma época, e que traduzem uma situação histórica: ideologia burguesa. [Cf. edeologia.]
Ela usa ideologia no sentido 3, naturalmente. Eu prefiro pensar idelogia no sentido 1, que é o mais abrangente e inclusive dá uma alfinetada na Cora: "conjunto de idéias (...) que expressam idéias, valores, opiniões (..) seja qual o for o grau de consciência que disso tenham seus portadores".
Acho que a ideologia da Cora tem a ver com o neo-lacerdismo ultra liberal burguês, mas vamos deixar para lá, já que essa categoria ainda está sendo estudada. Continuemos nossa análise do texto da Cora.
Já me prometi mil vezes não falar mais nisso e esquecer que hay gobierno soy contra, até porque o governo não está nem aí para o que nós, imbecis também conhecidos como contribuintes, achamos ou deixamos de achar. Quando o sangue me ferve nas veias (vale dizer todos os dias, quando pego o jornal), brinco de faz-de-conta: tento acompanhar o noticiário como se morasse em outra galáxia. O diabo é que há coisas que não há Star Trek que resolva. Agora mesmo, não sei o que me deixa mais perplexa e indignada na farra dos cartões corporativos, se o roubo descarado do nosso dinheiro, ou o contorcionismo mental de colegas, que já considerei gente de boa reflexão, tentando defender essa nojeira.
Os argumentos são espantosos. Aquela ex-ministra racista, que acha tão normal negros odiarem brancos, está, obviamente, sendo vítima de pessoas que não a conhecem; ora, se até o Zé Dirceu já garantiu que ela não agiu por má-fé! Roubou sem querer, a coitada, e a Grande Imprensa, branca e machista, lá, nos seus calcanhares. O outro comprou uma tapioca de míseros oito reais, e a Grande Imprensa, uivam os jornalistas amestrados, dá o fato em manchete. Como se o que estivesse em discussão não fosse o como, mas o quanto. Para não falar na eterna ladainha do governo, repetida como um press-release que, a essa altura, sequer tem o benefício da novidade: “na época do FhC era a mesma coisa”. Mas, perdão: não foi para isso que a atual corja foi eleita?! Para mudar tudo o que estava errado?! Para implantar um sentido ético no trato da coisa pública?!
*
O pior é que tanto faz quanto tanto fez. Enquanto o nosso dinheiro paga qualquer leviandade protegido pelo manto putrefato da “Segurança Nacional”, enquanto jornalistas arrastam a profissão na lama defendendo a corrupção, os poderosos, às nossas costas, se entendem. As famiglias ficarão a salvo.
“Eles” venceram.
(O Globo, Segundo Caderno, 14.2.2008)
Ufa, essa é a última parte. Comecemos pelo final. "Enquanto o nosso dinheiro paga qualquer leviandade protegido pelo manto putrefato da Segurança Nacional. Uau! Chamar Segurança Nacional de "manto putrefato" é ótimo! Que grand finale estupendo! Que amor pelo país! Enquanto o Brasil descobre campos gigantes de petróleo, que devem triplicar nossas reservas internacionais e nos colocar entre os 10 maiores produtores do mundo, Cora nos fala de seus ursinhos de pelúcia. Mas agora ela se redime, ao se mostrar tão preocupada com a nossa Segurança Nacional. Ora, proteger Lula e sua família lá é assunto de Segurança Nacional? E como pode Lula ousar gastar nosso dinheiro com sua segurança pessoal e de sua família? Quem é Lula? Bem, não adianta explicar para Cora que os chefes de Estado no Brasil e suas famílias têm direito à segurança e sigilo desde Dom Pedro I, passando por Deodoro da Fonseca, passando pelo decreto 200 de 1967, passando por José Sarney, Fernando Collor de Mello, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e, enfim, Luiz Inácio Lula da Silva. Se existe erro, não é no governo Lula, é na Constituição Brasileira, que exige que o Estado dê toda segurança e conforto para o chefe de Estado e família. Por mim, sinceramente, não me oponho a isso. Cora não. Para ela, Lula tem que andar a pé, sem segurança, comer angu com carne moída e beber água da pia (nem cachaça pode, que ela, claro, é moralista - a coluna dela sobre o carnaval, condenando os excessos, parece escrita pela assessora do papa).
Mas vamos ao início do trecho do artigo da Cora. "Já me prometi mil vezes não falar mais nisso e esquecer que hay gobierno soy contra, até porque o governo não está nem aí para o que nós, imbecis também conhecidos como contribuintes, achamos ou deixamos de achar."
Essa frase (hay gobierno...) virou sucesso no tempo da ditadura. Pior: virou um dogma. Com a redemocratização, virou conveniente, já que aos donos da imprensa interessava chantagear governos em troca de favores. Mesmos os governantes aliados são chantageados, em troca de verbas publicitárias ou determinadas medidas de lei. Assim a imprensa pauta os governos e defende os interesses da classe dominante. Entenda: mesmo governantes de direita são forçados, por motivos eleitorais (o que não é um motivo menor, conforme prega a filosofia neo-lacerdista), a tomarem decisões em prol dos pobres. Mas a grande imprensa, porta voz dos setores mais retrógrados das classes dominantes, chantageia o governo para bloquear o mais pequeno avanço que possa ferir os privilégios históricos das elites. O que salva os jornais são os jornalistas, que em sua maioria não pertencem às classes dominantes, e que conseguem imprimir, mesmo discretamente, alguma dialética interna aos órgãos. No entanto, nos últimos anos, as redações têm sofrido uma pressão enorme, vinda de cima, que obriga os jornalistas a se violentarem ideologica e psicologicamente.
Sobre o termo "contribuintes" imbecis, aí retornamos alegremente ao neo-lacerdismo. Ou udenismo, o que preferirem (UDN era o partido do Lacerda). Os grandes sonegadores brasileiros devem ter sentido um gostoso friozinho na barriga ao lerem esse trecho. E a classe-média-pagadora-de-impostos experimentou um indescritível sentimento de catarse. O que me intriga nesses udenistas é que assim que seus representantes chegam ao poder, os impostos sobem, as tarifas públicas sobem e, à exceção de algumas cartinhas nervosas no jornal, os colunistas aceitam tudo como natural. Confiram quanto aumentou a carga tributária no governo Fernando Henrique e quanto aumentou no de Lula. O que aumentou na era Lula foi a arrecadação fiscal, e não a carga tributária, não confundam. Os setores de informática, por exemplo, eram pesadamente onerados fiscalmente nos tempos fernandista, o que atrasou em alguns anos a entrada de milhões de brasileiros na era tecnológica. Hoje é um setor quase livre de impostos, o que resultou em forte barateamento dos produtos e explosão de consumo.
Um artigo como esse da Cora é uma verdadeira ode a seus patrões. Uma coisa triste, submissa, condenatória a quem pensa diferente. Esse mote de "hay gobierno, soy contra", passou ser conveniente para a direita sempre que a esquerda assume poder. Mas é uma frase sem consistência política, filosófica ou racional. Primeiramente, foi dita por um anarquista europeu, um radical com o qual certamente Cora não tem afinidade ideológica nenhuma. É hipocrisia sem limites citar esta frase, vinda de um pensador que condenava a propriedade privada, a imprensa burguesa, o Estado, o latifúndio, enfim, que tinha uma visão totalmente revolucionária do mundo, uma visão que se mostrou, apesar de bem intencionada, bastante problemática em vários aspectos, tanto nos famosos aspectos "práticos", como nos teóricos.
Por fim, analiso o seguinte trecho: "O outro comprou uma tapioca de míseros oito reais, e a Grande Imprensa, uivam os jornalistas amestrados, dá o fato em manchete. Como se o que estivesse em discussão não fosse o como, mas o quanto. Para não falar na eterna ladainha do governo, repetida como um press-release que, a essa altura, sequer tem o benefício da novidade: “na época do FhC era a mesma coisa”. Mas, perdão: não foi para isso que a atual corja foi eleita?! Para mudar tudo o que estava errado?! Para implantar um sentido ético no trato da coisa pública?! "
Novamente a tapioca. Como a nossa mídia, seguindo a lição de Goebbels, repete mentiras tentando transformá-las em verdade, eu também repito aqui: o ministro dos esportes, Orlando Silva, restituiu os R$ 8,30, gastos com cartão corporativo numa padaria em Brasília, em outubro de 2007, muito antes de qualquer denúncia. Explicou que se enganou, e pronto. O gasto estava publicado no Portal da Transparência e o CGU detectou, enviou um informe para o ministro, e ele restituiu o dinheiro. A troco de quê, iremos pôr em dúvida a reputação de um jovem político que não possui a mais leve mancha em sua carreira (e mesmo que tivesse) por causa de R$ 8,30, que foram devolvidos antes de qualquer denúncia (e mesmo que fosse depois)? E que história é essa de "jornalistas amestrados"? É recadinho para quem? Para o Nassif? Ora, vá banhar seu gatinho, Cora, antes de acusar Luis Nassif ou Mino Carta de "jornalistas amestrados", que é um termo, aliás, que se aplica maravilhosamente a você e seus comparsas big-midiáticos.
"Roubo é roubo", diz Cora. Ora, explica direito. Se o ministro estivesse alguns quilômetros mais adiante, fora de Brasília, a legislação lhe permitiria comprar a tapioca com o cartão corporativo. Ele é um ministro, trabalha e o Estado, que é seu patrão, paga a sua alimentação. O cartão vale para isso também, apesar da imprensa ter feito, deliberadamente, uma tremenda confusão sobre o que se pode ou não gastar com o cartão. Que grande roubo é esse de comer uma tapioca? E os gastos não estão ali, transparentes, publicados na internet por iniciativa dos mesmos petistas que você condena irrevogavelmente? Desde quando comer uma tapioca é um crime? Digamos que, na hora, o ministro estivesse somente com o tal cartão corporativo em seu bolso. Você advoga que ele deveria passar fome?
E aí você vem com esse lacerdismo barato de que o governo Lula ("essa corja", diz você) foi eleito para mudar tudo e acabar com a corrupção, como se a corrupção fosse uma válvula a ser ligada ou desligada conforme os desejos de Lula. A corrupção não termina com decreto presidencial, Cora. A luta contra a corrupção é um processo e o governo Lula implantou o Portal da Transparência e reduziu o uso das Contas B (não fiscalizáveis e não transparentes). Medidas práticas que, no mínimo, deveriam ser elogiadas, e não usadas, oportunisticamente, para fragilizar o governo que as implementou. Afirmar que o governo Lula veio para mudar "tudo que está errado" é reforçar uma visão cinicamente irrealista sobre o poder de qualquer governo sobre a vida da sociedade e dos indivíduos, além de negar a realidade federativa e a separação dos poderes. Há mudanças que vêm do Executivo sim, mas há mudanças que vem do Município, do Estado, do Judiciário do Legislativo, para só ficar nos entes públicos, pois que há muitas mudanças que tem de vir da iniciativa privada, sobretudo das classes dominantes, visto que a concentração de riqueza no Brasil não tem igual no mundo. Ou seja, os ricos teriam condições, por sua força econômica, de fazer muita coisa boa pelo Brasil, financiando vastas campanhas de educação, por exemplo. Mas além de não fazerem nada, financiam campanhas para tirar verbas do Estado que seriam aplicadas na Saúde, beneficiando os pobres, como aconteceu com a CPMF.
Quanto ao seu "eles venceram", eu poderia até ficar feliz com a afirmação, já que naturalmente eu me incluo entre os "vencedores". Mas diante do poder midiático de desestabilizar a política nacional, não tenho tanta segurança assim. Somente quando houver um mínimo de equilíbrio na grande mídia, teremos a estabilidade política que o Brasil merece para avançar ao ritmo exigido pelas enormes mazelas sociais que provocam tanta violência nas cidades e sofrimento às pessoas.
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Não há ideologia que justifique
Por mais que rosnem os jornalistas amestrados, roubo é roubo
Cora Rónai
Eu ainda acredito, como diz o Millôr, que imprensa é oposição, o resto, armazém de secos e molhados (para quem chegou ontem: pequena loja de bairro, precursora dos supermercados). Acho o jornalismo uma das mais nobres profissões, sobretudo em sua filosofia básica; o mesmo eu poderia dizer da filosofia da profissão médica, por exemplo, embora, numa e noutra profissão, muitos nem percebam a glória do que fazem, tornando-se indignos da "missão" que exercem.
Pode ser efeito colateral do joelho quebrado, pode ser ataque de saudosismo, mas o fato é que já vivi um tempo em que o, digamos, “ecossistema”, me dava mais alegrias. É claro que havia, como sempre houve, jornalistas a favor – há quem diga a soldo -- do governo. Bajular os poderosos dá lucro, quando não prestígio, que tantos perseguem.
Lugares comuns e descontextualização. Não sei quando Millor inventou esse mote "imprensa é oposição", se foi durante a ditadura ou não, mas é óbvio que o sucesso dessa frase é consequência dos anos de chumbo, quando não havia democracia e, portanto, o jornalismo não influenciava eleições - não havia eleição. É um chamado, além disso, para que o jornalista lutasse contra o próprio regime. Acontece que, com o fim da ditadura, muitos jornais passaram a incentivar seus jornalistas que continuassem sendo "oposição". Transformar isso numa regra ou, pior, numa obrigação, todavia, é uma forma de violência à liberdade tão grande quanto obrigar o sujeito a ser favorável ao governo. Imprensa é oposição coisísinha nenhuma. Numa democracia, a imprensa tem liberdade de ser a favor ou contra o governo. Que espécie de liberdade de imprensa é essa que obriga o cara a ser contra o governo e, logo, a colaborar com os objetivos da oposição? O que não pode é manipular a informação. Atacar reputações sem base jurídica. Desestabilizar o país para beneficiar um grupo político. Como a nossa imprensa faz, sem preocupação com as consequências sociais e econômicas de suas campanhas. Imagina se, na Índia, toda a imprensa fosse contra Ghandi? Seguramente, faltaram amigos na imprensa para Salvador Allende, e ele foi morto com uma bomba lançada por um caça-americano - e a imprensa quietinha.
Imagina se Nelson Mandela não tivesse apoio de uma parte da imprensa da África do Sul? O presidente F.D.Roosevelt, tão atacado pela imprensa, tinha jornalistas amigos, sobretudo os intelectuais judeus e o apoio explícito e corajoso de inúmeros escritores, artistas, músicos, etc. E todos foram presidentes cuja importância foi crucial não apenas para a história de seus países como para todo mundo. Se Roosevelt não tivesse ganhado as eleições, talvez os EUA não tivessem entrado de forma tão firme na II Guerra Mundial, e Hitler teria causado mais estragos que causou. Da mesma forma, as forças políticas que levaram Lula ao poder têm colaborado com a evolução política e econômica de toda a América do Sul, com resultados extraordinariamente positivos para as camadas mais humildes do continente.
Ademais, vai enganar outro, Cora. Não foi o Globo que fez campanha contra o governo legítimo em prol do golpe militar? Que festejou a ditadura? Que se tornou o império que é durante a ditadura? Que foi o sustentáculo midiático da ditadura? Por acaso, Millôr apoiava a campanha suja que o Globo fez contra o governo João Goulart, e que culminou com um sequestro de vinte anos da democracia brasileira, deixando um rastro de devastação política, social e econômica? A imprensa brasileira foi oposição ao governo militar? Tentou ser? Quis ser? Não, ao contrário. Estadão, Folha e Globo apoiaram o governo militar. Então não me venha falar em "imprensa é oposição". Desde a época do Império, há imprensa oposicionista e imprensa governista, e os vendidos nem sempre são os governistas. Pensar isso é um reducionismo imbecil, pois que há, obviamente, interesses escusos ou legítimos, inclusive partidários, dos dois lados.
O fato é que, quando o regime militar termina, a política brasileira estava semi-morta. Milhares de lideranças camponesas haviam sido assassinadas, portanto os campos estavam quietos. À exceção dos centros de vanguarda industrial, cuja visibilidade internacional lhes conferiam certa segurança, como era o caso do ABC paulista, as lideranças sindicais de outras regiões também foram silenciadas, pelo homícidio, pela prisão ou pela mais bárbara tortura. É evidente que o tal "ecossistema", como você diz, estava mais calmo.
O jornalista é um cidadão que vota. Ao fazer isso, ele necessariamente terá um lado. O jornalista vem de uma classe social, tem amigos que por sua vez votam e têm opiniões e mesmo paixões políticas. O jornalista tem uma história de vida e uma trajetória intelectual particular. É inevitável que tenha afinidades com algum campo político. Não se deve proibir que, em alguns momentos da alternância democrática, seja com os que estão no poder. O que acontece hoje é que as empresas de comunicação violentam ideologicamente o profissional, obrigando ele a "pensar" em linha com seus donos. Sempre foi um pouco assim, vá lá, mas segundo o relato de vários jornalistas que passaram, recentemente, pelas redações dos grandes jornais, a situação vem piorando muito. Há pressão para os jornalistas serem tendenciosos contra o governo Lula, escrevendo matérias ou editoriais de uma forma que reforce uma visão negativa pré-concebida. O exemplo da CPI dos Cartões é excelente. Antes o governo brigava para abafar a CPI. Em pouquíssimo tempo, houve uma avalanche de notícias sobre os cartões, listando inclusive os gastos mais insignificantes. Só havia um sentido para o leitor, já que não haveria lógica jornalística que se publicasse gastos tão mixurucas. Trata-se de desvio de dinheiro público. O governo decide também apoiar a CPI. O discurso muda automaticamente: é acordão, manobra esperta para controlar a CPI. Isso não é política. É criminalizar a política, já que não permite a uma das partes, no caso o governo, a fazer qualquer movimento: se é contra, quer é abafar e logo é ladrão; se é a favor, quer controlar e logo é ladrão.
Quanto à bajular "os poderosos", há uma esperteza. Quem são os poderosos? Seguramente, há vários poderosos. Cora Ronái é maliciosa: "sempre houve jornalistas a favor - há quem diga a soldo - do governo. Bajular os poderosos dá lucro, quando não prestígio, que tanto perseguem". O que dá lucro atualmente? Com o macarthismo de jornais e revistas, certamente não é "bajular" o governo Lula, e sim os interesses dos grandes meios de comunicação, que se confundem com o da oposição partidária ao governo federal. Os "poderosos" não incluiriam as famílias Frias, Marinho, Civita e Mesquita, que têm um poder midiático concentrado em suas mãos que existe em poucos países do mundo? Bajular esses poderosos não dá lucro? Na verdade, o que dá mais lucro: bajular o governo Lula ou os donos da mídia? Ganha uma tapioca quem responder mais rápido. O próprio uso do termo "bajular" é uma maneira maquiavélica de denegrir a opinião daqueles que não participam da cruzada santa contra o Lula.
Esse é mais um caso de manipulação descarada da verdade. Uma tentativa de impor a ditadura de opinião. Para Cora Ronái, os jornalistas não teriam a liberdade de serem a favor ou contra. Tem que ser contra. Contra quem? Contra os mesmos adversários de seus patrões? Contra o Lula? Claro. Jornalista tem que ser contra o Lula. É o tipo de pensamento de quem ainda não compreendeu como funciona uma democracia. Uma democracia é uma competição política. Os candidatos a representantes do povo disputam os cargos políticos, e ganham os que convencem o povo, através de palavras e promessas, quando ainda não exerceram o poder, ou através da publicidade do que realizaram, quando já o exerceram, de que são a melhor opção para o país, estado ou município.
A imprensa entra como um quarto poder, na medida em que ela tem condição de denegrir ou valorizar a imagem de um político. Portanto, a imprensa, queira ou não, participa do jogo eleitoral. O dilema, que existe em todo mundo, é fazer isso da forma mais transparente, ética e honesta possível. Uns preferem não declarar suas preferências: têm o direito. Assim como têm o direito contrário, de afirmarem sua preferência neste ou naquele candidato. Cora Ronái quer circunscrever a liberdade de opinião. Liberdade não é ser contra o governo. É ser livre para ser o que quiser: contra ou a favor. Porque, no jogo democrático, quando a imprensa é contra uma força política, automaticamente alinha-se ao adversário. Portanto, a questão de ser contra ou a favor também é relativa e confusa. O que não pode é cercear a liberdade, conforme Cora Ronái pretende. Mas Cora vai ainda mais longe...
Mas as águas de então estavam bem divididas: eles eram “eles”, nós éramos “nós”. Havia um inimigo comum. Além do que, e não é pouco!, tínhamos menos de 30 anos, às vezes pouco mais de 20. “Eles” tinham colunas e empregos públicos, candidatavam-se, enveredavam pela política sem constrangimento. “Nós” acreditávamos, sem duvidar, que o papel da imprensa era combater a ditadura, e que, derrotada esta, estariam derrotadas também a corrupção e a impunidade. Ganhávamos pouco, às vezes ridiculamente pouco. Não chegávamos, como a Amélia, a achar bonito não ter o que comer -- mas não faltava muito para isso.
Até que, um dia, apareceu um agrupamento político chamado PT, e o meio de campo começou a embolar. Isso não ficou claro à primeira vista, pelo menos não para aqueles de nós que ou éramos mais ingênuos, ou já não andávamos diretamente envolvidos em política. Eu me enquadrava nas duas categorias, e ia em frente. Mas minha ficha caiu quando, um dia, voltando de uma feira de tecnologia, com a jaqueta enfeitada com lindos pins e buttons de sistemas operacionais e de chips, levei um dedo no nariz de uma estagiária do JB que, até então, me parecera boa pessoa:
-- Por que não está usando o button do PT?!
Levei um susto. Aquele gesto e aquela voz autoritária podiam ter saído de qualquer zona histórica "alienígena", sinistra.
-- Exatamente por causa disso, -- respondi, mas acho que ela não entendeu. Eu, porém, entendi. Não havia mais "nós" e "eles". Havia patrulha e rancor, também entre "nós". Não havia mais o bom combate ou o livre pensar; havia apenas uma ideologia, como todas muito cômoda, construída com bloquinhos de lugares comuns que não exigiam grande raciocínio de ninguém. Ai de quem não compactuasse.
Que isenção maravilhosa! A culpa, claro, é do PT. Aliá, Cora podia apagar o texto todo e deixar só esta frase, que resumiria todo seu complexo pensamento: "a culpa de tudo é do PT!" Tudo ia muito bem, no Brasil e nas redações, até que surge "um agrupamento político" chamado PT. Vejam bem. Não foi um partido político, surgido em 1981, antes do fim da ditadura militar, reunindo as melhores cabeças do país, como Sérgio Buarque Holanda, Darcy Ribeiro, Antônio Candido, além dos novos sindicalistas. Foi um agrupamento político. Não tinha como reduzir mais? Aí ela pega um caso isolado, uma estagiária do "JB" (claro, do jornal concorrente...) que lhe aponta o dedo no nariz e lhe pergunta sobre o tal button do PT? A tal estagiária é uma "voz autoritária". Tínhamos acabado de sair de uma ditadura militar, onde milhares foram mortos e torturados, onde os partidos políticos foram extintos ou perseguidos e autoritarismo para Cora é o dedinho da estagiária. Que crime terrível! Perguntar sobre um button! Cuidado, gente, isso aí é o prelúdio de um novo stalinismo! Aliás, dizem que os pogroms stalinistas começavam assim: com perguntas sobre buttons. O cara chegava para outro e perguntava: "onde está seu button do partido?". Se o sujeito não respondesse rapidamente: "esqueci em casa", ou "caiu há pouco e nem reparei", era rapidamente encaminhado para um campo de concentração, onde era obrigado a andar para lá e para cá com 5.250 buttons pregados por todo corpo, no sapato, nas meias, calças, cuecas, chapeu, colarinho, etc. Cora, pergunta para a Dilma Roussef, que foi torturada desumanamente pelos órgãos de repressão, qual é o autoritarismo pior: dedinho de estagiária ou pau de arara...
A crítica de Córa, essa sim, é fascista. Por isso me irrito quando chamam o Tropa de Elite de fascista. Ora, é só um filme. Um filme muito bom e ainda vou escrever muito sobre isso. Fascista é fazer como a Cora Rónai, que pretende condenar os fundamentos de um partido político que tão importante foi para o processo de redemocratização do país. Ninguém nos EUA ataca a própria existência do Partido Democrata. Discute-se política. E o reducionismo de Cora, de julgar um partido político que hoje tem mais de 1 milhão de filiados, que evoluiu, que amadureceu, que conquistou o poder, através da observação do comportamento de uma estagiária nos anos 80, é má fé, ignorância, preconceito ou magnífica estupidez. Calma que tem mais.
* * *
Quando Lula ganhou as eleições, achei que o mundo das redações voltaria à normalidade. Poder é poder. Imaginar que existe poder "de esquerda" é de uma ingenuidade que não combina com o cinismo e a desconfiança que, em tese, andam de mãos dadas com o jornalismo. Mas, obviamente, maior ingenuidade ainda é supor que quem se ajeita a uma bitola ideológica, por interesse ou por idealismo, guarda alguma capacidade de pensar por conta própria. Sobretudo quando a tal bitola começa a se mostrar lucrativa.
* * *
Neste parágrafo, Cora extrapola seus conhecimentos e arrisca altos vôos teóricos no campo das Ciências Políticas. Cuidado, Wanderley Guilherme dos Santos, vem aí Cora Ronái! Ela diz que "imaginar que existe poder de esquerda é de uma ingenuidade que não combina com o cinismo e a desconfiança que, em tese, andam de mãos dadas com o jornalismo". Bem, é difícil entender, mas eu sou bom nisso, eu consigo entrar no cérebro de alguns, mesmo sendo tão diminuto. Cora tem uma visão absolutamente estereotipada de "esquerda". Algo como "esquerda" disneylândia. Ao mesmo tempo, Cora reforça o lugar-comum de que o poder é "do mal". Ou seja, a política é um assunto para gente do mal. Ela só condescende a falar de política porque não consegue controlar a raiva que sente do PT - em virtude do terrível trauma que sofreu há anos, com o dedo daquela estagiária em seu nariz. Sempre quis saber a quem os missivistas do Globo se referiam quando repetem o bordão: "cidadãos de bem desse país". Agora eu sei. São pessoas como Cora Rónai, que se considera "do bem", ela que durante meses escreveu sobre sua perna quebrada, seu gatinho e seu ursinho de pelúcia. Ou seja, Cora sempre seguiu à risca a máxima de Millôr Fernandes, sobre ser imprensa de oposição. Por fim, Cora lança seu julgamento final, o mais terrível de todos: "Mas, obviamente, maior ingenuidade ainda é supor que quem se ajeita a uma bitola ideológica, por interesse ou por idealismo, guarda alguma capacidade de pensar por conta própria. Sobretudo quando a tal bitola começa a se mostrar lucrativa." Hum, vamos ver. Não falarei do estilo sofrível da colunista, porque deixo esses preciosismos linguísticos para nossa direita cult. Também nem me referi ao tal "cinismo" que, "em tese", seria uma "qualidade" a ser cultivada pelos jornalistas. Grande moralista, essa Cora, pregando o jornalismo cínico... Cora, naturalmente, como manda o manual de redação do Globo, condena a ideologia ao fogo eterno. Não se trata nem de atualizar ou modernizar ou temperar as ideologias. Ideologia é uma coisa "do mal". Ao Aurélio:
ideologia(ìd) [De ideo- + -logia.] Substantivo feminino. 1.Ciência da formação das idéias; tratado das idéias em abstrato; sistema de idéias. 2.Filos. Conjunto articulado de idéias, valores, opiniões, crenças, etc., que expressam e reforçam as relações que conferem unidade a determinado grupo social (classe, partido político, seita religiosa, etc.) seja qual for o grau de consciência que disso tenham seus portadores. 3.Polít. Sistema de idéias dogmaticamente organizado como um instrumento de luta política. 4.Conjunto de idéias próprias de um grupo, de uma época, e que traduzem uma situação histórica: ideologia burguesa. [Cf. edeologia.]
Ela usa ideologia no sentido 3, naturalmente. Eu prefiro pensar idelogia no sentido 1, que é o mais abrangente e inclusive dá uma alfinetada na Cora: "conjunto de idéias (...) que expressam idéias, valores, opiniões (..) seja qual o for o grau de consciência que disso tenham seus portadores".
Acho que a ideologia da Cora tem a ver com o neo-lacerdismo ultra liberal burguês, mas vamos deixar para lá, já que essa categoria ainda está sendo estudada. Continuemos nossa análise do texto da Cora.
Já me prometi mil vezes não falar mais nisso e esquecer que hay gobierno soy contra, até porque o governo não está nem aí para o que nós, imbecis também conhecidos como contribuintes, achamos ou deixamos de achar. Quando o sangue me ferve nas veias (vale dizer todos os dias, quando pego o jornal), brinco de faz-de-conta: tento acompanhar o noticiário como se morasse em outra galáxia. O diabo é que há coisas que não há Star Trek que resolva. Agora mesmo, não sei o que me deixa mais perplexa e indignada na farra dos cartões corporativos, se o roubo descarado do nosso dinheiro, ou o contorcionismo mental de colegas, que já considerei gente de boa reflexão, tentando defender essa nojeira.
Os argumentos são espantosos. Aquela ex-ministra racista, que acha tão normal negros odiarem brancos, está, obviamente, sendo vítima de pessoas que não a conhecem; ora, se até o Zé Dirceu já garantiu que ela não agiu por má-fé! Roubou sem querer, a coitada, e a Grande Imprensa, branca e machista, lá, nos seus calcanhares. O outro comprou uma tapioca de míseros oito reais, e a Grande Imprensa, uivam os jornalistas amestrados, dá o fato em manchete. Como se o que estivesse em discussão não fosse o como, mas o quanto. Para não falar na eterna ladainha do governo, repetida como um press-release que, a essa altura, sequer tem o benefício da novidade: “na época do FhC era a mesma coisa”. Mas, perdão: não foi para isso que a atual corja foi eleita?! Para mudar tudo o que estava errado?! Para implantar um sentido ético no trato da coisa pública?!
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O pior é que tanto faz quanto tanto fez. Enquanto o nosso dinheiro paga qualquer leviandade protegido pelo manto putrefato da “Segurança Nacional”, enquanto jornalistas arrastam a profissão na lama defendendo a corrupção, os poderosos, às nossas costas, se entendem. As famiglias ficarão a salvo.
“Eles” venceram.
(O Globo, Segundo Caderno, 14.2.2008)
Ufa, essa é a última parte. Comecemos pelo final. "Enquanto o nosso dinheiro paga qualquer leviandade protegido pelo manto putrefato da Segurança Nacional. Uau! Chamar Segurança Nacional de "manto putrefato" é ótimo! Que grand finale estupendo! Que amor pelo país! Enquanto o Brasil descobre campos gigantes de petróleo, que devem triplicar nossas reservas internacionais e nos colocar entre os 10 maiores produtores do mundo, Cora nos fala de seus ursinhos de pelúcia. Mas agora ela se redime, ao se mostrar tão preocupada com a nossa Segurança Nacional. Ora, proteger Lula e sua família lá é assunto de Segurança Nacional? E como pode Lula ousar gastar nosso dinheiro com sua segurança pessoal e de sua família? Quem é Lula? Bem, não adianta explicar para Cora que os chefes de Estado no Brasil e suas famílias têm direito à segurança e sigilo desde Dom Pedro I, passando por Deodoro da Fonseca, passando pelo decreto 200 de 1967, passando por José Sarney, Fernando Collor de Mello, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e, enfim, Luiz Inácio Lula da Silva. Se existe erro, não é no governo Lula, é na Constituição Brasileira, que exige que o Estado dê toda segurança e conforto para o chefe de Estado e família. Por mim, sinceramente, não me oponho a isso. Cora não. Para ela, Lula tem que andar a pé, sem segurança, comer angu com carne moída e beber água da pia (nem cachaça pode, que ela, claro, é moralista - a coluna dela sobre o carnaval, condenando os excessos, parece escrita pela assessora do papa).
Mas vamos ao início do trecho do artigo da Cora. "Já me prometi mil vezes não falar mais nisso e esquecer que hay gobierno soy contra, até porque o governo não está nem aí para o que nós, imbecis também conhecidos como contribuintes, achamos ou deixamos de achar."
Essa frase (hay gobierno...) virou sucesso no tempo da ditadura. Pior: virou um dogma. Com a redemocratização, virou conveniente, já que aos donos da imprensa interessava chantagear governos em troca de favores. Mesmos os governantes aliados são chantageados, em troca de verbas publicitárias ou determinadas medidas de lei. Assim a imprensa pauta os governos e defende os interesses da classe dominante. Entenda: mesmo governantes de direita são forçados, por motivos eleitorais (o que não é um motivo menor, conforme prega a filosofia neo-lacerdista), a tomarem decisões em prol dos pobres. Mas a grande imprensa, porta voz dos setores mais retrógrados das classes dominantes, chantageia o governo para bloquear o mais pequeno avanço que possa ferir os privilégios históricos das elites. O que salva os jornais são os jornalistas, que em sua maioria não pertencem às classes dominantes, e que conseguem imprimir, mesmo discretamente, alguma dialética interna aos órgãos. No entanto, nos últimos anos, as redações têm sofrido uma pressão enorme, vinda de cima, que obriga os jornalistas a se violentarem ideologica e psicologicamente.
Sobre o termo "contribuintes" imbecis, aí retornamos alegremente ao neo-lacerdismo. Ou udenismo, o que preferirem (UDN era o partido do Lacerda). Os grandes sonegadores brasileiros devem ter sentido um gostoso friozinho na barriga ao lerem esse trecho. E a classe-média-pagadora-de-impostos experimentou um indescritível sentimento de catarse. O que me intriga nesses udenistas é que assim que seus representantes chegam ao poder, os impostos sobem, as tarifas públicas sobem e, à exceção de algumas cartinhas nervosas no jornal, os colunistas aceitam tudo como natural. Confiram quanto aumentou a carga tributária no governo Fernando Henrique e quanto aumentou no de Lula. O que aumentou na era Lula foi a arrecadação fiscal, e não a carga tributária, não confundam. Os setores de informática, por exemplo, eram pesadamente onerados fiscalmente nos tempos fernandista, o que atrasou em alguns anos a entrada de milhões de brasileiros na era tecnológica. Hoje é um setor quase livre de impostos, o que resultou em forte barateamento dos produtos e explosão de consumo.
Um artigo como esse da Cora é uma verdadeira ode a seus patrões. Uma coisa triste, submissa, condenatória a quem pensa diferente. Esse mote de "hay gobierno, soy contra", passou ser conveniente para a direita sempre que a esquerda assume poder. Mas é uma frase sem consistência política, filosófica ou racional. Primeiramente, foi dita por um anarquista europeu, um radical com o qual certamente Cora não tem afinidade ideológica nenhuma. É hipocrisia sem limites citar esta frase, vinda de um pensador que condenava a propriedade privada, a imprensa burguesa, o Estado, o latifúndio, enfim, que tinha uma visão totalmente revolucionária do mundo, uma visão que se mostrou, apesar de bem intencionada, bastante problemática em vários aspectos, tanto nos famosos aspectos "práticos", como nos teóricos.
Por fim, analiso o seguinte trecho: "O outro comprou uma tapioca de míseros oito reais, e a Grande Imprensa, uivam os jornalistas amestrados, dá o fato em manchete. Como se o que estivesse em discussão não fosse o como, mas o quanto. Para não falar na eterna ladainha do governo, repetida como um press-release que, a essa altura, sequer tem o benefício da novidade: “na época do FhC era a mesma coisa”. Mas, perdão: não foi para isso que a atual corja foi eleita?! Para mudar tudo o que estava errado?! Para implantar um sentido ético no trato da coisa pública?! "
Novamente a tapioca. Como a nossa mídia, seguindo a lição de Goebbels, repete mentiras tentando transformá-las em verdade, eu também repito aqui: o ministro dos esportes, Orlando Silva, restituiu os R$ 8,30, gastos com cartão corporativo numa padaria em Brasília, em outubro de 2007, muito antes de qualquer denúncia. Explicou que se enganou, e pronto. O gasto estava publicado no Portal da Transparência e o CGU detectou, enviou um informe para o ministro, e ele restituiu o dinheiro. A troco de quê, iremos pôr em dúvida a reputação de um jovem político que não possui a mais leve mancha em sua carreira (e mesmo que tivesse) por causa de R$ 8,30, que foram devolvidos antes de qualquer denúncia (e mesmo que fosse depois)? E que história é essa de "jornalistas amestrados"? É recadinho para quem? Para o Nassif? Ora, vá banhar seu gatinho, Cora, antes de acusar Luis Nassif ou Mino Carta de "jornalistas amestrados", que é um termo, aliás, que se aplica maravilhosamente a você e seus comparsas big-midiáticos.
"Roubo é roubo", diz Cora. Ora, explica direito. Se o ministro estivesse alguns quilômetros mais adiante, fora de Brasília, a legislação lhe permitiria comprar a tapioca com o cartão corporativo. Ele é um ministro, trabalha e o Estado, que é seu patrão, paga a sua alimentação. O cartão vale para isso também, apesar da imprensa ter feito, deliberadamente, uma tremenda confusão sobre o que se pode ou não gastar com o cartão. Que grande roubo é esse de comer uma tapioca? E os gastos não estão ali, transparentes, publicados na internet por iniciativa dos mesmos petistas que você condena irrevogavelmente? Desde quando comer uma tapioca é um crime? Digamos que, na hora, o ministro estivesse somente com o tal cartão corporativo em seu bolso. Você advoga que ele deveria passar fome?
E aí você vem com esse lacerdismo barato de que o governo Lula ("essa corja", diz você) foi eleito para mudar tudo e acabar com a corrupção, como se a corrupção fosse uma válvula a ser ligada ou desligada conforme os desejos de Lula. A corrupção não termina com decreto presidencial, Cora. A luta contra a corrupção é um processo e o governo Lula implantou o Portal da Transparência e reduziu o uso das Contas B (não fiscalizáveis e não transparentes). Medidas práticas que, no mínimo, deveriam ser elogiadas, e não usadas, oportunisticamente, para fragilizar o governo que as implementou. Afirmar que o governo Lula veio para mudar "tudo que está errado" é reforçar uma visão cinicamente irrealista sobre o poder de qualquer governo sobre a vida da sociedade e dos indivíduos, além de negar a realidade federativa e a separação dos poderes. Há mudanças que vêm do Executivo sim, mas há mudanças que vem do Município, do Estado, do Judiciário do Legislativo, para só ficar nos entes públicos, pois que há muitas mudanças que tem de vir da iniciativa privada, sobretudo das classes dominantes, visto que a concentração de riqueza no Brasil não tem igual no mundo. Ou seja, os ricos teriam condições, por sua força econômica, de fazer muita coisa boa pelo Brasil, financiando vastas campanhas de educação, por exemplo. Mas além de não fazerem nada, financiam campanhas para tirar verbas do Estado que seriam aplicadas na Saúde, beneficiando os pobres, como aconteceu com a CPMF.
Quanto ao seu "eles venceram", eu poderia até ficar feliz com a afirmação, já que naturalmente eu me incluo entre os "vencedores". Mas diante do poder midiático de desestabilizar a política nacional, não tenho tanta segurança assim. Somente quando houver um mínimo de equilíbrio na grande mídia, teremos a estabilidade política que o Brasil merece para avançar ao ritmo exigido pelas enormes mazelas sociais que provocam tanta violência nas cidades e sofrimento às pessoas.
# Escrito por
Miguel do Rosário
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quinta-feira, fevereiro 14, 2008
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