Fui ver Onde os Fracos Não Têm Vez, dos Irmãos Cohen. Filmão, bem feito pra cacete. Só não gostei do final brusco. Sou bem careta e convencional com narrativas. Gosto das bem estruturadas e sempre tive a sensação de que muitos cineastas perdem boas oportunidades de fazer bons filmes por optarem por um toque modernoso às histórias. Por mais que eu me esforce manter a pose de cinéfilo culto, essas histórias sem final me deixam sempre meio frustrado e um outro meio irritado. Não sei se mereceu o Oscar, pessoalmente eu prefiro Senhores do Crime, do grande Cronenberg.
Mas eu queria falar mesmo é do Tropa de Elite. Um amigo enviou-me um artigo publicado no The Guardian, sobre o filme. Chamando-o de fascista, etc. Recorto algumas frases e comento abaixo.
Mas o Brasil é também o país mais desigual do mundo e, ao ignorar as razões sociais da violência, o filme enaltece uma estratégia que por si só demonstra seu fracasso.
O autor, nitidamente, confunde a sua interpretação do filme ou, o que é pior, uma interpretação clichê que leu em algum lugar, com o filme em si. Tropa de Elite não ignora as razões sociais do crime. Mas trata-se de uma ficção e não de um documentário sobre "as razões sociais" do crime. Não há enaltecimento nenhum da estratégia, mas a revelação de uma realidade de conflito. Naturalmente, a força dramática entra para dar carga emocional às cenas. A diferença é que, em Tropa de Elite, os protagonistas não são os bandidos e sim a polícia. Com isso, Tropa de Elite rompe uma já enraizada tradição do cinema brasileiro e mesmo de grande parte do cinema americano, desde os filmes de gângster, que era descrever o conflito marginal X autoridade do ponto-de-vista do marginal. Entretanto, assim como os filmes de gângster não supunham nenhum enaltecimento do crime, Tropa de Elite também não o faz com a violência policial. É um filme de ficção e não um manual de segurança pública. O que acontece é que, devido à terrível verossimilhança (uma das qualidades essenciais de uma tragédia, segundo a Poética de Aristóteles), as pessoas tendem a atribuir qualidades, ou defeitos, didáticos e políticos no filme. Esquecendo que se trata apenas de um filme.
Em um determinado ponto no filme, Matias confronta um grupo de pessoas em passeata protestando contra a morte de seus colegas universitários assassinados, acusando-os de só se importarem quando a violência atinge a classe média. Uma série de estudos tem demonstrado que estes programas, que o filme extrapola ao difamá-los, têm obtido sucesso na redução dos crimes.
O autor não conhece a realidade brasileira, onde essas passeatas têm um histórico péssimo, desde a Marcha da Família, que defendia o golpe militar, passando por recentes manifestações elitistas e, em certo grau, também golpistas, como o Basta! e o Cansei! Tá certo que a passeata em questão não é nenhuma dessas. Mas é passeata de classe média na zona sul. Fez cama deita na cama. Os pobres e favelados sempre foram tratados com clichê. A classe média não pode suportar nem um clichezinho básico? A bem da verdade, essas pessoas realmente só se importam quando alguns dos seus morrem. Há um tremendo apartheid disfarçado nessas passeatas. Ninguém fez passeata na zona sul com as chacinas frequentes que assolam o Grande Rio.
As cenas de tortura e violência não são apenas chocantes por causa do seu impacto, mas também porque desumanizam os moradores das favelas a quem são infligidas.
Peraí. As cenas de tortura e violência são chocantes por várias razões. Inflingir a dor também é humanizar. Nesse filme dos irmãos Cohen que ganhou o Oscar, Onde os fracos não têm vez, ninguém reclamou que os assassinados foram desumanizados. Padilha tinha que fazer o quê? O filme já tem uma gama enorme de personagens. O filme humaniza os policiais, o que já é uma grande coisa, num país onde policiais são mal pagos e discrimnados pela sociedade.
27 de fevereiro de 2008
Onde o cinema não tem vez
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