Andei conversando, nos botequins da vida, sobre a questão das artes e sobre a posição do Affonso Romano de Sant'Anna, que ganhou notoriedade no meio artístico por conta de sua (extinta) coluna semanal no Prosa & Verso do Globo. Eu comprei e li o livro de Sant'Anna que reuniu todas as suas crônicas sobre o assunto, Desconstruindo Duchamp, nas quais ele desenvolve sua teoria, quase sempre hostil, contra a arte contemporânea, ou contra uma vertente da arte contemporânea. Affonso, neste sentido, dá continuidade a uma campanha iniciada por Ferreira Gullar e continuada agora, mas muito episodicamente, por Arnaldo Jabor. Neste ponto, são todos considerados uns reacionários.
Como já escrevi bastante coisa sobre o tema, a ponto de ser chamado, algumas vezes, de "crítico de arte", gostaria de esclarecer minha posição. Tentarei ser sucinto. Concordo com algumas das críticas que se faz à arte contemporânea, mas discordo como essa crítica é feita e, sobretudo, do caráter generalizante e superficial que ela assumiu. Ferreira Gullar foi quem conseguiu explicar melhor a coisa, em seu livro Contra a Morte da Arte, embora, eu não saiba bem porquê (mas deve ter alguma explicação), o meio artístico ainda acha que Gullar também é um "reacionário". O Affonso, por outro lado, errou profundamente ao nunca sair da crítica negativa e mostrar a face iluminada da arte contemporânea. Há trabalhos e trabalhos. É fato que a arte contemporânea paga o preço da liberdade que conquistou. O preço é a falta de critério e a confusão estética. Poucas pessoas têm condição de avaliar a qualidade de uma obra de arte. Infelizmente - aí que mora o problema - entre elas quase não há curadores.
Sempre houve dificuldade, por parte dos artistas de vanguarda, de serem devidamente compreendidos por público e críticos. O fato de que inúmeros gênios da arte morreram sem serem reconhecidos, por outro lado, tornou-se uma tábua de salvação da auto-estima de qualquer barnabé sem talento. A opinião de críticos e público tornou-se irrelevante. Mas o que, à primeira vista, poderia soar como avanço, converteu-se em retrocesso. A arte moderna, mal ou bem, influenciava o mundo. Os trabalhos de Picasso tornavam-se objeto de acaloradas discussões e produziam paixões políticas, como é o caso da Guernica. O público interagia, portanto, e isso constituia um filtro democrático, que complementava e reforçava o filtro acadêmico ou especializado. Hoje, temos um público especializado superficialmente. Gente que frequenta vernissages ou que produz monografias sobre o tema, mas que não consegue converter essa experiência em intuição artística. Esses são os curadores. E a sociedade culta não se interessa mais por artes plásticas. Escritores, cineastas, dramaturgos, assustam-se diante da responsabilidade de fazerem um julgamento estético em face de obras que não lhe afetam, não lhe interessam, das quais, enfim, não gostam. Não tem coragem, todavia, de afirmarem isso categoricamente, visto que, com o advento da arte conceitual, uma crítica que não seja fruto de uma análise profundamente metódica e embuída de densos saberes filosófico e técnicos, é uma crítica leviana da mente de um tolo ou, o que é pior, de um reacionário.
Assim conseguiu-se calar aqueles que sempre deram a palavra final sobre a arte moderna: os poetas, os livre pensadores, o cidadão culto comum. Francamente, eu estudei Kant e Hegel, filósofos difíceis, reconhecidos como fundadores da estética moderna e, no entanto, simplesmente não compreendo bulhufas de certos textos críticos publicados em jornais. Esses textos, ancorando-se num certo temor reverencial do homem comum, sobretudo entre os brasileiros, para com os "doutores", escorregam por entre nossas mãos e não deixam vestígios. Não podemos nem contestá-los, porque não há nada para contestar. Há um vazio, uma retórica presunçosa mas que brande uma suposta erudição como uma ameaça constante, do tipo: não me conteste porque você não leu o que eu li e logo és um ignorante e não tens cacife para participar do debate. É isso. Falta debate. Nesse sentido, foi saudável a participação do Affonso, ele tentou (mas não conseguiu) criar um debate. Os que se sentiram atingidos pela verve dura de Affonso, no entanto, não quiseram responder democraticamente. Fizeram passeatinhas contra ele. Insurgiram-se de forma infantil.
Incrivelmente, porém, eles foram eficazes e colaram a pecha de reacionário na testa do Affonso Romano de Sant'Anna. Conforme já disse, parte da culpa cabe ao Affonso, que não soube ultrapassar a crítica negativa, necessária, para uma dialética superior, apontando positivamente trabalhos de arte contemporânea, que existem, logicamente, e de magnífica qualidade. Temos um Joseph Beuys, um Rauschenberg, um Antonio Berni e tantos outros. A crítica de Affonso se manteve na superfície e produziu mais polêmica que debate. O outro lado venceu através de um silêncio rancoroso, agressivo e, por fim, demoliu a opinião de Affonso com seu trator de teses acadêmicas.
No entanto, algo de positivo restou da luta de Affonso. Em primeiro lugar, a sua coragem, sua franqueza e sua posição descompromissada. Nunca foi um crítico de arte profissional. Tinha uma opinião, certa ou errada, e a expressou, conforme sua liberdade e seu direito. Infelizmente, o debate extinguiu-se. Nem na internet, há nada consistente sobre o tema. A sociedade não se interessa muito. As classes cultas canalizam seu entusiasmo para o cinema e a literatura. As artes plásticas, enquanto isso, se marginalizam mais e mais, restringindo-se a um público cada vez menor, mais fechado, mais arrogante e, por conta desses defeitos, mais míopes sobre a própria arte.
Não queria traçar um quadro sombrio do cenário contemporâneo das artes plásticas no Brasil, mas não venham me acusar de arrogante ou ignorante. A minha opinião é minha liberdade. Minha liberdade é consequência do meu conhecimento, resultado por sua vez de um antigo, lento e apaixonado estudo sobre as artes plásticas.
Bem, volto a falar sobre isso. Talvez decida criar um site específico para publicar resenhas, opiniões e artigos sobre artes plásticas. Ciao.
10 de fevereiro de 2008
Filosofando sobre arte
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há mil formas de nos narrarmos, seja atraves da pintura, performance, video...
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