Recentemente, li dois livros muito interessantes do escritor americano Philiph Roth, o Homem Comum (último livro de Roth) e Complô contra a América (penúltimo). Interessa-me falar de Complô contra a América, que não foi tão comentado como deveria por aqui. Agora que o li, entendo porque. Em Complô, Philiph Roth, um mais premiados romancistas dos Estados Unidos, escreve uma apaixonada (embora moderada e imparcial, como convém a um ianque sabido como ele) dedicatória ao presidente F.D.Roosevelt e à histórica esquerda americana. Não foram muitos os presidentes "de esquerda", mas foram inesquecíveis. Entre eles, Roosevelt, que exerceu quatro mandados consecutivos, de 1933 a 1945. Vejam bem: quatro mandatos, porque até pouco depois da II Guerra Mundial, não havia limites para a reeleição presidencial nos EUA... Claro que nossos colunistas histéricos contra Chávez e Morales nunca irão lembrar disso...
A história desse livro, resumindo, é a seguinte: Charles Lindbergh, o famoso aviador americano, disputa as eleições presidenciais com o presidente Roosevelt, em 1942, e ganha. Na história real, quem ganha as eleições é Roosevelt, combativo adversário do fascismo, e um dos responsáveis pela decisiva ajuda que o governo americano prestou aos ingleses na guerra contra Hitler e, depois, pela própria entrada dos EUA no conflito. Na ficção de Roth, no entanto, Lindbergh, um republicano com simpatia pelo nazismo, vence o pleito e os EUA decidem, além de não entrarem na II Guerra, não ajudarem em nada os aliados no conflito bélico, prestando um magnífico auxílio aos interesses nazistas. Mais ainda: Lindbergh inicia políticas discretamente (mas claramente) discriminatórias contra os judeus americanos.
O que me interessou mais no livro, sobretudo no início da história, quando Lindbergh inicia sua campanha presidencial, foi a descrição de Roth sobre as posições políticas de jornais e jornalistas e demais celebridades da vibrante democracia americana. Interessou-me verificar como a democracia americana sempre esteve acoplada à vida midiática, por razões óbvias, e como setores da imprensa brigavam entre si por questões ideológicas. Não necessariamente luta entre comunismo e capitalismo, mas conflitos no interior do próprio pensamento capitalista.
Essa realidade me trouxe, naturalmente, à tensa atmosfera da política brasileira. F.D.Roosevelt também foi um presidente violentamente bombardeado pela mídia conservadora, apesar de ter sido um dos melhores presidentes da história americana, tendo tirado o país de uma terrível situação econômica - em 1933, os EUA viviam o auge da Depressão - e, quando morre, em 1945, entregá-lo não somente como campeão mundial na causa contra o nazismo, como estruturado, social, industrial e politicamente, para ser a grande potência do século XX.
Roth conta, todavia, que nem todos os jornalistas atacavam Roosevelt. Ele tinha seus aliados, notadamente a impresa "de esquerda", os intelectuais judaicos e grande parte do setor acadêmico. Roosevelt, assim como Lula, não se deixava provocar pelos ataques que sofria. Tinha a segurança de ser apoiado pela maioria dos trabalhadores americanos, que sabiam, na carne, o que tinham sofrido com a ganância de suas elites irresponsáveis. A ascensão do nazista Lindbergh coincide com o gradual sufocamento dos jornalistas pró-Roosevelt e a amplificação das vozes pró-Lindbergh. Não pude deixar de fazer um paralelo com a política nacional e a lenta mas firme construção de um consenso para eleger José Serra ou Aécio Neves, a depender de quem se mostrar mais hábil em servir os interesses do conservadorismo nacional.
O novo ataque da mídia contra os gastos do cartões corporativos pode se tornar em mais um tiro pela culatra contra a popularidade de Lula. Não creio que as pessoas compactuarão com esse jogo sujo da imprensa de tentar constranger o presidente através da exposição de sua filha, Lurian. Os gastos com a segurança da primeira família são mais do que justificados. São prioridade de Estado. Um eventual sequestro ou acidente com qualquer membro da família de Lula representaria uma catástrofe com enorme repercussão doméstica e internacional, gerando sensação de insegurança e desestabilizando o país. É questão de segurança nacional sim!
Nas últimas semanas, a imprensa vem dando mostras cada vez mais claras de seu descompromisso com a segurança nacional. Primeiro foi a questão da febre amarela, semeando pânico e desautorizando os comunicados oficiais. Logo depois, a mesma jornalista que ganhou destaque no quesito "brincando com a saúde do país", Eliane Cantanhede, que incitou todos seus leitores, sem alertar para as contra-indicações, a se vacinarem contra febre amarela, fez uma cobertura vexaminosa da visita de Nelson Jobim, ministro da Defesa, a um submarino nuclear francês (ver aqui a lista dos erros cometidos por Cantanhede em seu texto, mais de um erro por palavra escrita). Em seguida, um repórter tranforma a matéria sobre a visita de Jobim à Rússia, com altos objetivos militares, num estudo sobre preço de diárias de hotel e demais ninharias, e usando o fato do governo russo bancar a despesa para insinuar que o mesmo estaria "comprando" o ministro, para que este se decidisse, por sua vez, a comprar os produtos militares russos. Como se o preço de Nelson Jobim fosse uma diária de hotel! Como se não fosse uma praxe diplomática que autoridades convidadas a visitarem outro país tivessem suas despesas pagas! Como diz o Nassif, é muita tapioca!
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Demétrio Magnoli, pit-historiador contratado para cantar no corinho anti-comunista do Globo, está usando as eleições americanas para lançar perdigotos contra a esquerda brasileira. Falando de Barack Obama, o fenômeno democrata cuja potencial vitória, naturalmente, causa calafrios na direita tupi, por razões óbvias, Demétrio diz que o negro vem ganhando espaço sem apelar para a "vitimização". Ou seja, sem dizer que é um negro pobre coitado. A indireta é para a esquerda latino-americana, que ainda insiste em se referir a pobres e negros como vítimas históricas. Ora, em primeiro lugar, Barack é negro e, portanto, não precisa dizer que é negro. Segundo, os EUA é um país rico, riquíssimo, com renda per capita de US$ 45 mil e PIB de US$ 13,2 trilhões, contra renda per capita de US$ 6,8 mil e PIB de US$ 1 trilhão do Brasil. O desemprego nos EUA é de 4% e o percentual de pobres sobre a população é infinitivamente menor ao registrado no Brasil ou em qualquer país latino-americano. Portanto, as condições econômicas e políticas americanas são absolutamente especiais. No Brasil, infelizmente, o discurso da "vitimização" ainda tem um sentido. Atravesse a linha vermelha, que conduz do aeroporto internacional do Rio ao centro da cidade e contemple o oceano de favelas, e depois venha me dizer se o discurso de "vitimização" é obsoleto ou não no país.
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Miriam Leitão joga sujo em sua coluna de hoje, ao decidir comer na mesma manjedoura que seus coleguinhas golpistas, no tema dos cartões corporativos. A imprensa e a oposição já sabiam que os gastos do presidente constituíam segredo de estado desde 2002, quando Lula assumiu a presidência pela primeira vez. Até porque já eram segredo de estado no governo anterior, quando esses gastos, diga-se de passagem, eram muito superiores. Trata-se de orientação dos especialistas em segurança nacional, não de Lula, que citam até riscos de terrorismo. E vem Miriam Leitão lembrar que Martha Suplicy disse, uma vez, numa entrevista na Europa, que o Brasil não tinha terrorismo. É muita leviandade, muita tapioca. O fato do Brasil não ter problema de terrorismo não isenta os serviços de segurança da maior autoridade do país de cuidados preventivos. Afinal, existem sim grupos de extrema-direita, muitos identificados e com páginas no Orkut, que poderiam eventualmente causar qualquer dano ao presidente ou a algum de seus familiares. Todos estimulados pela desinformação e rancos destilados pela imprensa. Se Miriam Leitão se dignasse a ler as opiniões dos missivistas do Globo saberia que os gastos de segurança com os familiares de Lula são mais do que justificados.
5 de fevereiro de 2008
Tapiocas midiáticas
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Grande artigo, Miguel! Parabéns!
Também acho que o Presidente Lula não reagir aos ataques que começaram em 2005 e nunca cessaram, faz parte de uma estratégia maior. No começo cheguei a pensar que ele estava errado, mas as eleições provaram que o errado era eu. Há tempos que estou dizendo ''não substimem a inteligência e a capacidade de mexer as pedras do tabuleiro deste brasileiro chamado Lula'' abraço Cid
Miguel, parabéns por sua análise. Perfeita. Algum dia um psicólogo preparado vai nos desvendar o mistério dessas elites que preferem dar "um tiro no pé" de seus negócios a abrirem mão de seus preconceitos e sua miopia mesquinha. Veja o caso de Vargas. Basta estudá-lo (e não apenas seguir o discurso dominante na mídia) para ver que o cara, a despeito de seus erros, inventou o Brasil moderno, com voto secreto, voto feminino, jornada de 8 horas, CLT, Previdência Social, Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral, nacionalização do subsolo (quando os americanos e seus seguidores aqui dentro faziam piada da simples menção à possível existência de petróleo no Brasil) e apoio à industrialização... enfim, nada disso existia, apenas uma República Velha baseada no poder agrícola e um sistema "eleitoral" discricionário e viciado.
É graças a esse Brasil moderno que nossos empresários puderam crescer como cresceram, inclusiva a família Marinho, que levou Getúlio ao suicídio com o tal "mar de lama" que O Globo ajudou a propalar – que, diga-se, depois não foi provado e sumiu do noticiário, pois o "objetivo" (que era só político) já havia sido alcançado.
Nada diferente do que fazem hoje com o Governo Lula.
Só que agora o rabo deles está de fora. "Está todo mundo vendo", como já dizia a música cantada por Ivan Lins.
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