9 de fevereiro de 2008

Tapiocas midiáticas II

Pedir respeito da mídia para com o chefe de Estado brasileiro, eu sei, é pedir demais. Nos tempos fernandistas, nunca ouvimos nenhuma referência à sua família, ou qualquer alusão ou mesmo curiosidade sobre seus gastos pessoais e familiares. Aliás, vale lembrar que não havia transparência alguma no governo FHC, visto que o Portal Transparência foi implantado em novembro de 2004. O uso do cartão corporativo, que permite a transparência e o monitoramento social do gasto público, também só foi efetivamente implantado no governo atual. O Estadão publicou editorial lembrando que, em 2001, primeiro ano do cartão corporativo, foram gastos R$ 56. E repete, como se esse gasto representasse lisura de FHC e não, como é óbvio, que o cartão simplesmente não foi usado este ano. E ainda vem falar em agressão à inteligência! O Estadão quer que seus leitores pensem o quê? Que os gastos do Executivo em 2001 se limitaram a R$ 56? Tenham santa paciência! Se o governo estadual do PSDB gastou R$ 108 milhões com cartão corporativo (e qual a importância, diabos, se o cartão é débito ou crédito? Não é gasto público? Não sai do bolso do povo?), e o governo federal gastou R$ 75 milhões, qual é o grande pecado, em si, deste último?

Além disso, há uma volúpia particular com a tapioca do ministro. Em editorial de hoje, o Estadão volta a citá-la maliciosamente. Não importa se ele devolveu o dinheiro, não importa se o gasto não teria nada demais no caso de ser feito fora de Brasília. Parece que a tapioca entalou mesmo no gogó das elites brasileiras. Vejam só que primor de frase o Estadão nos brinda hoje:

"O mesmo vale para a outra ponta das impropriedades - a do varejo das tapiocas, como a insignificância dos R$ 8,30 que o ministro dos Esportes, Orlando Silva, gastou indevidamente pelo manjar com o seu cartão".

Agora tapioca virou manjar! Nossa, que força de linguagem! As elites, que gastam milhares de reais para comer em seus restaurantes preferidos, não podem conceber que o ministro dos esportes tenha despendido R$ 8,30 para comer uma tapioca. E com dinheiro público! A vontade que eu tenho é de fazer um depósito de R$ 8,30 na conta do Estadão para ver se o jornal pára de encher o saco. O prejuízo que o Estadão causa ao país, ao tomar uma atitude jornalística tão leviana, querendo transformar uma tapioca numa crise nacional, vale dez milhões de tapiocas. Os gastos do governo federal com o cartão corporativo são transparentes e auditados anualmente pelo Tribunal de Contas da União, pela Polícia Federal e pela Controladoria Geral da União. Claro que devem haver eventuais erros no uso desses cartões, mas seguramente não mais erros do que em qualquer outra área do setor público. É muito bonito que a nossa mídia tenha se tornado um órgão tão vigilante do gasto público, mas, diante do volume de problemas que o país atravessa, inclusive no tema corrupção, bem que podiam esquecer essa tapioca. Crucificar um cidadão, ministro de Estado, por causa de uma tapioca de R$ 8,30 (cujo valor foi devolvido logo depois pelo ministro) é de uma pequenez que apenas confirma a mediocridade de nossa mídia e parte de nossas elites.

Para cúmulo da manipulação ideológica, o Globo publica, na terceira página, uma matéria intitulada: "Empresas privadas têm controle rigoroso", que diz que as multinacionais e grandes companhias em geral fornecem cartões para seus executivos, mas à diferença do governo LULLLA ladrão, elas têm controle sobre os gastos. O subtítulo também é gracioso: "Funcionários têm de comprovar gastos e podem ser punidos se usarem cartões indevidamente". Aí entrevistam um executivo de uma "grande companhia de energia". Que fofo. Mas o Globo não lembra que essas empresas não publicam seus gastos na internet, ao alcance de todos. O Globo não lembra que uma grande companhia francesa, Societé Generale, ocultou um rombo de mais de 7 bilhões de euros das autoridades e acionistas. Com 7 bilhões de euros dá para comprar quantas tapiocas? Vamos ver, 7 bilhões de euros dá 21 bilhões de reais, que compra 2,53 bilhões de tapiocas. O Globo não lembrou que as grandes companhias americanas que causaram a crise das hipotecas, já causaram prejuízos de dezenas, ou centenas de bilhões de dólares aos governos americanos e europeus e outros tantos às bolsas de valores. Isso sem falar na WorldCom e seu rombo de 100 bilhões, sem falar em tantos e tantos casos de fraudes corporativas.

Ao fim da matéria, uma enquete: "O governo deveria adotar regras como as empresas? Comente." Que maravilha, demitamos o governo e contratemos a Exxon Mobbil para gerenciar o Estado brasileiro. As multinacionais são um exemplo de ética e probidade adminstrativa. Os rombos trilionários que acontecem regularmente nessas corporações são "acidente de percurso"... Ora, caros editores do jornal O Globo, as empresas privadas não são as santinhas que vocês dizem, e não tenho motivo para acreditar nesse rigor ético todo com os cartões corporativos por elas usados. Sem falar que se trata de uma generalização absolutamente burra. Há empresas e empresas. Falar em "empresa privada" como se fosse uma entidade pura e homogênea é uma falsidade. De qualquer forma, qual o sentido dessa comparação? Dizer que a empresa privada é mais ética que o governo? Sugerir que o governo deveria ser terceirizado?

A irritação da mídia com a revelação de que o governo tucano de São Paulo gastou mais com cartão corporativo do que o governo federal advém do fato de que ela dificultou a comprovação de uma tese pré-fabricada que se tenta vender diariamente. O governo Lula é corrupto e incompetente. Ponto final. Não importam dados. Não importam estatísticas. Não importa crescimento econômico. Não importa o aumento exponencial das ações da Polícia Federal. Não importa a transparência. O governo é corrupto, pronto, acabou. Um ministro compra uma tapioca e, por engano, paga com cartão corporativo? Está aí a prova cabal de que o governo Lula e o presidente em particular é corrupto. Lula deve ter dito ao ministro: "vai lá, cabra, e compra uma tapioca no cartão, aproveita e traz uma para mim". Se o ministro tivesse comprado duas tapiocas, a mídia teria insinuado que a segunda foi levada para o Lula.

Mas eu ia falando, no início do post, de respeito ao chefe de Estado. Pois bem, o Globo está vendendo a tese para seus leitores - que, como sempre, acreditam piamente, ao menos aqueles cujas cartinhas são aprovadas e publicadas - de que a segurança nacional não justifica o segredo dos gastos dos cartões usados pela Presidência. Bem, em primeiro lugar, essas regras não são impostas por Lula, mas pelos militares e especialistas em segurança, gente que fez cursos no exterior, que estudou e trabalhou a vida inteira sobre o tema, que participa de seminários internacionais sobre segurança. Se um general de nossas Forças Armadas afirma que o gasto do cartão corporativo da Presidência da República é sigiloso por questão de segurança nacional, a imprensa deve, no mínimo, respeitar a autoridade, consultar outro especialista, ou checar como fazem chefes de Estado de outros países. Não vale ir perguntar para o Ministro Marco Aurélio, cuja resposta é sempre a desejada pela imprensa. Não vale fazer chacota, dizendo que compras de vinhos e carnes não dizem nada sobre a segurança. O que diz então? A senha do portão da Granja do Torto? É lógico que saber onde são compradas a comida e a bebida da Presidência é questão de segurança nacional. Já ouviram falar de envenenamento, seus estúpidos? Além do mais, a Presidência é responsável por encontros quase diários com altas autoridades de outros países, incluindo muitos que possuem problemas com terrorismo. Não é questão de dizer que ninguém quer matar o Lula. Podem querer atingir algum chefe de Estado que se encontre com Lula. Será que os editorialistas do Globo & Cia não raciocinam? O seu ódio e preconceito contra Lula é tão visceral que perderam o bom senso?

*

"(...) Em termos de degradação moral e miséria intelectual, nada supera hoje certos blogs politicamente aparelhados (...) Não direi seus nomes, assim como não jogo lixo na rua. (...) no caldeirão fervilhante desse parajornalismo rebaixado, é impossível discernir o que é engajamento, o que é negócio e o que é só lobby de si mesmo (...)"


Trecho da coluna do Barros e Silva, na Folha de SP, copiado do blog Cidadania. Degradação moral... Humm, que delícia de expressão. Que criatividade. Que linguagem rebuscada! Parece um personagem de Eça de Queiroz! Sobre os blogs politicamente aparelhados, fiquei aborrecido por ele não dizer os nomes. Sacanagem isso, queria muito saber quem são esses safados, esses "aparelhados", se bem que não sei muito bem o que isso significa. Recebem dinheiro de partido? São feito por gente de partido? No primeiro caso, queria saber porque também queria levar algum. Eu mereço. Fico aqui defendendo o governo sem levar um tostão, só por raiva dessa imprensa golpista. Aliás, isso que a imprensa não percebe. Que muita gente está se tornando defensora do Lula só por raiva da parcialidade gritante da imprensa. No caso de gente do partido fazendo blog, aí é direito deles, não? Sem contar que todos os partidos têm blog hoje. Até o Gabeira tem blog. Aliás, pensando bem: "blogs aparelhados politicamente" significa o quê? Que a política aparelha os blogs? Hã? Esses jargões anti-petistas da mídia estão começando a agredir a lingua portuguesa... Ah, e parabéns por não jogar lixo na rua e mais ainda por escrever isso em sua coluna, Barros, é um grande exemplo de probidade... Já temos um novo Catão do jornalismo brasileiro!

1 comentário

Anônimo disse...

Nunca é demais lembrar que a defesa visceral que a Globo faz dos empreendimentos privados é sintomático do que ela mesma faz: até hoje, "denúncia" ventilada pela concorrência (Veja, não estou dizendo que seja apenas perseguição comercial/política, mas de qualquer modo faz parte do jogo de concorrência) de que a Globo usou R$ 5 bi em empréstimo feito pelo BNDES jamais será profundamente investigada, ou merecerá os devidos esclarecimentos por parte do grupo dos Marinho. Depois, quando PHA rotula essas empresas, corretamente, de PIG... Ademais, a tremenda e absoluta falta de respeito que eles dirigem ao atual chefe de Estado deste País ressoa bem à época em que os intelectualóides políticos americanos fizeram ataques a Abraham Lincoln - diziam que era "um caipira iletrado" e, no entanto, tornou-se um dos mais admirados chefes daquele país, a despeito da virulência de seus afetados opositores.

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