7 de fevereiro de 2008
Em defesa da sinuca
Se o governo federal peca pelo excesso de transparência - abrindo o flanco para seus inimigos, o Globo também não fica atrás, ao menos em relação à transparência de seus objetivos. O início do ano legislativo coincidiu, muito oportunamente, com a crise dos cartões corporativos.
Ontem, o Jornal Nacional voltou à carga, passando a lupa global sobre os gastos que considera estranhos. Muitos foram devidamente explicados pelos órgãos consultados. Por exemplo, o Globo levantou alguns gastos da Marinha, como chocolates e diária num hotel de luxo, e a Marinha informou que se tratava de gastos com eventos e cerimônias e convites às autoridades estrangeiras. No entanto, a maldade fica no ar.
Comprei o jornal O Globo e não precisei nem ler para saber de seu conteúdo. Editorial: Festa com cartões. A foto da mesa de sinuca está na primeira página, colorida. Isso é importante, o impacto visual. Aí entra o ataque udenista do Globo contra as sinucas, identificadas com vagabundagem, com a figura do malandro carioca. Ora, consertar uma mesa de sinuca, em si, não é crime. A medicina do trabalho manda que as empresas (públicas e privadas) cuidem da saúde de seus funcionários. Praticar alguns minutos de sinuca por dia, no horário do almoço ou depois do expediente, pode ajudar a evitar problemas musculares e ósseos decorrentes do uso excessivo de computador - correspondendo a economia de milhões de reais com pagamento de aposentadorias por invalidez. Ademais, há funções criativas, cerebrais, as quais podem ser estimuladas justamente por distrações como sinuca. Funcionário, público ou privado, não é uma máquina.
Em relação à mesa de sinuca, é uma opinião pessoal. Acho uma tremenda mesquinharia e mesmo preconceito udenista, senil, uma condenação tão severa, tão moralista, contra uma mesa de sinuca. Se fosse uma esteira ergométrica de uma empresa alemã, ninguém falaria nada. Qual o diabolismo inerente à uma singela mesa de sinuca? Não pode ajudar a tornar um ambiente de trabalho mais descontraído e, portanto, mais eficiente? É a caretice absoluta invadindo todos os meandros da nossa vida, pública e privada. Os udenistas voltaram! Socorro!
Lazer e conforto são a marca característica dos ambientes de trabalho mais modernos, como é o caso da Google, do Yahoo, da Microsoft. Sabe o que eu acho? Que isso é um tremendo desrespeito com o funcionalismo público. Em diversas ocasiões, eu já ataquei o funcionalismo público brasileiro, que acuso de ser, muitas vezes, corporativo e indolente. Mas é preciso também defendê-lo. Não ria, mas podemos dizer que o funcionário público é um soldado do povo. Afinal, quem mantém o mínimo de ordem que existe no país? Sim, existe ordem no país. Temos luz, gás, estradas, jornais, aeroportos, indústrias, portos, tribunais, prisões, polícias, tudo com seus problemas, mas tudo funcionando. Quem vai salvar sua vida quando você for atropelado às três horas da manhã? Um funcionário público. Na lógica do Globo, apenas as empresas privadas são dignas. Apenas os empregados privados são dignos de respeito. As estatais, os ministérios e os funcionários públicos não. Na hora de cobrar, o Globo e seus leitores sabem muito bem cobrar o uso de seus impostos. Na hora de respeitar a dignidade dos agentes estatais, viram o rosto. É preciso respeito também. O funcionário público tem que ganhar bem, ter um ambiente de trabalho agradável e, sobretudo, ser respeitado pela sociedade. Ser desrespeitado nunca ajudou ninguém a trabalhar melhor.
O Globo continua criminalizando o Estado brasileiro. A busca pela excelência do funcionalismo público, seguramente, não passa pelo constrangimento de ter a sua intimidade de trabalho devassada e escarnecida na grande mídia. Um funcionário que pagou, com seu cartão de crédito corporativo, a diária de hotel de uma autoridade estrangeira não pode ter seu nome publicado nos jornais ao lado de editoriais intitulados "farra com verba pública" e coisas similares. Os gastos do governo são transparentes, devem ser investigados e monitorados sim, mas sem sensacionalismo e sem esses linchamentos midiáticos a que indivíduos estão sendo submetidos. E, na maioria das vezes, sem terem cometido nenhuma irregularidade, num processo que acaba beneficiando os verdadeiros larápios, ocultos sob o manto dessa condenação generalizada. A imprensa deve fazer um trabalho investigativo mais apurado, ouvindo as diversas partes e, principalmente, sem uma atitude previamente condenatória, o que desqualifica o próprio mérito da investigação.
Como eu já disse no post anterior. O Globo (e a mídia em geral) está condenando previamente qualquer gasto público e usando os simbolismos. Gastos com "churrascaria", por exemplo. Se o cartão pode ser usado para pagar alimentação, porque o escárnio contra "churrascarias"? Como se churrascaria, no Brasil, não fosse um restaurante como outro qualquer. Porque o escárnio contra "artigos esportivos", quando se sabe que equipes de segurança precisam de equipamentos para realizarem exercícios físicos e manterem a forma, justamente para fazer melhor o seu serviço? Isso é luxo? Claro que não. Isso também é eficácia de gestão. A quem interessa seguranças gordos, indolentes? O que temos aqui é claramente mais um golpe midiático, que usa a própria transparência do governo para criminalizar todos os gastos. Temos um prato cheio. Comprou um chocolate? Manchete nela! Não importa se o chocolate foi comprado para compor uma cerimônia na recepção de uma autoridade estrangeira. O Estado não pode comprar chocolates! Isso é farra com dinheiro público! Carlos Lacerda deve estar se revirando no túmulo por não ter nascido em nossa época. Iria se deliciar com a oportunidade que esse portal da transparência oferece aos udenistas contemporâneos.
E agora, que os governistas tomam a iniciativa de pedir, eles mesmos, uma CPI dos gastos públicos, a imprensa começa a peidar e a tropeçar nas próprias pernas, chamando de manobra aquilo que ela mesmo antes exigia. Até poucas horas atrás, o governo era atacado por tentar barrar a CPI. Vários editoriais e matérias foram escritos atacando o governo por tentar obstruir uma CPI sobre o uso dos cartões. Agora, os mesmos editoriais e matérias atacam o governo por querer a CPI. Decifra-me ou te devoro. A imprensa é o novo enigma da esfinge.
"Cartada com CPI", é a manchete de hoje da terceira página do Globo. Vejam só. Que bonitinho. Depois do magnífico ano de 2007, com recorde na geração de empregos, crescimento de 6% do PIB e melhor Natal em décadas, tudo isso com inflação controlada, superávit fiscal recorde da União (sem gastança, portanto), redução da dívida pública e ingresso recorde de investimentos estrangeiros para o setor produtivo, 2008 se anuncia também como um excelente ano. O incrível é que, este ano, assim como 2007, o Brasil irá crescer à revelia de uma das maiores crises financeiras mundiais em décadas. Enquanto os bancos centrais europeus e americanos estão sendo obrigados a injetar centenas de bilhões de euros e dólares no sistema financeiro, para evitar colapso econômico, a economia brasileira segue de vento em popa. E o PAC ainda nem decolou. As grandes obras do PAC deverão ter início este ano, contrariando o desejo da nossa mídia, que não quer obra nenhuma, assim como não demonstrou nenhum entusiasmo com a descoberta de novos campos gigantes de petróleo e gás. A mídia, definitivamente, não está satisfeita com o crescimento do Brasil. Prefere um Brasil descendo a ladeira sob a batuta do PSDB do que o melhor crescimento em décadas - e com distribuição de renda - sob a batuta desta "companheirada" barbuda e ignorante. O Brasil está consolidando um grande mercado de massas? Isso é bom para o capitalismo brasileiro? Ora, dane-se o mercado e danem-se as massas! Dane-se o capitalismo! Mais importante que um crescimento econômico firme e sustentável é termos um presidente que fala francês! Que importa se FHC é o político mais impopular do Brasil? Que importa se, lá fora, ninguém (à exceção dos Clinton, que nunca foram tão bajulados por um presidente latino como o foram por FHC) vai com os cornos pedantes de FHC? O Globo está obcecado com a missão de trazer de volta FHC ao poder, através da eleição de um de seus próximos e nada nem ninguém o desviará de seus objetivos.
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Para o Globo, vender uma estatal (Vale) que valia 200 bilhões de dólares por 1 bilhão foi uma grande jogada em prol do capitalismo nacional. Assim como doar dezenhas de bilhões de reais do Tesouro Nacional para os bancos, através do Proer. A direita brasileira prefere um cenário onde o governo dá dinheiro aos bancos do que outro onde os bancos têm lucros recordes. É o capitalismo tapioca.
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Grande Miguel:
mais uma vez assino embaixo.
Só gostaria de fazer uma ressalva: assim como a sinuca, a tapioca também é um de nossos bens mais valiosos. Eu adoro tapioca. Dá pra fazer inúmeras receitas com tapioca, ela faz parte das refeições diárias em muitas regiões do Brasil. Viva a tapioca!
Na Usina Três Irmãos, da Cesp, e portanto do Zé Serra, os funcionários tem uma mesa de sinuca para, depois de horas entocados num subterrâneo de concreto, se distrairem após o almoço, no seu horário de descanso.
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