No último dia do Encontro dos Blogueiros, em São Paulo, como eu já contei, fomos tomar cerveja num barzinho próximo ao Sindicato dos Engenheiros. Um jornalista-blogueiro presente defendia a tese de que a blogosfera de esquerda, após a vitória de Dilma, deveria fazer oposição ao governo, sobretudo porque a presidente estaria refém do PMDB. Não concordei. A meu ver, Dilma sairá menos dependente do PMDB do que o Lula do segundo mandato, pois o PT deverá formar maioria na Câmara (nem se sabia disso naquela data) e ampliar sua base no Senado.
Continuará dependente do PMDB, mas em proporção menor. E também não gosto de criminalizar o PMDB, legenda que agrega muitos quadros bons.
O jornalista, então, meio à brinca meio à sério, disse que éramos um bando de puxa-sacos. Qualquer um que opera nas trincheiras da blogosfera na luta contra a mídia, já ouviu argumento parecido. A grande mídia ajudou a criar esse maniqueísmo radical. Se um sujeito sai na rua com um cartazinho contra Lula, vai para a primeira página de todos os jornais. É entrevistado pelo Jornal Nacional (nem importa que você seja um bandido) durante sete minutos. A mesma coisa vale para Dilma hoje. E pelo jeito continuará valendo.
É chato isso. Um leitor do Nassif sintetizou: quando poderemos criticar o governo Lula sem olhar pro lado e ver um blogueiro da Veja batendo palmas? Sim, porque as pessoas querem ter a liberdade de fazer críticas ao governo sem com isso estarem firmando parceria com a extrema-direita.
A radicalização da mídia contra o governo Lula meio que militarizou o debate, convertido numa guerra de imagens, de símbolos. Serra é o "mais preparado", o "bom gestor", afora todas as posições em negativo que tanto deliciam a mídia, como ser contra qualquer coisa que cheire a esquerdismo: Chávez, Morales, Irã, Cuba, Mercosul, Estado forte, valorização salarial de professor, etc. Apesar de carregar mais de vinte processos judiciais nas costas, uns três por improbidade administrativa, apesar de sua pasta ter sido alvo de vários escândalos (máfia das ambulâncias, demissão em massa de 5.400 mata-mosquistos), apesar de inúmeros fiascos de sua gestão em São Paulo (cai viaduto, buraco no metrô, não dragou a calha do tietê, truculência com professores e policiais), nada disso é explorado de maneira sistemática, maciça e coordenada, como fizeram com Lula e agora fazem com Dilma. A gente, na blogosfera, percebe o desequilíbrio e assume a defesa de Dilma. Eles são poucos jornais com tiragem imensa, nós formamos um exército liliputiano de pequenos soldados a combater gigantes.
Não é questão, portanto, de puxar o saco de ninguém. Participamos de uma batalha política de grandes proporções, e assumimos abertamente (à diferença dos jornalões) de que lado estamos.
Quando a oposição apela para o moralismo, tudo fica mais difícil. Sabemos que há corrupção no governo, e desejamos, naturalmente, que esta seja combatida impiedosamente pelo Estado. Sabemos que a corrupção tem o poder de atingir a qualquer um. Em debate recente entre os presidenciáveis, Renata Lo Prete perguntou à Dilma se ela "botava a mão no fogo" por Erenice. Dilma elogiou sua ex-secretária mas evitou estender sua mão sobre as labaredas do prejulgamento.
Um governo, um partido, um leque de alianças, lida com centenas de milhares de funcionários, militantes ou simplesmente filiados, sendo virtualmente impossível checar o passado ou verificar o grau ético de cada um. O ser humano tem infinita capacidade de superar-se E degradar-se. Mais ainda, o ser humano é dotado de talentos e habilidades sem que haja nenhuma proporção automática com suas virtudes, de maneira que se pode encontrar um funcionário excepcionalmente qualificado de um lado, mas com terríveis defeitos de caráter, de outro. Aliás, todos temos algum defeito de caráter, e as pessoas talentosas, cultas, ou bonitas, não apresentam, em tese, nenhuma superioridade moral sobre ninguém.
Mais uma vez a imprensa incorpora o lacerdismo moral, em que eventuais delitos cometidos por pessoas servem como pretexto para lançar descrédito sobre todo um partido. Voltamos aos anos do mensalão, em que um jornalista achava um papelzinho na lixeira da presidência com as iniciais CD e no dia seguinte as manchetes alardeavam que acharam provas sobre o assassinato de Celso Daniel e daí listavam cinquenta outros escândalos, juntando a morte do cãozinho rex ao dólar na cueca de um petista cearense, de forma a criar na mente do leitor uma indignação generalizada, confusa, irritada.
Seja como for, Lula conseguiu escapar, com auxílio do bom senso do povo brasileiro e talvez com um empurrãozinho da blogosfera progressista. E agora o alvo é Dilma. Daí que a missão continua. A classe média permanece vulnerável aos factóides midiáticos. A imprensa sabe a hora de investigar a fundo um problema e sabe a hora de parar as investigações. Em se tratando de Dilma, não deixará passar uma agulha no palheiro. Fuçam a vida dela e de seus auxiliares e ex-auxiliares com uma sanha investigativa de fazer inveja a qualquer Pullitzer, para o que damos os parabéns. Com isso, eles obrigam a candidata a aprimorar suas escolhas e a se tornar mais e mais exigente em termos de ética e comportamento. É uma ironia muito grande, porque a imprensa, ao perseguir apenas o PT e deixar o PSDB/DEM livres de uma abordagem mais crítica, converte o primeiro num partido disciplinado e cuidadoso, e o segundo numa legenda cada vez mais lassa eticamente, como se pôde constatar em Brasília, com Arruda, e com a escandalosa omissão do governo tucano em relação à limpeza da calha do Tietê, um erro trágico pelo qual a imprensa jamais fez a necessária cobrança de responsabilidade.
Daí que Dilma se converte praticamente numa rainha (e não no sentido de Rainha da Inglaterra, de poder apenas aparente, e sim no de símbolo do poder real acima dos lordes locais), cuja imagem devemos zelar e proteger. Pois ela, mesmo que sujeita a todo o tipo de erro, humana que é, não é mais apenas a pessoa Dilma, não é mais sequer a instituição presidência da República. Dilma agora é a peça mais importante do nosso lado do tabuleiro. É a peça que nós usaremos para derrotar a direita.
Portanto, caro jornalista-blogueiro, não é com fanatismo tolo e partidário que defendemos Dilma Rousseff, e sim com a astúcia e estratégia de jogadores de xadrez. O festival de escândalos produzidos diariamente pela imprensa não pode nos assustar e atravessaremos as duas semanas que faltam até a vitória com o dedo no nariz. Dilma é falha. Lula é falho. Mas o que interessa são os resultados, sobretudo sociais e econômicos, que estão aparecendo. A imprensa de oposição procura, de todas as formas, descolar o debate político dos fundamentos econômicos, porque estes últimos beneficiam Dilma; mas ao fazê-lo, ao esquecer a economia e centrar a cobertura política num festival de escândalos, ela pode enganar muita gente com sua ética ultrasseletiva, mas não a gente, que pertencemos a classe média liberta da Matrix midiática, e não a maioria do povo brasileiro, interessados (com muita justiça) antes em desenvolvimento econômico e emprego. Em vez de nos escandalizarmos, defendemos medidas práticas, concretas, óbvias, como aprimorar os institutos que combatem a corrupção, o nepotismo e a incompetência. Não é dando gritinhos que se combate falcatrua, e sim investindo pesado na Polícia Federal e dando espaço para que o Ministério Público possa trabalhar com independência e liberdade.
Não é razoável, a duas semanas da eleição, lavarmos a roupa suja de todos os problemas domésticos do governo, um monstro de proporções colossais e, por isso mesmo, repleto de mazelas e parasitas. O momento é de discussão política, é disso que estamos falando. Estamos de olho na política externa, numa determinada visão de Estado, num olhar diferenciado para os mais pobres, num tipo de nacionalismo e amor pelo povo que, definitivamente, não vemos na direita representada pelo PSDB e sua militância, caracterizados por uma postura esnobe, elitista e preconceituosa em relação ao Brasil. E não sou eu que está dizendo, são as urnas.
Quanto a Serra, passará para história apenas como um candidato que, segundo a opinião de um desavisado estrangeiro (livre da pressão pró-serra das redações paulistóides), tem o prazer de ser trapaceiro.
20 de setembro de 2010
Os puxa-sacos de Dilma
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O serra já era, vem aí o candidato travestido de bom moço e com cara de galã de filme B, tanto ao gosto das zelites e desgosto do povo.
E eu que pensava que os blogueiros de esquerda tivessem um conhecimento minimo de logica!. Então se a Dilma vai ficar refém do PMDB vamos fazer oposição ao governo, de preferência predatória, descendo o cacete em tudo. É isto aí. Viva o Brasil.
Belo texto Miguel, mas não acredito que DIlma, eleita, fique refém do PMDB, ela fica refém do Congresso como todo presidente que assuma, enquanto nossa constituição continuar sendo parlamentarista e o nosso sistema de governo, presidencialista. Se o governo não fizer acordo, conluio, que nome seja, com os partidos majoritário no Congresso, ele não governa. Seria estupidez e desconhecimento dizer que Dilma ou qualquer outro não irá negociar, TEM que negociar. O que nós, povo brasileiro temos que fazer é ficarmos atentos ao que estão fazendo os nossos governantes. Elogio e críticas fazem parte de qualquer administração, mesmo a de uma residência, só não podemos é apontar nosso dedo sujo para o dedo sujo do outro.
Anonimo e Emília,
Acho que esse post ficou um pouco confuso. Eu queria falar mais de Dilma enquanto símbolo, mas deixa para lá.
Quanto ao PMDB, eu afirmou, no início do texto, que ela ficará menos dependente do que Lula, e que, de qualquer jeito, não acho que essa dependência seja tão negativa, desde que os anseios do PMDB passem por um bom filtro.
eu afirmo
Muito bom este texto , voce tem o dom de colocar no papel tudo o que está acontecendo, nossos sentimentos, muito obrigado, continue, não esmoreça, voces deste blogs "sujos" nos dá esperança ainda mais de um Brasil melhor, mais justo, mais democrático. Cada dia que passa tenho mais convicção de que o Lula não podia ter escolhido pessoa melhor com nossa primeira Presindente Mulher, ele nos demonstra agora mais essa face excelente estrategista politica nunca vista na História deste Pais.
Eu penso que os blog´s são frequentados por sua imparcialidade. A partir do momento que se perde essa imparcialidade deverá perder audiência como forma natural. Está acontecendo com a velha imprensa isso.
Miguel, interessante a sua lembrança sobre a legítima casca de banana que a Renata Lo Prete (a apóstola do Mensalão do Roberto Jefferson) lançou no caminho da Dilma.
Me faz pensar que, naquele momento, eles já tinham alguma munição contra a Erenice. Bastava a Dilma ter colocado a mão no fogo por ela que viraria manchete a ser estampada no programa do Serra: "Dilma põe a mão no fogo pela Erenice".
E assim vem operando o consórcio midiático, com todo o roteiro premeditado, num crescendo que deve chegar ao ápice às vésperas do 3 de outubro.
Concordo plenamente com vc, Miguel. O Brasil tem 500 de cultura de corrupção, e a corrupção vicia, portanto, é mto difícil extirpá-la. A média de funcionários públicos demitidos por corrupção no governo Lula foi de cerca de 1 por dia. Estive 2 vezes em órgãos públicos no governo Lula: a 1ª na Receita, e fui péssimente tratada e desorientada por 2 guardas. Depois que consegui passar por eles, fui bem atendida. Cheguei em casa, fui no site da Receita e fiz a minha crítica. Fui respondida pela ouvidoria, dizendo que era um serviço terceirizado, e que estava sendo substituído. O 2º foi no INSS, mais recentemente, e fui mto bem atendida. Não vi ninguém se queixar de espera ou qq outra coisa.
Acho que qdo nós elegemos um presidente, temos a responsabilidade de lhe proporcionar governabilidade, e o que o jornalista-blogueiro mostrou com seu comentário, é que ele está pré-julgando, o que não é uma atitude louvável. Isto não significa ser conivente com os erros, mas dar ao governante a chance de consertá-los.
Qto às críticas, o maior problemas é que Lula e Dilma já são tão bombareados, que de fato fica difícil entrar no jogo deles, e esse tema foi magistralmente analisado por vc.
O importante é que se providências estão sendo tomadas e com resultados perceptíveis, governos não são infalíveis e nem onicientes e onipresentes, e exigir isso é fazer o jogo do contra.
Ao meu ver, o que a blogosfera (de esquerda ou não), após a vitória de Dilma, deveria fazer é assumir o papel de crítica imparcial das relações políticas em si sob pena de replicar a mesma atuação nefasta da grande mídia. Infelizmente ainda não chegamos ao estágio de poder fazer críticas ao governo ou a oposição sem que com isso nos acusem de fazer parceria com um dos lados. Hoje os únicos reféns nesse país são os cidadãos comuns.
Fique feliz de encontrar estimulo pela sua ironia. O ataque ao PT fez Lula dizer que se sentiu estimulado a nunca poder errar......
Quisera poder expressar certa angustia com minhas próprias palavras. Incapaz recorro ao que li de um argentino sobre a luta daquele povo para se libertar da ditadura midiática. Se aproxima disso a privação do que nos é mais essencial. Sim, sim nutrição e reprodução, já li isso, porem que já conquistou esse mínimo.......Ele postou
”Não creio que devamos pôr o acento nisso; o que se perde é a subjetividade, a consciência, a autonomia de pensar por nós mesmos, pois pensamos o que nos fazem pensar, dizemos o que nos fazem dizer e nos convertemos em patéticos, bobos, manipulados defensores de causas alheias..Em http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16923
E também um paradoxo o Eduardo Guimarães se expressando no Cidadania
“Talvez o paroxismo da manipulação pseudo jornalística que o país assiste venha a ser útil, no fim das contas. Fará a sociedade exigir que a imprensa assuma suas preferências políticas onde tem direito de fazê-lo, o que não inclui as concessões públicas de rádio e tevê..”
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