6 de fevereiro de 2008

Globo criminaliza o Estado brasileiro

A nova frente de ataque da dobradinha imprensa X oposição contra o governo federal, a saber, o uso dos cartões corporativos, será mais um precioso exercício para as autoridades aprenderem a lidar com uma cobertura fortemente oposicionista. O Globo de hoje dedica toda a sua terceira página a fornecer detalhes de gastos de cartão de funcionários. O interessante é que os gastos detalhados, por si mesmos, não tem nada de mais. O regulamento diz que o cartão pode ser usado para praticamente qualquer finalidade, desde que justificáveis, logicamente. Os tais "fins emergenciais" que constam também no regulamento, por outro lado, dão margem a uma interpretação subjetiva, afinal o que pode ser considerado urgente para um determinado órgão público, pode não o ser para o Globo.

O mais irritante da situação é que, possivelmente, num universo de 7.145 servidores que usaram o cartão em 2007, haverá erros ou irregularidades, como ocorre em qualquer governo, mesmo na Suíça, mas o Globo põe em suspeição a tudo e a todos, forçando uma paralisação do Estado brasileiro e procurando produzir mais uma crise política no Congresso, mais uma para paralisar a votação de leis e reformas fundamentais para o crescimento econômico do país. A manchete do Globo é Sinuca financiada com cartão, e cita um funcionário do Ministério da Educação que gastou R$ 1.400 numa loja especializada em materiais de lazer. Ora, pode ser uma irregularidade e pode não ser. Uma das funções do cartão, conforme o próprio Globo cita, embora sem a contextualização lógica necessária, é a aquisição de materiais de construção. O funcionário pode ter comprado, na loja, por exemplo, um tapete para a sala do ministro, num dia em que haveria reunião importante. A mesma coisa acontece para todos os gastos citados pelo Globo. Não há, em tese, irregularidade em nenhum deles. Todos podem ser classificados como "situações emergenciais, compra de materiais e de entrega imediata, etc". Segundo a lógica do Globo & cia, os gastos governamentais são, em si, aéticos. A compra de uma cortina para uma janela, a troca de uma mesa por outra, a aquisição de um sofá de couro negro, constituem, para o Globo, farra com verba pública. As altas repartições federais deveriam funcionar a pão e água, sem conforto, sem materiais e, de preferência, geridas por firmas terceirizadas.

O tom usado pelo Globo dá continuidade ao ataque sistemático que a nossa mídia vem fazendo à própria legitimidade democrática do governo federal. Ele não serve para nada, portanto qualquer gasto é supérfluo. Com isso, a mídia produz uma antipatia crescente, junto a parcela de seus leitores, para com o próprio poder público.

Como não sabemos, efetivamente, qual a finalidade de cada gasto citado, e como o GLobo não procurou os funcionários para os explicarem (e quando o fazem, querem explicações no "susto" do momento, não dando tempo para as repartições fazerem o levantamento de gastos irrisórios), desta forma o Globo consegue a proeza de criminalizar todo o aparato federal brasileiro. Com isso, o Globo fragiliza o Executivo e dá forças para a oposição paralisar as ações do Estado para beneficiar a população.

Mas existe um ponto-fraco nesta crise que é o seguinte. O que a mídia vem fazendo, neste caso dos cartões corporativos, tem um sentido didático, para o governo e para o povo. É a primeira vez que o povo está sendo confrontando com os gastos do Estado brasileiro, pois o portal da transparência é uma iniciativa recente. O cartão corporativo foi implantado nos últimos anos da gestão tucana, mas o seu uso ganhou dinâmica e transparência no governo Lula. O governo FHC não tinha transparência. Os governos tucanos de São Paulo e Minas Gerais não tem transparência.

Há tempos que a mídia e particularmente o Globo vem procurando desgastar a classe política, como um todo. Não compreendo exatamente o interesse dessa campanha, nem tenho certeza se há uma intenção voluntária, se é uma reação instintiva, classista e preconceituosa, contra o partido dos trabalhadores e o presidente Lula, ou se resulta de um sentimento corporativo, privatista, antipático a qualquer iniciativa estatal.

"Festa de gastos com verba pública", esse é o título do infográfico que o GLobo estampa na sua terceira página, citando gastos que, para o leitor, não têm nenhum sentido, nem para o bem, nem para o mal. Qual o sentido de citar o gasto de R$ 650, do dia 13 de novembro, com a Philippi Automóveis SA, feito por João Roberto Fernandes Junior, da presidência da república? Que tem demais isso? O mesmo tipo de pré-julgamento malicioso está por trás de toda esta cobertura. O Estado brasileiro é caro como o Estado de qualquer outro país do mundo, seja no Quênia, nos EUA ou na Finlândia. Uma repartição precisa de mesas, cortinas, tapetes, vasos de flores, xícaras de café, canetas e papeis higiênicos, isso tudo precisa ser comprado em papelarias, lojas de materiais de construção, mercados especializados ou não. Seria injusto e estupidez pensar que os funcionários públicos deveriam arcar com os custos do Estado do próprio bolso. Temos um Estado e devemos pagar por ele. Pode não ter os melhores serviços públicos do mundo, mas também não são os piores do mundo. Está provado que a relação número de funcionários públicos e PIB é baixa no Brasil, em comparação aos Estados Unidos, considerado modelo de capitalismo.

O superávit da União, em 2007, foi um recorde histórico, ou seja, o governo não foi o gastador que se fala. A relação da dívida pública com o PIB tem caído sistematicamente no governo Lula. No governo FHC, a dívida pública explodiu. O governo FHC vendeu a Vale do Rio Doce por 1 bilhão de dólares, em moeda podre. Hoje a Vale tem valor superior a 200 bilhões de dólares. FHC vendeu a Vale a preço subfaturado, num momento em que os mercados indicavam que o preço do ferro iria explodir no curto ou médio prazo, elevando automaticamente o valor da Vale. Não sou nenhum radical contra a privatização, repito, sou radical contra a depredação do patrimônio público. Sou radical contra vender uma estatal que valia US$ 200 bilhões, por baixo, por US$ 1 bilhão. Onde estava a preocupação do Globo com o meu, o nosso, o seu dinheiro, como gosta de dizer Ancelmo Góes?

Onde estava a preocupação do Globo com o meu, o nosso, o seu dinheiro quando FHC deu bilhões para os bancos, no famigerado Proer? Onde estava a preocupação do Globo com o dinheiro público quando o Banco Central deu, de mão beijada, quase US$ 2 bilhões para os bancos Marka e Cidam, através de informações privilegiadas? Onde estava a preocupação do Globo com o dinheiro público quando o Brasil perdeu dezenas de bilhões de suas reservas internacionais, por conta da política cambial desastrada, mantida artificialmente para FHC ganhar as eleições em 1998?

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