14 de maio de 2010
meditações antisalariais
(O julgamento final, pintura de Giotto numa igreja de Pádua, Itália. Esse lado mais obscuro, barroco, de Giotto, quase um Bosch, não é tão conhecido. A pintura acima é um detalhe. O original, inteiro, está aqui.)
hoje foi um dia de curtir ressaca. e perdi tempo também numa palhaçada. recebi um telefonema ontem de noite, acordei e um rapaz dizia que haviam recebido meu currículo, e que gostaria de marcar uma entrevista. estranhei que ligassem tão tarde, mas estava meio grogue e anotei rapidamente os dados e horário. depois eu vi que não era de madrugada, ainda eram 18 horas, eu é que havia trocado o dia pela noite e meu relógio interno se destrambelhara.
entrei no site que me indicaram e observei, decepcionado, que era uma agência de empregos. deviam ter recebido meu telefone via mala direta. mas o rapaz havia mencionado algo sobre uma empresa que citara meu nome.
na verdade eu venho fugindo de emprego há dois anos, desde que desisti de trabalhar com aquele site americano, onde eu escrevia sobre café, mas já houve alguns momentos de desespero em que eu me inscrevi em sites do gênero.
tem pingado, contudo, assinaturas na minha conta de vez quando, dando-me condições de abastecer a geladeira e pagar minha cerveja, e a priscila está com perspectivas melhores de trabalho para este ano. meu desespero, portanto, está sob controle.
de qualquer forma, fui lá hoje, só por curiosidade, pois ainda não tenho vontade de trabalhar em lugar nenhum. quero esticar minha vagabundagem blogueira até a corda estourar. até porque não é vagabundagem, eu trabalho firme na internet.
o cara passou mais de uma hora dizendo que, sem me cobrar nada, apenas 30% dos dois primeiros salários, iria me "realocar" para o alto escalão de alguma grande empresa multinacional. falei que não queria ganhar menos de 7 mil reais por mês, e ele pareceu gostar. "somos caçadores de talento", disse, me fazendo sentir realmente um tesouro profissional ainda não descoberto pelos gigantes do capitalismo brasileiro. pensei até em exigir um salário maior, acima de 10 mil reais.
ao final da exposição, perguntou-me se eu havia entendido tudo. eu disse que sim, só queria saber se o pagamento deles se limitava ao percentual sobre meus dois primeiros salários. sim, é só isso, ele disse.
aí explicou que o treinamento a que eles me submeteriam, capacitando-me a seduzir as equipes de RH que enfrentaria no futuro próximo, tinha um custo mensal de 300 reais, durante seis meses.
eu enrolei um pouco, disse-lhe que minha renda não me permitia esse gasto. aí ele ofereceu a metade do preço, 166 reais por mês. um cara que assistia a entrevista, ao lado, fez um jogo de cena, e perguntou a seu colega: "tem certeza que você pode oferecer isso?"
ainda enrolando, expliquei que precisava pensar. ele parecia convicto que poderia me convencer a assinar um contrato naquele instante e dar-lhe seis cheques pré-datados de 166 reais, ao mesmo tempo que afirmava: "não quero um centavo seu agora".
argumentei que precisava pensar. ele se enervou, disse que não poderia garantir nada depois. era pegar ou largar, insistiu. tentou sondar exatamente quantos centavos eu ganhava por dia. eu disse que seria triste entrar nessa seara, e falei das assinaturas que vendia, da Carta Diária. era muito pouco, usado exclusivamente para alimentação e a brejinha sagrada. resignou-se afinal. topara com um duro de verdade, e mais astuto que ele.
enfim, nos despedimos. ele me levou até a porta, provavelmente xingando-me interiormente. eu segui pelo corredor, pensando comigo mesmo:
- ahah, tá pensando que me engana, seu bosta!
daí segui para o centro cultural banco do brasil, onde terminei a tarde lendo uma coisa bem leve, para conforto do meu cérebro ainda embotado pela ressaca. folheei um livro de pinturas de giotto. depois voltei para casa.
por falar em pintura, amanhã tem abertura de exposição na gentil carioca, praça tiradentes, a partir das 17 horas. apareçam, é sempre divertido. eu vou estar com um grupo de amigos.
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terminaste bem o dia com giotto, miguel. Acompanhado de um bloody mary então não há ressaca que resista...
Estou com uma exposição na casa benet domingo, na urca. Tô te mandando um convite pelo email, podenddo apareça.
ps teu blog tá to cacete, já tá linkado
lá no meu:
www.heliojesuino.wordpress.com
Miguel
Você é uma figura nota 10, um personagem de Somerset Maugham, inesquecível. Tua vida é uma seara aberta de aventuras inimagináveis. Curte ela cara.
Um abraço fraterno,
Claudio
Cara, sei que vc é do bem e de bem, só tem um defeito, aliás, um grave defeito.
Essa merda de se pensar sendo de esquerda. Sai dessa cumpadí.
Cara, você escapou de um golpe que já vi algumas vezes por aí. O sujeito começa - é claro - prometendo excelente emprego e "garantido" (emprego bem pago em multinacional assim do nada? só nos sonhos do golpista). Depois começa, vêm os "cursos", as "pequenas despesas", de "emprego garantido" muda para "curso para facilitar a contratação" como você descreveu.
Mas o que acontece na verdade é pagar um curso e "material de curso" para o golpista, e depois ele some e o "emprego garantido" vira fumaça. É similar aos velhos golpes da Nigéria de oferecer uma grande fortuna e depois pedir dinheiro para cobrir os "custos da operação".
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